As Garantias dos Particulares.

Introdução:
Nos termos do artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”): “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
No mesmo sentido aponta o artigo 4º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”).
É certo que para estes serem, de facto, protegidos a consagração constitucional não se mostra suficiente, sendo necessário proporcionar aos particulares os adequados meios de reação face às infrações por parte da Administração.
Com este trabalho, visamos, então, analisar as garantias dos particulares.

Conceito:
O Professor Freitas do Amaral define as garantias dos particulares como: “os meios criados pela Ordem Jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administração, por parte da Administração Pública”.
Perante ações ou omissões da Administração Pública que levem à violação das vinculações a que esta se encontra obrigada a cumprir, a Ordem Jurídica confere aos particulares meios de reação, funcionando estes meios como garantias que os particulares possuem face à Administração Pública.

Classificação de Garantias:
Relativamente à classificação das garantias dos particulares encontramos, numa classificação tradicional, três possíveis distinções:
1.       Garantias Políticas;
2.       Garantias Administrativas ou Graciosas;
3.       Garantias Judiciais.

1.       Garantias Políticas:
- As garantias políticas dos particulares emergem do texto constitucional e visam proteger o cidadão enquanto cidadão e de acordo com as coordenadas de um Estado de Direito Democrático.
O Professor Paulo Otero, refere cinco figuras:
·         Direito de Sufrágio (49º CRP) – Consiste na participação dos cidadãos nas estruturas decisórias da Administração Pública. Permite ao particular reagir através do sufrágio, permitindo que responsabilizem politicamente quem exerce funções.
·         Direito de participação política e na vida pública (109º) – Permite aos cidadãos a intervenção na vida política, de forma direta e ativa. A reação dos particulares consiste na faculdade de estes poderem exigir serem esclarecidos quanto à gestão dos assuntos públicos pelas estruturas administrativas ou pelos órgãos políticos que levam a cabo a missão de fiscalizar a Administração Pública (48º/2).
·         Direito de Iniciativa Popular – Confere aos cidadãos, na sua coletividade, a faculdade de desencadear junto da Assembleia da República iniciativas legislativas (167º/1) e iniciativas de referendo (115º/2), assim como também existe o direito de iniciativa popular em matéria de referendo local (240º/2).
·         Direito de Petição[1] – Atribui aos cidadãos a faculdade de encaminharem pedidos a qualquer estrutura pública, com o objetivo de defenderem os seus direitos, juridicidade e o interesse geral, tal como o direito de serem informados relativamente ao resultado da respetiva apreciação (52º/1).
·         Direito de Resistência (21º) – Atribuição aos particulares da faculdade, constitucionalmente consagrada, de não acatarem ordens que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias e ainda permite aos cidadãos repelirem pela força qualquer agressão, desde que não seja possível/eficaz o recurso às autoridades públicas.

2.       Garantias Administrativas[2]:
Estas garantias assentam na existência de mecanismos, dentro da Administração, que visam o controlo da sua própria atividade, podendo até falar-se em autocontrolo.
Procura-se então garantir que o dever de boa administração e o respeito pelos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares são observados através da fiscalização da legalidade e da conveniência e fazer também uma fiscalização do mérito, ou seja, ver se a atuação da Administração é oportuna, conveniente e adequada.
As garantias administrativas terão como pressuposto a existência uma decisão administrativa prévia a que se procura reagir, impugnando-a junto da própria Administração.
Dentro das garantias administrativas encontramos três tipos: as garantias petitórias, as garantias impugnatórias e a queixa ao Provedor de Justiça.

