Contextualização da evolução histórica da Administração Pública e do Direito Administrativo
Antes de começar a expor o meu
trabalho, gostaria de enfatizar o facto de que as definições que irei utilizar
são as que, em meu ver, mais se adequam e as que têm maior relação com a realidade
de hoje em dia. Deste modo, são apenas opiniões estando sujeitas tanto a
críticas como a apoio.
Para começar, vamos fazer uma retrospetiva
da origem e da evolução da Administração Pública e do Direito Administrativo.
Como sabemos, a Administração
Pública nem sempre existiu. A propósito, só durante a Idade Média, que é datada
desde a Queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. até à passagem para a
Idade Moderna no séc. XV, é que se revelou a necessidade de desagregar o poder.
Durante este período, predominava o feudalismo e a sociedade poliárquica, verificava-se
também um desordenamento industrial, possivelmente devido à falta de condições
de acesso, entre as povoações, que resultava numa descentralização do poder e,
deste modo revelava-se, a falta de uma estrutura orgânica.
No decorrer da
transição para a Época Moderna (séc.XV até ao séc.XVII) e devido à separação
entre política e Religião, com a Reforma Protestante, começaram a erguer-se
guerras entre países e ideais políticos e religiosos. Como se deduz, as guerras
obrigavam à existência de exércitos e, deste modo, os cidadãos eram forçados a
servir nos respetivos conflitos. Nasce então a necessidade de formar uma
Administração de forma a conseguir sustentar o poder político e a gestão do
exército. Dá-se, assim, o início de uma estrutura organizativa. Outro motivo da
eclosão da estrutura orgânica foi o aparecimento da classe burguesa que levou a
uma maior independência dos senhores feudais, devido à abertura do comércio.
Posteriormente,
no início do séc.XVII até ao séc.XVII, época conhecida de Estado-Polícia, o
poder do estado ficou cada vez mais concentrado, apoiado nos ideais iluministas
(este movimento promoveu mudanças
políticas, económicas e sociais, baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade, tinha o apoio da burguesia) que resultaram dos pensamentos
de vários filósofos tais como Voltaire, Montesquieu, Locke, Adam Smith,
Rousseau entre outros. Durante este período surgiu o Fisco que era o principal
mecanismo de defesa dos particulares ainda que a orgânica do Estado era
maioritariamente muito concentrada no monarca (em Portugal destaca-se D. João
V, como sendo uma figura emblemática do Iluminismo). A discricionariedade era
total neste período visto que o monarca não se encontrava sujeito a qualquer
tipo de Direito. Em destaque: durante esta fase existiu Administração Pública,
mas não Direito Administrativo.
Após uma época marcada pelas revoluções liberais que se
impugnavam ao absolutismo e ao despotismo regente, adquiriram força dois importantíssimos
princípios, que irão ser fulcrais para o surgimento do Direito Administrativo:
o princípio da separação dos poderes e o princípio da legalidade. A prática administrativa
tornou-se numa atividade executiva, ou seja, o Parlamento criava as leis e a
Administração simplesmente as executava. A ausência de precessão legal da
Administração Pública refletia-se na ausência do Direito Administrativo e só
caso ocorre-se lacuna é que poderia intervir.
Com o aparecimento de novos ideias económicos e políticos,
como a vertente do capitalismo e do pensamento socialista marxista. Formou-se
uma correlação muito maior entre a Administração Pública e o Direito
Administrativo. Algo lógico e natural, mas que, desde os primeiros sinais de
solidificação de estruturas orgânicas, só agora é que começa a ter um
verdadeiro significado e sujeição. Tendo em conta este facto, e prosseguindo a
opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, a evolução da justiça
administrativa e do Direito Administrativo, contém determinados aspetos, que
segundo a minha opinião, são importantes para compreendermos o Direito
Administrativo tal como o conhecemos hoje.
