Estado e o seu papel na função administrativa

O Estado nem sempre teve o mesmo papel e a mesma importância na função administrativa.
Tradicionalmente, a função administrativa abrangia as atividades públicas que não se pudessem reconduzir às restantes funções do Estado. No entanto, agora pode dizer-se que compreende a atividade pública que tem como objetivo a satisfação das necessidades coletivas e dos interesses públicos contingentes. Portanto, a função administrativa é uma função subordinada do Estado.
Foi na Monarquia absoluta e no Estado de polícia que se deu um crescimento acentuado da dimensão do Estado. Contudo, ainda não existia separação de poderes. Só no Estado liberal se afirmaram os direitos dos cidadãos: princípio da legalidade e da separação de poderes. No Estado social de Direito, ocorreu um alargamento das tarefas administrativas e o princípio de separação de poderes foi objeto de uma reequação. Então, é possível concluir que a figura do Estado foi-se tornando mais presente nas relações com os administrados, sendo estas cada vez mais constantes.

Desta forma, segundo o Professor Freitas do Amaral, o Estado tornou-se tão importante que se encontra presente em várias aceções:
- Aceção internacional: o Estado é soberano, titular de direitos e obrigações na esfera internacional. Neste plano, mesmo em caso de revolução que modifique radicalmente as instituições, o Estado mantém-se inalterável, continuando titular dos direitos e vinculado às obrigações provenientes do regime anterior, segundo o princípio da identidade e permanência do Estado.
- Aceção constitucional: o Estado como comunidade de cidadãos que, nos termos do poder constituinte que a si própria atribui, assume uma determinada forma política para prosseguir os fins nacionais. Não é independente, mas goza sempre do poder constituinte, permitindo-lhe alterar a sua forma política e exercer a função legislativa.
- Aceção administrativa: Estado é a pessoa coletiva pública que desempenha a atividade administrativa, sob a direção do Governo (art. 199º d) CRP). Não é soberano nem tem poderes constituintes, exercendo apenas um poder constituído, juridicamente subordinado à Constituição e às leis e só secundariamente pode participar, em certas situações, da função legislativa (art. 198º CRP).

Na aceção que mais interessa ao tema, a aceção administrativa, o Estado é uma pessoa coletiva ou, por outras palavras, Estado-administração. O Estado-administração é uma entidade jurídica per si, autónoma, não confundível com seus governantes, funcionários, entidades autónomas ou cidadãos.
No entanto, nem sempre o Estado foi considerado como pessoa coletiva. Na Monarquia, o titular dos direitos e deveres públicos era o Rei e ainda hoje há países que não personalizam juridicamente o Estado como, por exemplo, a Inglaterra. Em Portugal, já há muito se atribuiu personalidade jurídica ao Estado e, consequentemente, considera-se o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os tribunais como órgãos do Estado. A qualificação do Estado como pessoa coletiva pública decorre da própria Constituição e entre o Estado e quaisquer outras entidades administrativas autónomas estabelecem-se verdadeiras relações jurídicas.

A administração do Estado é bastante complexa, logo nem todos os órgãos e serviços do Estado exercem competência extensiva a todo o território nacional, existindo órgãos e serviços locais com competência limitada a certas áreas.
A administração que se estende a todo o território nacional é a chamada Administração central, sendo esta dividida entre Administração direta e indireta do Estado.
A Administração direta do Estado é a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado. Segundo o professor Freitas do Amaral, este tipo de administração apresenta diversas características, tais como:
- Unicidade: o Estado pertence apenas a um ente, o próprio Estado.

- Caráter originário: a pessoa coletiva Estado não é criada pelo poder constituído, tem natureza originária, não derivada.

- Territorialidade: Estado é uma pessoa coletiva cuja natureza faz parte um certo território, o território nacional, sendo este a primeira e a mais importante das pessoas coletivas de população e território.

- Multiplicidade de atribuições.

- Pluralismo de órgãos e serviços: órgãos (ex.: Governo) e serviços públicos (ex.: ministérios, secretarias de Estado)

- Organização em ministérios: órgãos e serviços do Estado-administração, a nível central, estão estruturados em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, os ministérios.

- Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una.

- Instrumentalidade: administração do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma, constituindo um instrumento para o desempenho dos fins do Estado.

- Estrutura hierárquica: modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direção e ao subalterno o dever de obediência.

- Supremacia: Estado-administração exerce poderes de supremacia em relação aos sujeitos de direito privado e sobre as outras entidades públicas.

Já a Administração indireta é uma atividade que, embora desenvolvida para a realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas coletivas públicas distintas do Estado. Deste modo, o Estado confia alguns dos seus fins a outros entes jurídicos, que os prosseguem com alguma autonomia, mas na sua dependência. Os entes que integram a doutrina portuguesa são: institutos públicos, empresas públicas e associações públicas.
Os serviços económicos e sociais são privatizados e liberalizados, mas a presença do Estado mantém-se na criação de regras públicas e na fiscalização do seu cumprimento: o Estado é o regulador dos serviços públicos essenciais. As entidades privadas criam a sua própria regulação, mas estão sujeitas a regulações públicas do Estado.

Então, é através da administração que o Estado desenvolve as suas atribuições, ou seja, os fins ou objetivos que se propõe atingir, tendo de resultar sempre expressamente da lei e estando as mais importantes enumeradas na Constituição. Não há um diploma legal ou lista que enuncie as atribuições do Estado, existindo diplomas legais que a propósito de uma ou outra matéria vêm conferir determinadas atribuições ao Estado. Já as atribuições das pessoas coletivas públicas encontram-se definidas por forma integrada mas, em qualquer caso, a definição das respetivas atribuições pertence sempre à lei. A lei ordinária pode cometer ao Estado outras atribuições. Essas atribuições podem ser principais (ex.: defesa nacional, imposto, saúde, ensino), auxiliares (ex.: gestão do pessoal, funções jurídicas) e de comando (ex.: estudos e planeamento, relações públicas).

Por fim, é crucial saber quais os órgãos que o Estado utiliza para cumprir as suas atribuições. Os principais órgãos centrais do Estado, previstos na Constituição, são: Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais. O principal órgão administrativo do Estado é o Governo. Os outros órgãos são não administrativos do Estado, uma vez que executam os seus poderes próprios.
Segundo o professor Freitas do Amaral, no sistema constitucional português, o Presidente da República é um órgão político, mas não é um órgão administrativo. Na Constituição, alguns preceitos parecem conferir-lhe determinadas atribuições administrativas (arts. 133º m) e 135º a)). O Presidente da República e a Assembleia da República podem, segundo a lei, praticar atos materialmente administrativos, sujeitos a controlo pelos tribunais administrativos, mas nem assim se tornam organicamente elementos da Administração Pública.
Para além destes órgãos, existem órgãos do Estado que não dependem do Governo (ex.: Provedor de Justiça), órgãos locais e outros órgãos do Estado (ex.: diretores-gerais, procurador-geral da república)

Em conclusão, a Administração Pública não é uma atividade exclusiva do Estado, sendo desenvolvida pelo Estado e por outras entidades públicas que dele são juridicamente distintas e até, nos casos previstos na lei, por entidades particulares. O facto de, por vezes, se dar mais relevo à administração do Estado justifica-se pela maior importância que ela atualmente reveste e porque surgem nela com maior nitidez as características que individualizam e definem a administração pública nos tempos modernos. A própria complexidade do Estado moderno, que chamou a si o papel principal na criação do direito, implica problemas particulares na formulação da teoria da sua administração pública, mas esta não pode deixar de ser relacionada com as suas funções. A atividade dos órgãos do Estado tem como objetivo direto e imediato promover e assegurar o cumprimento das leis, sendo o Governo, a quem está incumbido o poder executivo, o órgão administrativo por excelência do aparelho do Estado.

Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de, Direito Administrativo Geral Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 5ª Edição, Dom Quixote, 2014
Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Tomo 1, 9ª edição, Almedina

Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª edição, Almedina, 2015

Ana Margarida Norte, nº 56812

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