Princípio da boa administração
O princípio da prossecução do interesse público constitucionalmente consagrado implica a existência de um dever, a cargo da Administração Pública, de prosseguir sempre da melhor maneira possível o interesse público e de satisfazer de forma eficiente as necessidades colectivas postas a seu cargo.
O princípio da boa administração está expressamente previsto na alínea c) do artigo 81º da Constituição para o setor público empresarial, mas é no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo que este é estendido a toda a actividade da Administração, ficando esta assim vinculada a pautar-se por critérios de eficiência, de economicidade e de celeridade.
Sem prejuízo da apreciação - a que adiante procederemos - do sentido da utilização do conceito de boa administração, importa desde já assinalar, e perfilhando o entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida, que a consagração deste princípio no CPA tem um sentido e um alcance de enorme relevância: o de assumir que a eficiência da Administração Pública possui relevância jurídica. E que consequências tem este entendimento? Desde já, o facto de entendermos que a eficiência da actividade de gestão de recursos públicos que a Administração desenvolve é uma exigência que se impõe, não apenas ao legislador - como aliás pressupunha o artigo 10º do CPA anterior à revisão de 2015 -, mas sobretudo diretamente à própria Administração.
Coloca-se assim a questão da determinação dos termos em que deve ser perspectivado o controlo jurisdicional da eficiência.
Adianta o Professor Diogo Freitas do Amaral que a discussão da relevância jurídica deste dever de boa administração requer, antes de mais, uma diferenciação de dois planos: o plano da juridicidade e o plano da justiciabilidade.
Na opinião do Professor não há dúvidas de que o dever de boa administração é um dever jurídico. De facto, essa juridicidade torna-se evidente não só no estrito âmbito da própria esfera administrativa (para efeitos disciplinares e em sede de impugnação administrativas) mas também, desde logo, para o efeito de admitir a constituição das entidades administrativas em responsabilidade civil extracontratual quando a sua conduta viole referenciais de eficiência (veja-se a este propósito a previsão dos nºs 3 e 4 do artigo 7º do RREEP - Regime da Responsabilidade do Estado e demais entidades públicas - que prevê a responsabilidade civil quando esteja em causa o "funcionamento anormal do serviço" em questão).
Lidamos, essencialmente, com situações de responsabilidade da Administração por morosidade excessiva na condução dos procedimentos e na tomada de decisões, na medida em que entendemos dever reconhecer-se que a inobservância para além do razoável dos prazos procedimentais viola um direito a procedimentos céleres.
Contudo, refere o Professor que o dever de boa administração não integra o espaço da justiciabilidade em virtude de não comportar, pelo menos de um modo claro, uma proteção jurisdicional. De facto, não é possível ir ao tribunal obter a declaração de que determinada solução não é a mais eficiente do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro devendo, portanto, ser anulada.
Como refere o Professor Mário Aroso de Almeida não se pode retirar do imperativo da boa prossecução do interesse público a atribuição aos juízes administrativos do poder de determinarem a solução que melhor realiza esse interesse em cada caso. De facto, não podemos deixar de reconhecer a necessidade de preservar o núcleo irredutível do mérito da Administração no âmbito do qual esta faz escolhas que se pautam por critérios não juridicizados.
Cumpre recordar que o conceito de boa administração tem entre nós um sentido bastante diferente daquele que lhe é dado pelo Direito Europeu. Na verdade, no panorama europeu tem vingado o entendimento segundo o qual o conteúdo deste princípio se deve fixar por referência a regras precisas - instrumentais - a serem observadas nos procedimentos decisórios. Na linha deste entendimento, a administração será "boa" se cumprir as regras e princípios jurídicos que se lhe impõem.
Ora, cremos que este entendimento reduz as potencialidades que o princípio nos pode fornecer: desde logo por se centrar excessivamente no procedimento administrativo dirigido à tomada de decisões de autoridade. Como sabemos, a actividade da administração não se esgota na prática de actos administrativos. Com efeito, existe má administração sempre que há mau funcionamento dos organismos e serviços; e isto cobre uma multiplicidade de situações que podem ir da prática de um acto administrativo vinculado ilegal até a uma situação de morosidade injustificada na atribuição de pensões por um determinado serviço.
Por outro lado, este entendimento preenche o conceito de boa administração segundo um critério de juridicidade (e de judicialidade) entendido como de conformidade a normas jurídicas.
Como devemos então entender o conceito de boa administração?
Na óptica do Professor, a melhor solução passa por conciliar princípios jurídicos e extra-jurídicos, ou seja, o conceito abarca tanto a ideia de conformidade ao Direito como a ideia de gestão e racionalidade económico-financeira. A boa administração terá de resultar do equilíbrio entre as exigências de juridicidade e as exigências de eficiência.
