Os Vícios do Ato Jurídico

Antes de proceder a uma caracterização e definição dos vários desvalores jurídicos a que os atos da administração estão sujeitos, releva em primeiro lugar categorizá-los, enunciar os seus pressupostos, os seus elementos e os requisitos a que se devem submeter, sob pena de, claro está, padecerem de algum tipo de irregularidade ou invalidade.

Categorias de atos:
É necessário realçar de que os diversos atos emitidos pela administração pública não são todos idênticos, consistindo os mais importantes em: ato administrativo, regulamento e contrato administrativo
Isto não significa que este lote seja taxativo, existindo ainda outros como é o caso do plano e dos atos reais, embora, para os efeitos deste trabalho, não seja crucial ou sequer peremptório defini-los ou explicar aquilo que os diferencia.

Pressupostos dos atos:
São três os pressupostos dos atos praticados pela administração: subjetivos, objetivos e mistos.
O primeiro tem duas faces, o autor e o destinatário, isto é, aquele que produz a norma e aquele que é visado pela mesma, respetivamente.
O segundo alberga os pressupostos de facto e de direito, consistindo isto nas circunstâncias factuais e jurídicas que integram a previsão e estatuição da norma emitida.

Por fim, o pressuposto misto espelha-se tanto na vertente objetiva como subjetiva da competência, logo, aquele que produz o ato deve, respetivamente, possuir o poder para tal (tipificado na lei) bem como ser titular desse poder por um determinado órgão normativamente especificado.

Elementos dos atos:
Consistem estes nos aspetos integrantes da estrutura da norma, devendo para isso serem observados sob pena de nulidade da mesma. 
Estes elementos distinguem-se em subjetivos e objetivos, sendo que este último observa ainda três vertentes (elementos materiais, funcionais e formais).
Quanto ao elemento subjetivo, este assenta na vontade de adoção de um determinado comportamento, isto é, o ânimo voluntário (e consciente) na produção de uma certa norma e dos efeitos subsequentes da mesma.
Por sua vez, o elemento objetivo projeta-se no aspeto material - o conteúdo e objeto da norma - no aspeto funcional - os fins procurados e os motivos que levaram à produção do ato - e por fim, o aspeto formal - a forma e as formalidades requeridas para a produção de efeitos adequados.

Requisitos dos atos:
Tratando agora das propriedades dos atos jurídicos da administração, estas assentam em três vertentes: existência jurídica, legalidade e eficácia.
A existência jurídica de um ato depende da identificabilidade do mesmo enquanto ato jurídico público ou enquanto ato pertencente a uma determinada categoria de atos da administração.
Por sua vez, e logicamente, a legalidade do mesmo consiste na conformidade do ato com o bloco de legalidade (recorde-se: leis constitucionais e outras de direito interno, de direito internacional, costumes, etc).
A eficácia do mesmo assenta na sua capacidade de produção dos efeitos jurídicos previstos na norma.
Para concluir este subtítulo, naturalmente que a não verificação cumulativa (e integral!) destas propriedades acarreta sanções para o ato em si, como ilegalidade, ineficácia ou inexistência (consoante a posição tomada nesse debate, aprofundado já a seguir).

Inexistência dos atos?
Surge na doutrina uma querela relativamente a este aspeto, isto é, será que um ato pode sofrer de um vício tão intenso que produza a inexistência dessa norma? Afirmativamente respondem os professores MARCELO REBELO DE SOUSA e SÉRVULO CORREIA, negativamente responde EHRHARDT SOARES, e sugerindo uma espécie de nulidade agravada VIEIRA DE ANDRADE. Ora pois bem, a meu ver, não existindo na lei qualquer disposição que regule este regime, não contém qualquer tipo de interesse criar esta categoria dentro dos já vários desvalores tipificados na lei, e assim, recuso a inexistência jurídica como uma consequência de um ou alguns vícios da norma.
Ainda assim, releva enunciar os sentidos que a inexistência jurídica pode tomar, na opinião daqueles que defendem tal construção doutrinária: inexistência material - corresponde a um nada, não havendo assim qualquer ato - e inexistência jurídica - existindo a norma, o direito recusa a atribuição desse privilégio ao ato, devido ao facto de não reunirem os respetivos requisitos de existência.