Relativamente às garantias petitórias, estas visam dirigir à Administração um pedido que permita lhe dar conhecimento ou solicitar uma primeira decisão sobre alguma determinada situação da vida, correspondendo assim à pretensão primária formulada junto de uma autoridade administrativa.
De acordo com o Professor Freitas do Amaral podemos distinguir cinco espécies de garantias petitórias: o direito de petição, o direito de representação, o direito de queixa, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa.
·         Direito de Petição:
Esta garantia não possui caráter impugnatório uma vez que não visam atacar ou impugnar qualquer decisão tomada, mas, pelo contrário, falta alguma informação que apenas a Administração pode facultar.
No âmbito do direito de petição cabem alguns direitos e faculdades tais como: o direito à consulta do processo (83º CPA), o direito de qualquer cidadão no acesso aos arquivos e registos administrativos (17º CPA), e o direito à informação pública geral (48º/2 CRP)

·         Direito de Representação:
Consiste na “faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua execução”.
Pressupõe, então, uma decisão anterior.
O interessado exerce o seu direito de representação, de forma a que o órgão competente seja chamado à atenção para as eventuais consequências da decisão e para obter do seu autor uma reponderação ou, se o caso requeira, uma confirmação escrita da decisão em causa, excluindo assim a responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar tal decisão. Isto releva para os casos em que os funcionários são dados uma ordem ilegítima pelos seus superiores hierárquicos ou quando duvidam da veridicidade da ordem.

·         Direito de Queixa:
Consiste na faculdade de promover a abertura de um processo que irá levar à aplicação de uma sanção a qualquer entidade que se encontre sujeita ao poder sancionatório da Administração.
Ou seja, ao contrário da petição, esta figura não visa fazer um pedido genérico. E, ao contrário das garantias impugnatórias, não pressupõem a existência de uma decisão prévia tomada pelo órgão ou agente de quem se apresenta queixa.

·         Direito de Denúncia:
A denúncia consiste no ato em que o particular leva à atenção de certa autoridade a ocorrência de um facto específico ou de uma determinada situação sobre a qual aquela autoridade tenha a obrigação de investigar.
Será o exemplo de testemunhar um crime e reportá-lo a uma autoridade competente como a Polícia Judiciária.
Entre o direito de queixa e o direito de denúncia existe uma ligação pois toda a queixa é uma denúncia, pois em qualquer queixa o que acontece é fazer-se denúncia de um comportamento. Porém, o inverso já não é verdade, nem todas as denúncias são uma queixa. Só existirá queixa quando ela tenha por objeto o comportamento de uma certa entidade, porém poderão haver denúncias cujo objeto é diferente.

·         Oposição Administrativa:
Consiste numa contestação feita em determinados procedimentos administrativos onde os contrainteressados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos formulados por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta divulgou ao Público.
A título exemplificativo os morados de uma vizinhança podem opor-se à construção de uma barragem se considerarem, justificadamente, que esta os prejudica.

As garantias impugnatórias possuem inúmeras vantagens como o facto de a Administração poder anular ou declarar a nulidade dos seus atos e ainda, revogar, modificar ou substituí-los por outros, sendo uma faculdade que os Tribunais já não possuem. Outra vantagem será a simplicidade relativa ao procedimento de efetivação destas garantias, sendo um processo marcado pela acessibilidade e celeridade.
Relativamente às desvantagens, é certo que muitas vezes a escolha pela eficiência na prossecução do interesse público leva ao prejuízo do respeito pela proteção dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares visível no facto de, a título de exemplo, o recurso administrativo e a reclamação não levarem ao efeito suspensivo das medidas que foram impugnadas, significando que a Administração pode continuar a executar os seus atos mesmo depois da impugnação[3].

Relativamente à classificação destas garantias, o CPA inclui: a reclamação, o recurso hierárquico, o recurso hierárquico impróprio e o recurso tutelar.