Há um primeiro momento, que acho importante referir, que
ocorreu durante os séculos XVIII e XIX e que é conhecido como o período do pecado original e
corresponde à primeira fase da justiça
administrativa, durante a qual ocorreu a promiscuidade entre a justiça e a
administração. Está em causa o sistema do administrador juiz, pois o juiz era
administrador e o administrador era juiz, estávamos perante uma confusão enorme
entre o que é administrar e o que é julgar. Esta realidade, porém, prolongou-se
também durante o novo modelo de estado que se criou nessa altura, o Estado Liberal
de Direito.
O segundo momento importante na evolução do Direito
Administrativo, a que o Professor Pereira da Silva designa, numa lógica
metafórica, de Batismo, corresponde
ao momento da jurisdicionalização do
contencioso administrativo, que ocorreu na transição do séc.XIX para o séc.XX,
porém em Portugal verificou-se mais tarde. O âmbito da jurisdição continuava a
ser limitado até aos anos 50 na Alemanha e os 70s nos outros países Europeus, o
que esta em causa é o facto de o juiz não gozar da plenitude dos seus poderes
em face da administração, ou seja, ele apenas tinha poderes anulatórios, deste
modo era um juiz limitado que não assumia integralmente a sua função. Só com a
lei fundamental da República Federal da Alemanha em 1949, é que surge a
jurisdicionalização do tribunal e a afirmação de que o tribunal existe para
titular os direitos dos particulares, ou seja, o tribunal serve para a tutela
efetiva e plena dos direitos dos cidadãos, passando o juiz a gozar de todos os
poderes para proteger integralmente a parte mais fraca. Durante este período
pós-guerra procurava-se reconstruir o Estado de Direito, para que nunca mais se
repetisse a experiência da administração ter o poder de mandar nos seus
súbditos sem prevalência da lei. Só nos anos 70 é que isto se verificou nos
restantes países europeus, que afirmaram não apenas a natureza jurisdicional,
mas também o princípio da tutela plena e efetiva. Este princípio está previsto
no art.268º/4 da Constituição da República
Portuguesa: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos
seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluído, nomeadamente, o
reconhecimento desses direito ou interesses, a impugnação de quaisquer atos
administrativos que o lesem, independentemente da sua forma, a determinação da
prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas
cautelares adequadas.”
Em meu entender, é necessário compreender a contextualização
da evolução histórica da Administração Pública e do Direito Administrativo para
conseguir perceber em que contexto é que esta estrutura orgânica e o direito
que a regula e tutela se encaixam, e que traços da sua história ainda hoje se
verificam.
Administração
Pública
A definição que me parece ser mais adequada e enquadrada com
aquilo que é a nossa realidade nos dias de hoje é a seguinte:
“A Administração Pública é a atividade típica dos organismos
e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenha
em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades
coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos
estabelecidos pela legalização aplicável e sob o controlo dos tribunais
competentes”.
Deste modo, no meu entender, a Administração Pública tem de
prosseguir de forma direita e necessária o interesse público, sendo que este
funciona como uma dimensão teleológica de toda a atividade administrativa. O art.266º/1 da nossa Constituição vem
confirmar este aspeto, dizendo que a prossecução do interesse público é o
princípio fundamental da Administração.
Porém, para a existência da Administração Pública, é
importante salientar outro aspeto fundamental, que corresponde a vinculação. O
qual refere que a Administração Pública tem de ser permanentemente serva da
normatividade, ou seja, em vez de gozar de uma liberdade genérica de ação,
encontra-se constantemente subordinada a parâmetros normativos de conduta,
entendidos como o conjunto de regras e princípios a que deve obedecer como:
- Fixação das competências das suas estruturas;
- Os termos do procedimento e da forma das suas decisões;
- O conteúdo material da sua atuação;
- Os fins da sua conduta.
É de salientar que não existem áreas da Administração Pública
libertas de vinculação ao Direito, pois estão todas subordinadas tanto à
Constituição como à lei.
Caso essa vinculação seja desrespeitada, as consequências podem
ser:
- Irregularidade administrativa;
- Invalidade – que se desagrega em inconstitucionalidade, ilegalidade (direta ou indireta) ou ilicitude.
