Breve exposição sobre o que concerne às diferentes teorias sobre as funções do Estado-coletividade circunscritas no seu exercício pela Constituição
A abordagem da temática
relativa às funções do Estado-coletividade deve iniciar-se pela definição do próprio
conceito de Estado-coletividade.
Tal como enuncia o
Professor Marcelo Rebelo de Sousa nas suas “
Lições de Direito administrativo”[1]-
a noção de Estado-coletividade pode ser definida como:” (…) um povo fixo num
determinado território que por autoridade própria institui um poder político
relativamente autónomo.”[2]
De acordo com o que é
sublinhado pelo iminente juspublicista, o poder político do estado-coletividade
prossegue vários objetivos que de modo a serem alcançados exigem que se
desenvolvam várias atividades ou funções situados nos mais diversos planos e agrupadas
em dois grupos. Existe, por um lado, um grupo de funções que poderíamos
classificar como definidoras da própria constituição enquanto ordenação
fundamental do estado coletividade e, por outro, as funções que são
circunscritas pela própria constituição atuando necessariamente dentro dos seus
parâmetros.
Entre as funções
definidoras da própria constituição incluem-se: a função ou poder constituinte
bem como a função ou poder de revisão constitucional. A função constituinte é aquela
no âmbito da qual o poder político “estabelece as regras essenciais definidoras
dos elementos e das principais estruturas do Estado, bem como dos seus fins e
da organização e atuação do próprio poder político.”[3]
Por sua vez, a função
de revisão constitucional manifesta-se quando:”(…) o poder político vai revendo
a Constituição para a adaptar ao devir coletivo.”[4]
As várias teorias que
surgiram no seio da doutrina do direito constitucional e do direito
administrativo, sobre a forma como estão agrupadas as funções do
estado-coletividade, dizem respeito às funções circunscritas no seu exercício
pela própria constituição.
Como colocado em
evidência pelo Professor Carlos Blanco de Morais[5],
existem no total de três construções teóricas: a construção integral, defendida
pelo Professor Marcello Caetano[6],
a construção da quadripartição defendida pelos professores Marcelo Rebelo de
Sousa[7],
Gomes Canotilho[8] e José
de Melo Alexandrino[9], e por
último, é, ainda, de referir a construção da tripartição defendida pelos
professores Jorge Miranda[10]
e Blanco Morais[11].
A divergência
doutrinária entre estas três correntes manifesta-se, desde logo, na listagem
das funções que deveram ser tidas em conta, bem como na forma pela qual devemos
agrupá-las.
A visão integralista do
professor Marcello Caetano[12]
sustenta a existência de dois grupos de funções: as funções não jurídicas e as
funções jurídicas. Nas funções não jurídicas contar-se-iam, a função política e
técnica e, nas funções jurídicas, existiriam a função legislativa e a
executiva, sendo que esta última abrangeria tanto os processos administrativo
como o jurisdicional, que o professor Marcelo Caetano interpretava como
sub-funções.
Segue-se a visão
quadripartida das funções do estado. Na cadeira de direito administrativo o
contacto com esta doutrina foi feito, sobretudo, através da leitura das lições
do Professor Marcelo Rebelo de Sousa[13].
O autor sustenta que as funções do estado circunscritas pela constituição estariam
subdivididas entre funções primárias e secundárias. As funções primárias seriam
as funções: política e legislativa - enquanto as funções secundárias diriam
respeito às funções administrativa e jurisdicional. Neste quadro, as funções
primárias condicionariam as funções secundárias. Assim sendo, as funções
secundárias estariam circunscritas primeiramente pela própria constituição e
num segundo plano pelas funções primárias.
Por último, a função
tripartida defende a existência de três funções circunscritas no seu exercício
pela constituição: a função política (decomposta em atividade legislativa e
atividade política em sentido estrito), a função administrativa e a função
jurisdicional.
Não obstante o
reconhecido mérito académico dos juristas que formularam todas as visões a que
aludi, a visão tripartida parece-me ser a mais correta[14].
