«Conceito-quadro» de direito subjectivo no Contencioso Administrativo

Na transição do sistema administrativo tradicional, para os sistemas administrativos modernos, foi preconizado um movimento de protecção do particular face à administração. Os sistemas administrativos que assentem num Estado de Direito, oferece aos particulares um conjunto de garantias jurídicas constra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. Embora se possa afirmar que em Portugal se adoptou um sistema de tipo francês, quanto à posição do sujeito no contencioso administrativo, sublinha MARCELLO CAETANO, que “ não significa necessariamente que haja sido adoptado o sistema francês.[1]” De facto, os princípios típicos encontram-se no sistema português, mas adaptados em termos que distanciam consideravalmente a administração portuguesa da francesa[2].
            Os direitos de intervenção no procedimento para a defesa de bens constitucionalmente protegidos constitucioanlmente correspondem a posições jurídcas de vantagem, que são os direitos fundamentais, como sublinha VASCO PEREIRA DA SILVA[3]. Esta categoria de direitos subjectivos públicos, é o que nos interessa para efeitos desta sumária dissestação.
            Nesta perspectiva, adianta VASCO PEREIRA DA SILVA, que não considera aceitável os pressupostos que negavam a qualidade de sujeito de direito, ao particular, nas relações administrativas[4].
Refutando também a tradicional categorização que permita a distinção entre “direitos de primeira categoria”, “direitos de segunda categoria” ou ainda “direitos de terceira ordem”( os interesses difusos)[5].
Assim, todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos[6]. Esta posição, trata as posições jurídicas de forma unitária em face à Administração, partindo da teoria da «norma da protecção», nos termos da qual, o indivíduo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que de uma norma jurídica que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental[7]. A diferença entre a categorização[8] atrás mencionada não consiste portanto na natureza da figura mas no conteúdo[9].
Ainda quanto à irrelevância da dictomia ou tricotomia entre “direitos de subjectivos de primeira ordem”, “direitos de segunda” e “interesses difusos”, atendemos ao ordenamento jurídico italiano, onde comprovamos que mediante a reforma de 2000, ao pretender alargar o âmbito da jurisdição administrativa a todo o universo das tarefas desempenhadas pela Adminsitração, passou por cima dessa tricotomia[10]. Aliás, como afirma LEDDA, “o interesse legítimo morreu, e creio que não seja desejável a sua ressureição”[11]. Neste sentido, IRELLI, preconiza a doutrina que referindo-se à cognição do juiz administrativo nas controvérsias relativas ao exercício dos poderes públicos, considera que os direitos subjectivos se veriam reduzidos ou “degradados” a interesses[12].
Acresce, na visão de VASCO PEREIRA DA SILVA, que a pretensa distinção das categorias de direito subjectivo, de interesse legítimo e de interesse difuso assenta, mais do que em supostas características materiais deferenciadas, sobretudo, numa distinção de ordem formal, que é a que decorre da utilização pela ordem jurídica de diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, ainda que conduzindo a resultados diferntes[13].
Em suma, nas três situações analisadas e independentemente da técnica jurídica utilizada, que podendo apresentar conteúdos distintos, têm idêntica natureza, sendo por isso e em conclusão de configurar como direitos subjectivos. Noutro sentido, recordamos a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, onde ALMEIDA FERRÃO, recorda que “ não se contém, rigorosamente, na definição dada pela doutrina aos requesitos exigidos ao interesse para assegurar a legitimidade das partes”[14].

João Santiago Neves
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[1] MARCELLO CAETANO, «Manual de Ciência Política», Vol.I, p.20-21.
[2] Sobre o sistema francês v., BÉNOIT, «Le Droit Administratif français», Paris, 1968, p.55 e ss.;
[3] Vide. VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em busca do acto administrativo perdido», Almedina, 2003, p.286
[4] Vide. VASCO PEREIRA DA SILVA, « O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise», p.264
[5] Vide. VASCO PEREIRA DA SILVA, « O Contencioso...», cit., p.264
[6] Vide. VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em busca do acto administrativo perdido», cit., p.286
[7] Cfr. O. BUHLER, « Die Subjektiven…», ob.cit., Berlim, 1914.
[8] Segundo esta perspectiva, Cfr. BACHOF, «Reflexwirkungen und Subjektive Rechte im offentlichen Recht», 2ªed., 1955, p. 301.
[9] Neste sentido, VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em busca do acto administrativo perdido», cit., p.286
[10] Vide. VASCO PEREIRA DA SILVA, « O Contencioso...», cit., p.265
[11] FRANCO LEDDA, « Agonia e Morte Ingloriosa dell´Interesse Legittimo», Milão, 2000, p. 263.
[12] CERULLI IRELLI, « La Riforma della Giustizia Amministrativa: Considerazioni Introduttive», 2000, p.4.
[13] VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente», Almedina, Coimbra, 2002, p.96.
[14] ALFREDO MENDES DE ALMEIDA FERRÃO, « Questões prévias e Prejudiciais no Contencioso Administrativo», Coimbra Editora, Coimbra, 1958, p.76. Ainda noutro sentido, entre nós, CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, «Justiça Administrativa», p.60 e ss.

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