Existem também vários tipos de responsabilidade que a
Administração Pública tem de obedecer como:
- Responsabilidade política – que pode envolver a apreciação, por parte de um órgão representativo ou pela opinião pública, a oportunidade ou beneficência das opções administrativas, porém a opinião pode ser contenciosa, significando que determinadas condutas administrativas que geraram um litígio, e que envolvam interesses opostos, posteriormente poderão ser submetidas a resolução pelos tribunais competentes.
- Responsabilidade civil – pode ser uma ação ou omissão administrativa que gera danos não passíveis de determinar uma obrigação de indemnizar. Deste modo, a responsabilidade da Administração Pública pode também ser disciplinar ou mesmo criminal, se aquele que, exercendo a título profissional funções públicas, violar os deveres inerentes ao exercício dessa função.
Como se sabe a Administração Pública não é uma atividade
exclusiva do Estado, compreende também outros órgãos e serviços locais. Deste modo,
alguns dos serviços são administrados pelas autarquias (como por exemplo as
obras…), outros são assegurados em concorrência por instituições públicas e
particulares (como por exemplo os estabelecimentos de ensino e de saúde), outra
são desempenhadas exclusivamente por sociedade comerciais especialmente
habilitadas para o efeito (empreiteiros, concessionários). Contudo, todos estes
serviços têm o mesmo objetivo, a satisfação das necessidades coletivas, que
são: a segurança, a cultura e o bem-estar.
A Administração Pública tem um sentido orgânico (sinónimo de organização
administrativa), material (sinónimo de atividade administrativa) e formal (que
tem a ver com o modo próprio de agir que caracteriza a administração pública em
determinado tipo de sistemas de administração).
Direito
Administrativo
Para clarificar, sabemos que a Administração está sujeita ao
Direito e, por conseguinte, a normas obrigatórias e públicas, que têm como
destinatários tanto os órgãos e agentes da Administração Pública como os
particulares. Este é o regime da legalidade democrática estabelecido no art.266º da CRP. O direito carece de um
controlo de efetividade que é efetuado pelos tribunais, pois se ele estivesse
simplesmente codificado sem regulação iria ser constantemente desrespeitado.
A definição mais adequada, a meu ver, em relação ao Direito Administrativo é dada pelo Professor
Marcelo Caetano que o define como sendo um “sistema de normas jurídicas que
regulam a organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e
disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses coletivos podendo
usar de iniciativa e do privilégio da administração prévia.” Por seu turno, o Professor
Freitas do Amaral defende que o Direito Administrativo é “ o ramo do
direito público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a
organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações
por ela estabelecidas com outros sujeitos de direito no exercício da atividade administrativa
de gestão pública”.
O Direito Administrativo sendo um ramo do Direito Público tem
de obedecer aos 3 seguintes critérios:
- Critério do interesse – as normas de Direito Administrativo são estabelecidas tendo em conta a prossecução de interesse público;
- Critério do sujeito – todos os seus sujeitos (pessoas coletivas e entidades públicas) são sujeitos de Direito Público.
- Critério dos poderes de autoridade – a atuação da administração que regula corresponde àquela em que a administração surge investida de poderes.
Para completar o meu trabalho gostaria de salientar o facto
de existirem 3 normas administrativas:
- Normas orgânicas que são normas que regulam a administração pública (definem a sua organização), e têm relevância jurídica externa.
- Normas funcionais que são as que regulam o modo de agir específico da Administração Pública, algumas são normas internas sem carácter jurídico.
- Normas relacionais que são as que regulam as relações entre a administração e outros sujeitos de direito (administração e particulares) no desempenho da atividade administrativa.
O poder de autoridade típico da administração é o privilégio da
execução prévia.
Bibliografia consultada:
·
Apontamentos das Aulas teóricas do
Professor Vasco Pereira da Silva
·
Apontamentos das aulas práticas
·
OTERO, Paulo, “Manual de Direito
Administrativo” Volume I
·
AMARAL, Diogo Freitas de, “Curso de Direito
Administrativo”, Volume I
·
CAETANO, Marcello, Manual de Direito
Administrativo, Volume I
·
MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, História
da Administração Pública
Yuliya Shevchuk nº56702

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