Ao não fazer menção à
função técnica, que se encontra na construção do Professor Marcello Caetano, a
visão tripartida faz um melhor papel no enquadramento do objeto da questão ao
colocar de lado considerações sobre funções que não implicam a prática de atos
jurídicos e que por essa razão não devem revelar para a construção teórica do
direito. Esta é a crítica que deve ser feita a concepção integralista.
Para além disso,
parece-me acertada a decisão por parte da visão tripartida de consumir num
único conceito todas as funções que englobem a adoção de critérios políticos. A
visão quadripartida adota uma divisão excessivamente estreita e rigorosa entre
função legislativa e função política quando na realidade o elemento agregador
que a existência de critérios políticos para ambas as funções aconselha a uma
visão mais moderada na linha do que é proposto pela visão tripartida. A divisão
entre função legislativa e função política sofre ainda de um marcado
anacronismo. A passagem para o tipo histórico de estado de direito democrático
e social a atribuição de competência legislativa a órgãos como o governo e a
transformação da norma jurídica num instrumento político tornou a lei num
instrumento político. Neste contexto a separação rígida entre a função política
e a função legislativa e simplesmente algo ultrapassado. É esta a crítica que
me faz demarcar da visão quadripartida.
O professor Blanco
Morais[15],
não obstante ser um dos juspublicistas que assume a sua proximidade à visão
tripartida, não se inibiu de a criticar no aspeto relacionado com o dirieto
internacional. Nesta visão tripartida o Professor critica: “ a circunstância de
as responsabilidades políticas no domínio da política externa (o poder
federativo de Locke) não terem sido autonomizadas, acabando por se decompor em
atos políticos e atos normativos reconduzidos à atividade política stricto
sensu, na sua vertente externa.”[16]
O trabalho do Professor Blanco Morais tem o mérito de ter infligido importantes
golpes ao edifício teórico da visão integralista e da visão quadripartida. A
crítica que o autor apresenta é compreensível para um académico que também se
dedica ao ensino do direito internacional e é porventura uma tentativa de
começar a ensaiar uma nova posição da sua autoria. Não me parece, no entanto,
que a objeção seja significativa. Reconduzir os poderes na esfera internacional
que o estado-coletividade possui não me parece uma falha grave. De qualquer
forma a crítica pode ser resolvida autonomizando uma eventual função política
internacional. Assim a função política estaria dividia na função legislativa,
função política a nível interno e função política a nível internacional.
Dezembro de 2017
Bernardo Freitas
[1]
Sousa, Marcelo Rebelo de, Lições de
Direito Administrativo, Editora Lex, Lisboa 1999.
[2]Ibidem,
p.9.
[3]
Ibidem, p.10.
[4]
Ibidem,p.10.
[5]
Morais, Carlos Blanco de, Curso de
Direito Constitucional – Funções do Estado e Poder Legislativo no Ordenamento
Português, Tomo I, 3ª edição, 2015, Coimbra Editora, p.29.
[6]
Caetano Marcello, Manual de Ciência
Política e Direito Constitucional, Tomo I, p.158 e seg.
[7]
Sousa, Marcelo Rebelo de, Lições de
Direito Administrativo, Editora Lex, Lisboa 1999, p.10.
Neste ponto, ver ainda: Sousa, Marcelo Rebelo, Direito Constitucional, Tomo I, Braga, 1979, p.247
[8]
Canotilho, Gomes, Direito Constitucional,
p. 552
[9]
Alexandrino, José de Melo, Lições de Direito
Constitucional, Tomo I Lisboa,
2015, p.112
[10]
Miranda, Jorge, Manual de Direito
Constitucional, Tomo V, p.22 e seg.
[11]
Morais, Carlos Blanco de, Curso de
Direito Constitucional – Funções do Estado e Poder Legislativo no Ordenamento
Português, Tomo I, 3ª edição, 2015, Coimbra Editora, p.29 a 31
[12]
Vide, obra citada.
[13]
Vide, obra citada.
[14]
As críticas à visão integralista e quadripartida encontram-se em: Morais,
Carlos Blanco de, Curso de Direito
Constitucional – Funções do Estado e Poder Legislativo no Ordenamento
Português, Tomo I, 3ª edição, 2015, Coimbra Editora, p.30 e 31.
[15]
vide obra citada, p.30 e 31.
[16]
Ibidem, p.31.
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