Cumpre frisar que a boa administração é uma exigência que se impõe nas sociedades democráticas modernas, constituindo hoje, mais do que nunca, um elemento essencial da ideia de boa governação. De facto, a boa governação requer uma Administração que, ao mesmo tempo que preserva os direitos dos particulares, providencia serviços públicos que respondem prontamente às suas necessidades. É aqui que são chamados a intervir os princípios jurídicos e extra-jurídicos: enquanto padrões que visam pautar a atuação da Administração Pública. Como exemplos dos primeiros damos o princípio da igualdade e não discriminação, da imparcialidade, da proteção da confiança e da boa fé, o direito à notificação das decisões, entre outros; como exemplos dos princípios extra-jurídicos damos a acessibilidade, a flexibilidade dos serviços públicos, a produtividade no cumprimento das tarefas administrativas, a adequada formação dos agentes públicos, entre outros. Esta dimensão pode ser reconduzida aos valores de qualidade e eficiência da administração.
Como facilmente se compreende, as duas dimensões enunciadas de boa administração posicionam-se de modos distintos face ao Direito. A primeira é uma dimensão assente em padrões jurídicos que se concretiza no próprio Direito, ao contrário do que sucede com a segunda que, ao exigir à Administração que para a prossecução de cada fim visado encontre a solução ótima, obriga a que se recorra a outras ciências que não o Direito. Mas isso não implica considerar esta última dimensão irrelevante para o Direito. Aliás, a nosso ver, das duas dimensões enunciadas, o CPA optou por dar expressão autónoma apenas à segunda fazendo referência no seu art. 5º aos critérios de "eficiência, economicidade e celeridade". Com efeito, a primeira das dimensões referidas consiste numa fórmula-síntese utilizada para referir o conjunto dos princípios jurídicos que se impõem à Administração sendo que a sua consagração resulta dos artigos 6º e seguintes estando no fundo presente em cada uma das suas subdimensões.
Concluímos assim que a melhor forma de entender o princípio da boa administração é adoptando um entendimento amplo do mesmo, sendo assim a exigência que se impõe à Administração de prosseguir o interesse público com eficiência, economicidade e celeridade, respeitando os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Maria Mendonça
nº de aluna: 56755
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de (2016) Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo
AMARAL, Diogo Freitas do (2016) Curso de Direito Administrativo.
O princípio da prossecução do interesse público constitucionalmente consagrado implica a existência de um dever, a cargo da Administração Pública, de prosseguir sempre da melhor maneira possível o interesse público e de satisfazer de forma eficiente as necessidades colectivas postas a seu cargo.
O princípio da boa administração está expressamente previsto na alínea c) do artigo 81º da Constituição para o setor público empresarial, mas é no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo que este é estendido a toda a actividade da Administração, ficando esta assim vinculada a pautar-se por critérios de eficiência, de economicidade e de celeridade.
Sem prejuízo da apreciação - a que adiante procederemos - do sentido da utilização do conceito de boa administração, importa desde já assinalar, e perfilhando o entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida, que a consagração deste princípio no CPA tem um sentido e um alcance de enorme relevância: o de assumir que a eficiência da Administração Pública possui relevância jurídica. E que consequências tem este entendimento? Desde já, o facto de entendermos que a eficiência da actividade de gestão de recursos públicos que a Administração desenvolve é uma exigência que se impõe, não apenas ao legislador - como aliás pressupunha o artigo 10º do CPA anterior à revisão de 2015 -, mas sobretudo diretamente à própria Administração.
Coloca-se assim a questão da determinação dos termos em que deve ser perspectivado o controlo jurisdicional da eficiência.
Adianta o Professor Diogo Freitas do Amaral que a discussão da relevância jurídica deste dever de boa administração requer, antes de mais, uma diferenciação de dois planos: o plano da juridicidade e o plano da justiciabilidade.
Na opinião do Professor não há dúvidas de que o dever de boa administração é um dever jurídico. De facto, essa juridicidade torna-se evidente não só no estrito âmbito da própria esfera administrativa (para efeitos disciplinares e em sede de impugnação administrativas) mas também, desde logo, para o efeito de admitir a constituição das entidades administrativas em responsabilidade civil extracontratual quando a sua conduta viole referenciais de eficiência (veja-se a este propósito a previsão dos nºs 3 e 4 do artigo 7º do RREEP - Regime da Responsabilidade do Estado e demais entidades públicas - que prevê a responsabilidade civil quando esteja em causa o "funcionamento anormal do serviço" em questão).
Lidamos, essencialmente, com situações de responsabilidade da Administração por morosidade excessiva na condução dos procedimentos e na tomada de decisões, na medida em que entendemos dever reconhecer-se que a inobservância para além do razoável dos prazos procedimentais viola um direito a procedimentos céleres.
