O Sistema de Administração Judiciária

  Um sistema administrativo é o modo jurídico típico de organização, funcionamento e controlo da Administração Pública. O seu estudo, iniciado em França por Maurice Hauriou e em Inglaterra por A. V. Dicey, permite saber qual o Direito a que se subordina a Administração Pública e quais são os tribunais que controlam a sua atividade. 
  Os sistemas administrativos variam em função do tempo e do espaço, pelo que se pode distinguir entre o sistema tradicional (em vigor na Europa até aos séculos XVII e XVIII) e os sistemas modernos, britânico e francês (implantados nessa altura ou posteriormente). 
  Até à Grande Revolução de Inglaterra (1688) e à Revolução Francesa (1789), a Administração Pública não estava submetida a normas jurídicas obrigatórias, confundia-se a lei com a vontade do poder e os particulares não podiam invocar contra a Administração quaisquer direitos, encontrando-se na posição de súbditos na sua relação com ela.

Características do Sistema Britânico ou de Administração Judiciária

  Este sistema administrativo é de origem anglo-saxónica, tendo sido implantado em países como os Estados Unidos da América, a Nova Zelândia, a Austrália e a África do Sul.
  Tem como características iniciais: a separação de poderes; a vigência de um Estado de Direito; a descentralização; a sujeição da Administração Pública ao Direito comum (common law) e, portanto, aos tribunais comuns; a execução judicial das decisões administrativas e a consagração de garantias jurídicas aos particulares.
  Relativamente à separação de poderes, a lei de abolição da Star Chamber (1641) e o Act of Settlement (1701) evidenciam a sua efetivação; porque preveem a proibição do rei resolver questões de natureza contenciosa, por si ou através de conselhos formados por funcionários da sua confiança; e de dar ordens, transferir ou demitir juízes. Desta forma, o poder judicial goza de um grande prestígio, não se limitando os juízes à mera aplicação, ao caso concreto, de normas preexistentes.
  Com o Bill of Rights (1689) consagram-se os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos e o rei ficou subordinado ao Direito, em particular ao consuetudinário – resultante de costumes sancionados pelos tribunais. Fica, portanto, estabelecida a aplicabilidade do common law a todos os cidadãos britânicos, qualquer que seja o seu estatuto na sociedade.
  No sistema britânico vigora, institucionalmente, a descentralização. Distingue-se entre a administração central e a local (central e local governments), mas as autarquias locais são dotadas de autonomia ampla, dada a fraca intervenção central. Estas eram consideradas entidades independentes e não simples instrumentos da administração central, estando encarregues da satisfação de grande parte das necessidades coletivas a cargo da administração.
  Como consequência do rule of law, a Administração e os cidadãos particulares regem-se pela common law of the land e os órgãos e agentes da Administração não possuem prerrogativas ou privilégios de autoridade pública – alguns poderes de decisão unilateral, conferidos por lei, são encarados como exceções à regra do rule of law
  Com o Estado de Direito, o direito comum é aplicado também aos órgãos administrativos e garantido pelos tribunais comuns (os courts of law). O sistema traduz, por conseguinte, a ideia de unidade de normas aplicáveis e de jurisdição.
  Os tribunais comuns gozam de jurisdição plena na garantia dos direitos dos particulares perante a Administração Pública – podem utilizar contra esta os mesmos meios processuais das relações entre particulares, não procurando soluções distintas das da vida privada para os problemas emergentes da atuação da Administração. Podem ainda anular decisões ou eleições ilegais e ordenar às autoridades que cumpram a lei.
  Assegura-se que qualquer litígio, ainda que tenha tido início na esfera administrativa, possa ser levado à apreciação dos tribunais comuns, sem restrições de qualquer tipo. O império da lei implica que se dê preponderância ao direito comum e que se impeça o reconhecimento de poderes discricionários às autoridades administrativas e governamentais.
  A submissão da Administração Pública a um estatuto jurídico similar ao dos particulares conduz à necessidade de permissão dos tribunais para a execução coerciva das decisões administrativas que atinjam os cidadãos.
  A Administração Pública não pode executar as suas decisões por autoridade própria, sendo forçada a recorrer a um tribunal comum para obter, pelo due process of law, uma sentença que a torne imperativa. Há, assim, a execução judicial das decisões administrativas, que não gozam de força executória própria e necessitam de uma sentença judicial para a declaração prévia da conformidade do ato à lei.
  Dada a submissão dos agentes da Administração ao direito comum, os cidadãos podem recorrer aos tribunais ordinários a fim de obter uma decisão que imponha ou proíba uma conduta. Os cidadãos britânicos dispõem, então, de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos das autoridades administrativas.
  Se os tribunais inferiores excederem os seus poderes, o particular cujos direitos tenham sido violados pode apelar, normalmente, ao King’s Bench (um tribunal superior), solicitando um mandato ou ordem para que a autoridade faça ou se abstenha de fazer alguma coisa.

Evolução e situação atual
                       
  O surgimento de um vasto e detalhado direito comunitário europeu, diretamente aplicável ou de transposição obrigatória para os direitos nacionais, impulsionou a convergência entre o sistema administrativo britânico e o francês, ao longo do século XX. 
 No sistema de administração judiciária multiplicam-se as leis, verificando-se o aparecimento de um corpo de normas jurídicas, unitário e sistemático, que visa regular o exercício da função administrativa. Este corpo de normas é até estudado e ensinado sob a designação de administrative law.
  Surgem também administrative tribunals, que são órgãos administrativos independentes e imparciais com competência para rever certas decisões – não são órgãos jurisdicionais, ainda que assumam a designação de tribunais.
  A Administração Pública foi-se centralizando e assiste-se à expansão do executivo na produção legislativa e regulamentar, sob a forma de order in council.
  Em virtude desta convergência, alguns autores defendem que a utilidade do estudo dos sistemas administrativos tem perdido relevância.
      
             

Bibliografia

Amaral, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. 4ª. Vol. I. Almedina, 2015.
Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. 10ª. Âncora Editora, 2009.
Feijó, Carlos, e Cremildo Paca. Direito Administrativo. 4ª. Mayamba, 2015.
Rebelo de Sousa, Marcelo, e André Salgado de Matos. Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais. 3ª. Vol. I. Dom Quixote, 2008.


Mariana Martins dos Reis Rebelo Ângelo Nº 57344

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