Diferenças entre o sistema administrativo britânico e o sistema administrativo francês
Até às Revoluções liberais, vigorava o sistema administrativo tradicional,
assente na confusão dos poderes e na inexistência do Estado de Direito. Depois
das Revoluções liberais, estabeleceu-se os sistemas administrativos modernos,
baseados na separação de poderes e no Estado de Direito.
A implantação dos sistemas administrativos modernos seguiu modos diferentes
na Inglaterra e em França, dando lugar a dois sistemas administrativos modernos
distintos, sendo eles o sistema de tipo britânico (ou de administração
judiciária) e o sistema de tipo francês (ou de administração executiva).
Sistema
administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária
As principais características do sistema administrativo do tipo
britânico são a seguintes:
1) Separação de
poderes – o rei estava impedido de resolver questões de natureza
contenciosa, por força da lei de abolição da Star Chamber (1641) e foi também
proibido de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los, mediante o Act
of Settlment (1701).
2) Estado de
Direito – os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos
foram consagrados no Bill of Rights (1689). O rei ficou subordinado ao direito,
em especial, ao direito consuetudinário, resultantes de costumes sancionados
pelos tribunais (common law). O Bill of Rights determinou que o direito comum
seria aplicável a todos os ingleses. Era a consagração do império do direito,
ou rule of law.
3) Descentralização –
em Inglaterra praticou-se desde cedo a distinção entre a administração central
e a administração local. Mas as autarquias locais gozavam tradicionalmente de
ampla autonomia face a uma intervenção central pequena. As autarquias locais
eram encaradas como entidades independentes, verdadeiros governos locais. Em
Inglaterra nunca houve delegados gerais do poder centrar nas circunscrições
locais.
4) Sujeição da Administração
aos tribunais comuns – a administração pública encontrava-se submetida
ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns. Nenhuma autoridade pode invocar
privilégios ou imunidades visto haver uma só medida de direitos para todos, um
só sistema para o Estado e para os particulares. Os litígios que surgissem
entre as entidades administrativas e os particulares não eram, em regra, da
competência de qualquer tribunal especial, mas sim na jurisdição normal dos
tribunais comuns. Os tribunais comuns aplicavam os mesmos meios processuais às
relações dos particulares entre si e às relações da administração com os
particulares.
5) Subordinação da
Administração ao direito comum – em consequência do rule of law, tanto
o Rei como os conselhos e funcionários se regiam pelo mesmo direito que os
cidadãos. O mesmo se passava com os “local authorities”. Todos os órgãos e
agentes da administração pública estavam submetidos ao direito comum, não
dispondo de privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. Havendo
conceção de alguns poderes de decisão unilateral, esses são conferidos por lei
especial e encarados como exceções ao princípio geral do rule of law. O rei, os
órgãos da administração central e os municípios estavam todos subordinados ao
direito comum.
6) Execução judicial
das decisões administrativas – a administração pública não podia
executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da administração
tomasse uma decisão desfavorável a um particular e se o particular não a
acatasse voluntariamente, esse órgão não podia por si só empregar meios
coativos (ex, a policia) para impor o respeito da sua decisão. Teria de ir a
tribunal (tribunal comum) obter uma sentença que torne imperativa aquela
decisão. As decisões unilaterais da administração não têm força executória
própria, não podendo ser impostas por coação sem uma prévia intervenção do
poder judicial.
7) Garantias jurídicas
dos particulares – os cidadãos dispunham de um sistema de garantias
contra ilegalidades e abusos da administração pública. Se as leis conferiam
algum poder de autoridade publica aos órgãos administrativos, estes eram
considerados como tribunais inferiores e se excedessem os seus poderes, o
particular cujos direitos tivessem sido violados pode recorrer a um tribunal
superior, solicitando um “mandado” ou uma “ordem” do tribunal à autoridade para
que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Os tribunais comuns gozam de plena
jurisdição face à administração pública. O juiz pode anular decisões ou
eleições ilegais, mas também ordenar às autoridades administrativas que cumpram
a lei, fazendo o que ela impõe ou abstendo-se de a violar.
Em suma, os tribunais tinham um poder preponderante no sistema
administrativo de tipo britânico.
Sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva
As características iniciais do sistema administrativo de tipo francês
são as seguintes:
1) Separação
de poderes – com a Revolução Francesa foi proclamado em 1789, o princípio
da separação dos poderes. A administração ficou separada da Justiça (poder
executivo para um lado e poder judicial para o outro).