Ilegalidade dos atos jurídicos:
Um ato ilegal da administração é uma norma que não está em consonância com o bloco de legalidade.
Designam-se assim como vícios as várias formas de manifestação dessa ilegalidade, que, ao estarem relacionados com os pressupostos e elementos acima referidos, se podem projetar subjetivamente e objetivamente, que por sua vez, engloba vícios formais, materiais e funcionais.
Por fim, a consequência da desconformidade com o bloco de legalidade acarreta a invalidade do ato, isto é, a inaptidão de este produzir os efeitos desejados.

Invalidades (nulidade e anulabilidade):
A invalidade pode projetar-se em duas vertentes: nulidade e anulabilidade, sendo estes os desvalores típicos dos atos administrativos.
Quanto à nulidade, esta opera quando os atos incorrem em ilegalidades de tal modo graves que a ordem jurídica considera peremptório eliminar os efeitos produzidos pela norma, ainda que tal envolva postergar interesses públicos ou privados (na perspetiva do prof. MARCELO REBELO DE SOUSA, a nulidade diferencia-se da inexistência na medida em que os vícios de que padece o ato, embora graves, não perturbam a qualificação jurídica do mesmo)
O regime da nulidade encontra-se previsto no art. 162º CPA, operando somente quando um ato esteja em consonância com as alíneas do art. 161º, determinando o seguinte: atos nulos não produzem efeitos jurídicos, não têm caráter vinculativo nem comportam execução coerciva, a invocação da nulidade não está sujeita a qualquer prazo, sendo insanáveis mediante ratificação (reforma e conversão), podem ser desobedecidos por qualquer sujeito jurídico, podem até ser declarados nulos oficiosamente, e não são suscetíveis de revogação.
Quanto à anulabilidade, esta corresponde a violações do interesse público, embora com efeitos menos perniciosos que os atos nulos, devendo ser compatibilizados com interesses de terceiros (públicos ou privados).
Por sua vez, o regime da anulabilidade, previsto no art. 163º CPA, é o seguinte: os atos anuláveis produzem efeitos jurídicos, desde que reunidos os requisitos de eficácia, têm caráter vinculativo e comportam execução coerciva, a arguição deste vício tem um prazo máximo sob pena de se consolidar na ordem jurídica, são sanáveis mediante ratificação (reforma e conversão), não são passíveis de desobediência e são suscetíveis de revogação.

Desvalores atípicos:
A nulidade e anulabilidade correspondem aos desvalores típicos dos atos jurídicos, correspondendo a estes, assim, seguindo esta lógica, regimes típicos.
No entanto, para determinadas ilegalidades, podem existir desvalores atípicos, isto é, possuir aspetos e beneficiar do regime da nulidade e anulabilidade. Por exemplo, um ato inválido pode ser conhecido oficiosamente mas seguir, nos restantes aspetos, o regime da anulabilidade.

Irregularidades:
A irregularidade é uma consequência para os atos que padeçam de ilegalidades pouco graves, logo, não "merecem" estar submetidos ao mesmo regime daqueles que se caracterizam por violarem gravemente o bloco de legalidade ou os requisitos e elementos enunciados anteriormente. Apenas podem padecer de vícios competenciais e formais, mas nunca materiais ou funcionais.
O regime da irregularidade acarreta uma depreciação dos efeitos secundários dos atos jurídicos, sem afetar os seus efeitos principais. Releva ainda referir que os atos meramente irregulares não deixam de ser ilegais, podendo também dar origem a responsabilidade disciplinar e civil dos seus autores.


Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral (Tomo III)

Trabalho realizado por:
Gonçalo Mimoso

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