·         Reclamação:
Nos termos dos artigos 184º e 191º do CPA, a reclamação consiste na impugnação do ato perante o seu próprio autor.
Nos termos do artigo 191º/1 “pode reclamar-se (…) da prática ou omissão de qualquer ato administrativo”, exceto nos casos em que o próprio ato decida, ele próprio, reclamação ou recurso (191º/2).
As reclamações poderão ser necessárias ou facultativas consoante haja ou não determinação legal no sentido de serem necessárias (185º/2).
Nos termos do artigo 185º/3, a reclamação poderá ter como fundamento a legalidade ou a inconveniência do ato administrativo, sempre que da lei não resulte o contrário.
Tal como já foi dito, a reclamação por si mesma não suspende a eficácia do ato, exceto quando se tratar de uma reclamação necessária ou no caso de o autor do ato, oficiosamente e a pedido do interessado, considerar “(…) que a sua execução imediata causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao destinatário e a suspensão não causa prejuízo de maior gravidade para o interesse público.”

·         Recurso Hierárquico:
O recurso hierárquico é definido pelo Professor Freitas do Amaral como “o meio de impugnação de um ato administrativo, que tenha sido praticado por um órgão subalterno, perante o respetivo superior hierárquico, a fim de obter deste a revogação, modificação ou substituição do ato recorrido” o que pode ser deduzido do artigo 193º.
Devemos aqui entender o superior hierárquico como o mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da omissão impugnada, exceto no caso de existir delegação de poderes (194º/1).
Pretende-se assim obter uma decisão “verticalmente definitiva” da Administração sobre o caso.
Salvo nos casos em que haja determinação legal a determinar o contrário, o recurso hierárquico poderá ser utilizado, nos termos do artigo 193º/1, para:
a)       Impugnar atos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos;
b)      Reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, por parte de órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos.

Tendo em conta os fundamentos com que se pode apelar ao superior, o recurso hierárquico pode ser de: legalidade, mérito ou misto.
Serão de legalidade quando o particular pretende alegar como fundamento do recurso a ilegalidade do ato administrativo impugnado (193º/1/b). Será de mérito quando o particular pretende impugnar com o fundamento de o ato impugnado ser inconveniente. Por fim, será misto se o particular alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do ato impugnado.
O pedido formulado pode fundar-se na solicitação da declaração de nulidade, anulação ou convalidação do ato, no caso de este ter sido considerado ilegal, ou então na sua suspensão, revogação, modificação ou substituição, seja por razões de oportunidade ou conveniência.
Tal como a reclamação, o recurso hierárquico pode ser necessário ou facultativo (185º/1), sendo necessário quando a lei os determinar como tal (185º/2).
Também similar à reclamação, só haverá suspensão dos efeitos do ato recurso no caso de recurso hierárquico necessário ou salvo nos casos previstos no artigo 189º/2/2ª parte já mencionados.


·         Recurso Hierárquico Impróprio:
O Professor Freitas do Amaral apresenta a seguinte definição para este tipo de recursos: “recursos administrativos mediante os quais se impugna um ato praticado por um órgão de certa pessoa coletiva pública perante outro órgão da mesma pessoa coletiva, que não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de supervisão”.
O regime destes recursos consta do artigo 199º, estando concretamente previsto no artigo 199º/1/a).
O exemplo típico será o recurso do delegado para o delegante, ou seja, o recurso interposto do ato praticado pelo delegado para o órgão delegante quando sejam órgãos da mesma pessoa coletiva nos casos em que não exista entre eles uma relação hierárquica (49º/2).
A característica principal dos recursos hierárquicos impróprios é a de que a sua existência depende da atribuição por lei de um poder de supervisão a um dado órgão de uma pessoa coletiva relativamente a outro órgão da mesma pessoa coletiva e que não haja uma relação hierárquica entre delegante e delegado (199º/2).
Ao recurso hierárquico serão aplicadas subsidiariamente, e com as devidas adaptações, as regras ao recurso hierárquico (199º/5).