2) Estado
de Direito – não se estabeleceu apenas a separação de poderes mas
enunciaram-se os direitos subjetivos públicos invocáveis pelo individuo contra
o Estado. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é de 1789 e o seu
artigo 16º exige um sistema de garantia de direitos.
3) Centralização:
com a Revolução Francesa, uma nova classe social e uma nova elite dirigente
chegam ao poder. Tornou-se indispensável construir um aparelho administrativo
disciplinado, obediente e eficaz. Essa foi a grande obra de Napoleão. Os
funcionários da administration centrelae são organizados segundo o princípio da
hierarquia. O território francês foi dividido em cerca de 80 départements
chefiados por prefeitos, de livre nomeação governamental, que formam uma
poderosa administration locale de l’État, e os municípios perderam autonomia
administrativa e financeira, sendo dirigidos por um maire nomeado pelo Governo
e assistido por um conselho municipal, também nomeado. As autarquias locais não
passavam de instrumentos administrativos do poder central.
3) Sujeição
da Administração aos tribunais administrativos – antes da Revolução
Francesa, os tribunais comuns tinham-se insurgido várias vezes contra a
autoridade local. Depois da Revolução, esses tribunais foram focos de
resistência à implantação do novo regime, das novas ideias, da nova ordem económica
e social. O poder politico teve de tomar providencias para impedir intromissões
do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo. Surgiu uma
interpretação peculiar do princípio da separação dos poderes diferente da que
prevalecia em Inglaterra, se o poder executivo não podia imiscuir-se nos
assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não podia
interferir no funcionamento da administração publica. Assim, em 1790 e 1795, a
lei proibiu aos juízes que conhecessem litígios contra as autoridades. Em 1799
foram criados os tribunais administrativos, que eram órgãos da administração
pública, em regra independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a
legalidade dos atos da administração e de julgar o contencioso dos seus contratos
e da sua responsabilidade civil.
4) Subordinação
da Administração ao direito administrativo – a força, a eficácia, a
capacidade de intervenção da Administrativo pública que se pretendia obter
levou ao Conseil d’Était a considerar que os órgãos e agentes administrativos
não estão na mesma posição que os particulares. Exercem funções de interesse
público e utilidade geral, e devem dispor de poderes de autoridade que lhes
permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios ou
imunidades pessoais. A tradicional distinção entre direito público e direito
privado permitiu o nascimento de um novo ramo do direito público, definido em
função dos pouvoirs exorbitants que conferia à Administração Pública.
5) Privilégio
de Execução Prévia – o direito administrativo concedeu à administração
pública um conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos, por comparação
com os poderes normais reconhecidos pelo direito civil aos particulares nas
suas relações entre si. De entre esses poderes, o mais importante é o
privilegio da execução prévia, que permite à administração executar as suas
decisões por autoridade própria. Quando um órgão da administração francesa toma
uma decisão desfavorável a um particular e este não a acata voluntariamente,
esse órgão pode por si só empregar meios coativos (como a policia) para impor o
respeito pela sua decisão e pode fazê-lo sem recorrer ao tribunal. Em suma, as
decisões unilaterais da administração pública têm força executória própria e
podem ser impostas pela coação aos particulares, sem necessidade de intervenção
do poder judicial.
6) Garantias
jurídicas dos particulares – por assentar num estado de direito,
oferece aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e
ilegalidades da administração pública. Essas garantias são efetivadas através
dos tribunais administrativos e não por intermédio dos tribunais comuns. Os
tribunais administrativos não gozam de plena jurisdição face à administração.
Na maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral, o tribunal
administrativo só pode anular o ato praticado se este for ilegal. Os tribunais
são independentes perante a administração, e esta independente perante os
tribunais. São as autoridades administrativas que decidem como e quando hao-de
executar as sentenças que hajam anulado atos seus. As garantias jurídicas dos
particulares são menores do que no sistema britânico: apenas uma longa
jurisprudência do Conseil de L’État consegue aos poucos reforçar a posição dos
particulares perante os poderes públicos.
Em suma, no sistema de administração executiva reconhece-se a
autonomia do poder executivo relativamente aos tribunais.
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito
Administrativo, Vol. I, 4ª edição 2015, Almedina, Coimbra
Realizado por:
Joana Margarida de Laboreiro Ochsemberg
nº 26158
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