Conceito de Administração

1.      As necessidades coletivas e a administração pública
O Professor Diogo Freitas do Amaral começa por mencionar que, quando se faz referência à administração pública, lhe está inerente um “(…) conjunto de necessidades coletivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de serviços por esta organizados e mantidos”.
Com isto, constatamos que uma necessidade coletiva, que se mostre com veemência suficiente, faz surgir um serviço público, cujo objetivo é a satisfação de tal necessidade, em nome e no interesse da coletividade.
Relativamente às necessidades coletivas, todas se inserem no âmbito da esfera administrativa, dando origem ao conjunto, amplo e complexo, de atividades e organismos denominado por administração pública.
Todas, exceto uma, a intitulada necessidade coletiva da realização da justiça, que se encontra no poder judicial, estando, por isso, fora da esfera própria da Administração Pública, neste sentido dispõe o at.202º da Constituição da República Portuguesa.
O leque de serviços organizado pela coletividade é bastante vasto, integrando nele, por exemplo, os serviços de bombeiros, que satisfazem a necessidade de proteção de pessoas e bens contra incêndios ou inundações, também os serviços de polícia, que garantem a ordem e a tranquilidade pública, se encontram neste conjunto. Além destes, existem outros serviços, igualmente criados para a prossecução de necessidades coletivas, é o caso dos serviços consulares e de apoio à emigração, serviços do registo civil, serviços de obras públicas, serviços de transportes coletivos, serviços de telecomunicações, serviços de limpeza, serviços de saneamento básico, entre outros.
            Do mesmo modo, os hospitais, as creches, os museus, as bibliotecas, os centros de segurança social, etc., são serviços criados e sustentados pela coletividade, com vista a satisfazer as grandes necessidades culturais e sociais.
            Não obstante à finalidade comum destes serviços, nomeadamente a satisfação das necessidades coletivas, não partilham, no entanto, a mesma natureza e origem. Quer isto dizer que existem serviços criados e geridos pelo Estado, como é o caso da polícia e dos impostos, e existem outros entregues a organismos autónomos, que se autossustentam financeiramente, como os hospitais.
            Tendo em conta as necessidades coletivas suprarreferidas, é possível remetê-las para três tipos, designadamente, a segurança, a cultura e o bem-estar.

2.      Os vários sentidos da expressão “administração pública”
Importa, desde logo, elucidar que a administração pública não se reconduz a um só significado, com efeito, existem dois sentidos principais, os quais passo a enunciar.
Por um lado, a expressão administração pública pode surgir como sinónimo de organização administrativa, estamos, nesse caso, perante a administração pública em sentido orgânico, ou em sentido subjetivo.
Por outro lado, pode surgir no sentido de atividade administrativa, sendo, por isso, a administração em sentido material, ou em sentido objetivo.
Com efeito, o conjunto vasto e complexo de organismos a que já aludi, mais não é do que um sistema de serviços e entidades (administração pública em sentido orgânico ou subjetivo), que atuam de forma regular e contínua para satisfazer as necessidades coletivas (administração pública em sentido material ou objetivo).
Adiante usarei o mesmo método do Professor Freitas do Amaral, escrevendo Administração Pública (com maiúsculas) quando me referir ao primeiro sentido, e administração pública (com minúsculas) quando mencionar o segundo.
Por fim, existe um terceiro sentido, que não será abordado exaustivamente aqui, mas relativamente ao qual deixarei um breve apontamento, para tal, importa saber que se trata da administração pública em sentido formal, a qual está relacionada com o modo de agir da administração pública em determinado tipo de sistemas de administração.

3.      A Administração Pública em sentido orgânico
Muito embora exista a ideia de que a Administração Pública é constituída, essencialmente, pelos serviços centrais do Estado, nomeadamente, o Governo, os ministérios, as direções-gerais, etc., a verdade é que estes são apenas uma parte da Administração Pública.
Primeiramente, o Estado não é formado apenas por órgãos e serviços centrais, compreendendo também órgãos e serviços locais, que desenvolvem as suas funções de forma desconcentrada.
Por fim, a Administração Pública não se limita ao Estado, admitindo muitas outras entidades e organismos, que desenvolvem atividades administrativas ao lado do Estado, ou sob a sua égide, mas nunca se confundindo com ele, já que têm personalidade própria (ex. universidades, freguesias, institutos públicos, associações públicas, etc.).
Concluímos, deste modo, que a atividade administrativa não é, necessariamente, uma atividade estadual.
Apesar da administração pública não ser uma atividade exclusiva do Estado, a verdade é que o seu desenvolvimento extraordinário a colocou na dianteira em relação às restantes formas de administração.
O Professor Freitas do Amaral adota uma classificação tripartida da Administração Pública em sentido orgânico, utilizando as seguintes categorias: administração direta, administração indireta e administração autónoma.
Já o Professor Vasco Pereira da Silva, acrescenta outras duas classificações, nomeadamente, a administração organizada sob formas jurídicas privadas e a administração independente.
Em conclusão, o Professor Freitas do Amaral dá uma definição de “Administração Pública”, a qual passo a citar: “(…) é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, e de algumas entidades privadas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.”.
Por fim, importa mencionar que a Administração Pública em sentido orgânico é constituída, por um lado, por organizações, umas dotadas de personalidade jurídica (as pessoas coletivas públicas), outras por norma não personificadas (os serviços públicos), por outro, compreende os indivíduos, designadamente os funcionários e agentes administrativos, sendo o seu conjunto vulgarmente denominado por função pública.