·         Recurso Tutelar:
Consiste num pedido de reapreciação de um ato administrativo praticado por um órgão de uma entidade pública que é dirigido a outro órgão, que exerce sobre a primeira um poder de superintendência ou de tutela (199º/1/c)).
Para a existência de recursos tutelares não basta a lei prever uma relação de tutela, também se apresenta necessário que o órgão de uma pessoa coletiva tenha poderes de supervisão sobre os atos do órgão tutelado, e que estes poderes de supervisão se encontrem legalmente previstos.
Este tipo de recurso só pode ter como fundamento a inconveniência do ato recorrido nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito (199º/3). E só poderá haver modificação ou substituição do ato recorrido ou omitido quando a lei confira poderes de tutela substitutiva.
Aos recursos tutelares serão aplicados, também, a título subsidiário, e com as devidas adaptações as regras do recurso hierárquico (199º/5).
Exemplo destes recursos são os casos em que a lei sujeita a recurso para o Governos certas deliberações das Câmaras Municipais.

 Ainda dentro das garantias administrativas, podemos encontrar a queixa ao Provedor de Justiça.
O Provedor de Justiça (23º CRP) é um órgão público, independente do Governo, da Administração e dos Tribunais que será eleito pelo Parlamento por maioria qualificada (23º/3 CRP), sendo que não se encontra sujeito a ordens ou instruções alheias. 
A sua função principal consiste em receber e apreciar as queixas remetidas pelos cidadãos contra a as ações ou omissões ilegais ou inoportunas da Administração Pública. Por isso, não poderá dar ordens à Administração, não possuindo poderes decisórios para tal. Apenas possui poderes persuasórios: se o Provedor entender que o particular tem razão na sua queixa poderá dirigir recomendações às autoridades competentes, recomendações estas que têm os mais variados conteúdos como, por exemplo, a revogação ou substituição de um ato administrativo.

3.       Garantias Judiciais ou Contenciosas:
As garantias judiciais, são os meios de controlo da atuação administrativa que apresentam a forma mais eficaz de defender os direitos subjetivos ou os interesses legítimos dos particulares. Estas garantias judiciais podem efetivar-se juntos dos tribunais do Estado (tribunais administrativos e tribunais judiciais) e de tribunais arbitrais, determinando a formulação de pretensões contra a Administração Pública, visando, na ótica do Professor Paulo Otero, 3 propósitos:  
·         A resolução definitiva de um litígio; 
·         A adoção de providência ou providências cautelares, visando assegurar o efeito útil da sentença que virá a ser proferida na resolução do litígio; 
·         A execução da sentença que, julgando procedente a pretensão formulada junto dos tribunais, foi proferida contra a Administração Pública. 

O Professor Freitas do Amaral, elenca as principais garantias contenciosas que os particulares possuem face à Administração:
·         Garantias contenciosas quanto aos regulamentos administrativos;
·         Garantias contenciosas quanto aos atos administrativos;
·         Garantias contenciosas quanto aos contratos administrativos e/ou aos contratos públicos;
·         Garantias contenciosas quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades ou situações;
·         Garantias contenciosas quanto às operações materiais da Administração;
·         Garantias contenciosas de caráter urgente.


4.       Conclusão: 
No âmbito deste trabalho, podemos concluir que o cidadão possui de inúmeras garantias ao seu dispor como forma de reagir contra a Administração Pública, tal como um Estado de Direito Democrático exige.

5.       Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, volume 2, 2ª edição, Almedina.
- DIAS, José Eduardo Figueiredo; OLIVEIRA, Fernanda Paula - Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2 edição, Almedina, 2010.
- SILVA, Vasco Pereira da - Em busca do ato administrativo perdido.
- SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de – Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 5ª Edição, Dom Quixote, 2014.
- OTERO, Paulo - Manual de Direito Administrativo, volume 1, Almedina, 2013.




Joana Mil-Homens, aluna nº 26157.
Subturma 11.




[1] O Professor Freitas do Amaral considera esta como uma garantia petitória.
[2] Anteriormente designadas como Garantias Graciosas.
[3] Contudo, é certo que o particular para evitar estas situações poderá sempre requerer a adoção de providências cautelares ao Tribunal.

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