Privilégio da Execução Prévia. O fim de um sistema?
A distinção entre os sistemas administrativos britânico e francês é
realizada considerando diversas componentes. São enumerados, pelo Professor
Doutor Diogo Freitas do Amaral no seu manual “Curso de Direito Administrativo”,
diferentes critérios para a distinção dos dois sistemas, são eles: qual a sua
organização administrativa, qual a fiscalização jurisdicional da Administração,
qual o Direito que regula a Administração, como pode a Administração executar as
suas decisões e quais as garantias que são dadas aos particulares para estes possuírem
capacidade de agir contra uma decisão proferida pela Administração.
Este post tem como principal foco o Privilégio
da Execução Prévia que, nos critérios acima identificados, diz respeito à
forma da Administração executar as suas decisões. Este “poder” é a maior valia
que o Direito Administrativo francês atribui à Administração pois permite que o
órgão da Administração possa efetuar os seus atos administrativos sem
necessidade de ter de se valer de um tribunal de forma a obter uma autorização
para praticar tal ato. Pode então ser afirmado que o Privilégio da Execução Prévia demonstra uma autotutela executiva do
sistema administrativo. Afirma o Professor Doutor Marcello Caetano que os “atos
definitivos e executórios possuem o valor formal de uma sentença”. Existem distintas
formas de execução, por exemplo, a execução direta e a execução sub-rogatória.
Mas não falamos só do caso francês. Em Portugal, o Privilégio da Execução Prévia existiu consagrado no artigo 149.º/2
do Código Do Procedimento Administrativo (CPA) de 1991 que refere “O
cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um ato
administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso
prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos
termos previstos no presente Código ou admitidos por lei”. Por seu turno, o Professor
Doutor Marcello Caetano refere este Privilégio ao dar o que entende ser uma
definição de Direito Administrativo: “o sistema das normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de
agir da Administração Pública e disciplinam as relações pelas quais ela
prossiga interesses coletivos podendo usar de iniciativa e do privilégio da
execução prévia”. Ora, o problema prende-se com a realização do novo CPA de
2015, que “elimina” o Privilégio da
Execução Prévia. O maior poder do sistema administração executiva foi
“suprimido” de Portugal. O novo CPA estatui o seguinte no artigo 176.º/1: “Sem
prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a satisfação de obrigações e
o respeito por limitações decorrentes de atos administrativos só podem ser
impostos coercivamente pela Administração nos casos e segundo as formas e
termos expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente necessidade pública,
devidamente fundamentada.”. Ou seja, diferentemente do que acontecia no passado
recente, a Administração só pode agir coercivamente nos casos que são definidos
pela Lei, considerando que no CPA anterior só as formas de atuação coerciva estavam
limitadas pela lei. Sendo que a entrada em vigor desta norma ficou adiada para
quando existisse outro diploma que contivesse os “casos” e as “formas” que são
mencionados no artigo 176.º/1. Perde, assim, a Administração força no dia-a-dia,
poder-se-á pensar.
Pois, sendo que a definição de Direito Administrativo acima citada inclui
o Privilégio da Execução Prévia, será
que o sistema administrativo português sucumbiu pelo desaparecimento do mesmo?
Ou continua a ser um sistema com poder de ação? Tendo em conta as notórias
aproximações do Direito Administrativo português ao britânico, será que a única
diferença entre os dois desapareceu? Creio que não. O Sistema Administrativo
português continua a constituir um importante e imprescindível recurso na
organização administrativa nacional, sendo que o CPA de 2015 veio revolucionar
este sistema, dando-lhe oportunidade de continuar a estar atual o que se torna essencial
a todos os cidadãos. Continua, também, a ser ativo no diário quotidiano de
todos. Apesar do Privilégio da Execução
Prévia estar disfarçado, acredito que continua a existir só que de forma
mais restrita, de modo a que a Administração não tenha exclusivo poder coercivo
sobre todos sem ter de pedir, à priori, uma espécie de “fiscalização” dos seus
atos (aos tribunais). Uma das consequências que esta alteração traz é o facto
de os tribunais serem, agora, convocados em mais ocasiões à dirimição de
litígios, podendo atrasar as sentenças, pois o que a Administração podia
resolver de acordo com o CPA anterior, atualmente, já não pode, ou pode só em
casos restritos.
Não será este o fim do sistema administrativo português. Não se
conceberia tal facto. Esta alteração não mostra, então, o fim de um sistema,
mas muito pelo contrário a vivacidade e atualidade do Direito Administrativo
português.
Bibliografia consultada:
AMARAL,
Diogo Freitas do (2015) Curso de Direito Administrativo, 4ª Edição, Almedina;
CAETANO,
Marcello (reimpressão de 2007) Manual de Direito Administrativo, 10ª Edição,
Almedina.
Ivo
Patrício, nº 56844
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