4.      A administração pública em sentido material
Em sentido material, conforme já foi referido, a administração pública é a atividade de administrar, atividade essa que surge da atuação do aparelho já mencionado.
Esta atividade de administrar passa pela toma de decisões e realização de operações, com o propósito de satisfazer determinadas necessidades, adquirindo, para tal, os recursos mais apropriados e utilizando as formas mais convenientes.
A aceção de administração pública em sentido material, dada pelo Professor Freitas do Amaral, traduz-se na “(…) atividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes.”. Desta forma, concluímos que se trata de uma atividade regular, permanente e contínua dos poderes públicos, com vista à satisfação das necessidades coletivas que se encontram no âmbito administrativo, das quais apenas se exclui a necessidade coletiva de justiça, conforme supramencionado.
Cabe agora responder à questão: “Qual o conteúdo material da atividade administrativa?”. Ora, a bem da verdade, só se procurou responder com precisão a esta questão após a Revolução Francesa, quando o Rei deixou de concentrar em si todos os poderes e passou, com o princípio da separação de poderes, a deter apenas as funções administrativa e política, perdendo as funções legislativa e jurisdicional.
Em relação especificamente à função administrativa, até à segunda metade do século XX, acreditou-se que se traduzia na execução das leis, todavia, após essa data, passou a incluir-se também a execução de diretrizes e opções fundamentais traçadas pelo poder político, muito embora tenha caráter executivo, não se traduz na execução das leis. Do mesmo modo, passou a competir-lhe a realização de várias atividades, como a prestação de serviços e a atribuição de subsídios, etc., cuja realização tem por base a lei, mas não se reconduz a uma mera execução da lei.
A Administração Pública tem de garantir o cumprimento dos seus fins, nomeadamente, a satisfação regular das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social.
Como tal, não se reduz a Administração Pública à aplicação do direito, nem a função administrativa a uma simples atividade executiva.

5.      A administração pública e a administração privada
Desde logo, os traços comuns entre a administração pública e a administração privada são, essencialmente, o facto de serem ambas administração. Quanto ao resto distinguem-se de três formas, são elas: o objeto, o fim e os meios.
Em relação ao objeto sobre o qual incidem, parece-nos óbvio que a administração pública siga necessidades coletivas, enquanto a administração privada prossegue necessidades individuais, como a gestão dos bens de determinada pessoa, ou necessidades que embora não sejam exclusivas a uma pessoa, não atingem a generalidade de uma coletividade inteira, como o património de uma associação.
            Quanto ao fim que visam prosseguir, afigura-se novamente percetível que a administração pública prossiga o interesse público, tendo em conta que tem legitimidade somente para este fim. Já a administração privada tem em vista fins pessoais ou particulares, podendo estes ser lucrativos ou não económicos e, inclusive, altruístas. Independentemente das suas características, os fins da administração privada são sempre particulares, mesmo que contrários ao interesse geral da coletividade.
Contudo, pode acontecer que o efeito das atividades privadas seja socialmente útil à coletividade, o que não indica que o fim principal dessa administração privada seja a prossecução do interesse geral, é, antes de mais nada, a prossecução de um interesse particular, ainda que este venha a coincidir com o interesse público.
Uma outra forma de distinção entre as duas administrações diz respeito aos meios.
Enquanto na administração privada os meios jurídicos utilizados se determinam pela igualdade entre as partes, no sentido de que os particulares são iguais entre si, não podendo, por isso, impor a sua vontade aos outros, exceto se assim o tiverem acordado, já na administração pública, não se pode estar à espera que cada cidadão expresse a sua concordância, na medida em que a administração pública tem de satisfazer as necessidades coletivas que competem à coletividade, realizando sempre o interesse público, o qual é definido pela lei geral. Com efeito, a lei permite a utilização de determinados meios de autoridade, para se impor aos particulares, mesmo contra a sua vontade.
Posto isto, enquanto o contrato é o instrumento jurídico utilizado em sede de administração privada, já na administração pública não faria sentido, sendo, em vez disso, o comando unilateral o método que a particulariza, seja pela configuração de ato normativo ou de decisão concreta e individual, sendo o primeiro um regulamento administrativo e o segundo um ato administrativo. Tal não impede que se estabeleça um acordo bilateral, o denominado contrato administrativo.
Para concluir esta distinção, resta apenas referir que os poderes de autoridade de que dispõe a administração pública, face aos particulares, não podem por estes ser utilizados no âmbito da administração privada. Do mesmo modo, existem limitações à atuação da Administração Pública, estabelecidas com vista a acautelar e defender o interesse público, às quais, por norma, os particulares não estão sujeitos na administração privada.