Contudo, refere o Professor que o dever de boa administração não integra o espaço da justiciabilidade em virtude de não comportar, pelo menos de um modo claro, uma proteção jurisdicional. De facto, não é possível ir ao tribunal obter a declaração de que determinada solução não é a mais eficiente do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro devendo, portanto, ser anulada.
Como refere o Professor Mário Aroso de Almeida não se pode retirar do imperativo da boa prossecução do interesse público a atribuição aos juízes administrativos do poder de determinarem a solução que melhor realiza esse interesse em cada caso. De facto, não podemos deixar de reconhecer a necessidade de preservar o núcleo irredutível do mérito da Administração no âmbito do qual esta faz escolhas que se pautam por critérios não juridicizados.
Cumpre recordar que o conceito de boa administração tem entre nós um sentido bastante diferente daquele que lhe é dado pelo Direito Europeu. Na verdade, no panorama europeu tem vingado o entendimento segundo o qual o conteúdo deste princípio se deve fixar por referência a regras precisas - instrumentais - a serem observadas nos procedimentos decisórios. Na linha deste entendimento, a administração será "boa" se cumprir as regras e princípios jurídicos que se lhe impõem.
Ora, cremos que este entendimento reduz as potencialidades que o princípio nos pode fornecer: desde logo por se centrar excessivamente no procedimento administrativo dirigido à tomada de decisões de autoridade. Como sabemos, a actividade da administração não se esgota na prática de actos administrativos. Com efeito, existe má administração sempre que há mau funcionamento dos organismos e serviços; e isto cobre uma multiplicidade de situações que podem ir da prática de um acto administrativo vinculado ilegal até a uma situação de morosidade injustificada na atribuição de pensões por um determinado serviço.
Por outro lado, este entendimento preenche o conceito de boa administração segundo um critério de juridicidade (e de judicialidade) entendido como de conformidade a normas jurídicas.
Como devemos então entender o conceito de boa administração?
Na óptica do Professor, a melhor solução passa por conciliar princípios jurídicos e extra-jurídicos, ou seja, o conceito abarca tanto a ideia de conformidade ao Direito como a ideia de gestão e racionalidade económico-financeira. A boa administração terá de resultar do equilíbrio entre as exigências de juridicidade e as exigências de eficiência.
Cumpre frisar que a boa administração é uma exigência que se impõe nas sociedades democráticas modernas, constituindo hoje, mais do que nunca, um elemento essencial da ideia de boa governação. De facto, a boa governação requer uma Administração que, ao mesmo tempo que preserva os direitos dos particulares, providencia serviços públicos que respondem prontamente às suas necessidades. É aqui que são chamados a intervir os princípios jurídicos e extra-jurídicos: enquanto padrões que visam pautar a atuação da Administração Pública. Como exemplos dos primeiros damos o princípio da igualdade e não discriminação, da imparcialidade, da proteção da confiança e da boa fé, o direito à notificação das decisões, entre outros; como exemplos dos princípios extra-jurídicos damos a acessibilidade, a flexibilidade dos serviços públicos, a produtividade no cumprimento das tarefas administrativas, a adequada formação dos agentes públicos, entre outros. Esta dimensão pode ser reconduzida aos valores de qualidade e eficiência da administração.
Como facilmente se compreende, as duas dimensões enunciadas de boa administração posicionam-se de modos distintos face ao Direito. A primeira é uma dimensão assente em padrões jurídicos que se concretiza no próprio Direito, ao contrário do que sucede com a segunda que, ao exigir à Administração que para a prossecução de cada fim visado encontre a solução ótima, obriga a que se recorra a outras ciências que não o Direito. Mas isso não implica considerar esta última dimensão irrelevante para o Direito. Aliás, a nosso ver, das duas dimensões enunciadas, o CPA optou por dar expressão autónoma apenas à segunda fazendo referência no seu art. 5º aos critérios de "eficiência, economicidade e celeridade". Com efeito, a primeira das dimensões referidas consiste numa fórmula-síntese utilizada para referir o conjunto dos princípios jurídicos que se impõem à Administração sendo que a sua consagração resulta dos artigos 6º e seguintes estando no fundo presente em cada uma das suas subdimensões.
Concluímos assim que a melhor forma de entender o princípio da boa administração é adoptando um entendimento amplo do mesmo, sendo assim a exigência que se impõe à Administração de prosseguir o interesse público com eficiência, economicidade e celeridade, respeitando os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Maria Mendonça
nº de aluna: 56755
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de (2016) Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo
AMARAL, Diogo Freitas do (2016) Curso de Direito Administrativo.
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