6.      A administração pública e as funções do Estado
Neste ponto será feito um confronto entre a administração pública e as funções política, legislativa e jurisdicional do Estado, para tal, importa apenas salientar que a função administrativa pode ser desempenhada por outras entidades que não o Estado.
A primeira distinção diz respeito à política, cujo fim é específico, a definição do interesse geral da coletividade, sendo a finalidade da administração pública a execução, em termos concretos, do interesse geral definido pela política.
Também a natureza as distingue, na medida em que a política tem uma natureza criadora, competindo-lhe a inovação em tudo o que seja essencial, já a administração pública tem uma natureza executiva, no sentido de aplicar as diretrizes tomadas a nível político.
Ao nível do caráter, enquanto o da política é livre e primário, estando limitada pela Constituição somente em algumas questões, por sua vez, a administração pública tem um caráter condicionado e secundário, estando subordinada às orientações da política e da legislação.
Apesar das diferenças que as separam, a administração pública é influenciada diretamente pela política, sendo que, geralmente, a administração pública não é só a atividade administrativa, mas igualmente a realização ou desenvolvimento de uma política.
Esta distinção pode mostrar-se bastante difícil no plano dos factos quotidianos, isto deve-se ao facto de, por exemplo, muitas vezes se confundirem os atos praticados no exercício de ambas as atividades.
A segunda distinção a ser feita recai sobre a legislação, a qual, na doutrina do Professor Freitas do Amaral, se encontra no mesmo nível da política.
Como tal, identicamente à política, também a legislação define as opções, os objetivos e as normas abstratas, cabendo à administração a execução, aplicação e colocação em prática daquilo que foi definido pelos superiores.
Coincidem a administração pública e a legislação nos casos em que as leis contêm materialmente decisões de caráter administrativo, quando os atos de administração revestem materialmente todos os caracteres de uma lei e, ainda, quando a própria lei se deixa completar por atos da Administração.
A principal diferença reside na submissão da administração pública à lei, sendo esta “(…) o fundamento, o critério e o limite de toda a atividade administrativa.”, conforme refere o Professor Diogo Freitas do Amaral.
A última distinção é traçada com a justiça, sendo comum o facto de serem ambas secundárias, executivas e subordinadas à lei, mas diferenciando-se pela circunstância de uma julgar e a outra gerir.
Com efeito, enquanto a justiça procura aplicar o direito aos casos concretos, sendo superior aos interesses e não sendo parte dos conflitos que decide, por sua vez, a administração pública visa seguir os interesses gerais da coletividade, defendendo e prosseguindo os interesses coletivos a seu cargo.
Isto traduz-se numa independência, no caso dos juízes que decidem em tribunal, e que não podem ser removidos do seu cargo, enquanto a administração pública está submetida a uma hierarquia, em que, normalmente, os subalternos dependem dos seus superiores, estando obrigados a obedecer às suas decisões e podendo ser transferidos ou removidos do seu cargo.
Tal como nas distinções feitas acima, também estas se cruzam, quando, por exemplo, a administração pública pratica atos jurisdicionalizados, ou os tribunais comuns praticam atos materialmente administrativos.
Anteriormente foi referido que a administração pública estava subordinada à lei, daqui decorre, igualmente, a submissão aos tribunais.
Para finalizar o meu trabalho, e tendo em conta tudo aquilo que foi supracitado, aludo à definição de administração pública, em sentido material ou objetivo, dada pelo Professor Freitas do Amaral, em jeito de conclusão: “(…) é a atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais competentes.”.

Sara Miguel Melo Lavos nº56794 (2º ano, Turma B, Subturma 11)


Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição 2015, Almedina, Coimbra

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