Direitos subjectivos públicos e a relação jurídica administrativa
Direitos subjectivos públicos e a relação jurídica administrativa
No entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva a adopção da relação júrídica como conceito geral do Direito Administrativo traz mais vantagens do que inconvenientes. De facto, só assim podemos conceber o privado como um autónomo sujeito jurídico que ocupa no mundo do direito uma posição igual à da Administração. De igual modo, apenas por via do reconhecimento de direitos subjectivos é que o indivíduo deixa de ser tratado como objecto do poder para passar a ser tido como um sujeito de direito capaz de se relacionar com os orgãos do poder público. Claro está que esta não é a única forma de conceber as posições dos indivíduos face à Administração, pelo que, sumariamente, apresentaremos algumas teses alternativas.
Pondo de parte as correntes negativistas que negam aos cidadãos uma posição de vantagem face à Administração, apenas afirmando uma proteção indirecta pelo cumprimento da lei - tendo como defensor Otto Mayer -, passamos à análise do segundo momento da história do Direito Administrativo.
Para a denominada "escola subjectivista francesa", que tanto influenciou o pensamento do Professor Marcello Caetano, o que existia na verdade era um "direito à legalidade"; falavam os autores de um direito geral e abstracto, que permitia aos particulares exigir da Administração essa legalidade e quando necessário a supressão da ilegalidade. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, esta tese peca por confundir o direito objectivo, a legalidade - direito independente de qualquer sujeito -, com o direito subjectivo.
Num outro âmbito, tomando como referência as posições jurídicas activas que tratam de situações de vantagem ou que favorecem a satisfação de necessidades do respectivo titular, parte da doutrina distingue os direitos subjectivos dos interesses legalmente protegidos, sendo que os primeiros são tidos como uma "permissão de aproveitamento de um bem" - conferindo directa e imediatamente ao seu titular um poder -, e os segundos, como todas as posições jurídicas de vantagem tituladas por administrados, não se reconduzem a direitos subjectivos por gozarem de um estatuto garantístico menos "energético" do que o direito subjectivo.
Para o Professor Freitas do Amaral, o que os caracteriza é o facto de estes interesses resultarem de actos que só reflexa ou indirectamente visam a proteção de interesses individuais, pois o seu primeiro propósito é proteger o interesse geral. Referimos a designação proposta pelo Professor Paulo Otero, que se refere a estes interesses como "interesses reflexamente protegidos". Para o Prefessor Vasco Pereira da Silva, crítico desta construção, seria pouco rigoroso admitir a existência de direitos não intencionais, pois seria admitir que o legislador, ao regular o poder público, por lapso seu, atribuía ao particular uma posição de vantagem.
Contudo, a partir dos anos 70, com o surgimento dos novos direitos fundamentais que correspondem também a novas tarefas estaduais - como por exemplo o direito ao ambiente e o direito à intervenção do Estado na vida social e económica -, àquela concepção binária acresce uma terceira categoria: os direitos difusos. Para os seus defensores, o que está em causa são interesses públicos ou necessidades comuns da sociedade que são passíveis de satisfação colectiva através de bens indivisíveis ou insusceptíveis de apropriação individual. Ou seja, acabam por ser "interesses dispersos por toda a comunidade".
Referimo-nos ainda a uma posição unitária oriunda do direito italiano e do direito espanhol segundo a qual todos os direitos administrativos têm a mesma natureza e que aquilo que os caracteriza é o facto de serem direitos reactivos. Esta foi a primeira construção defendida pelo Professor Regente, tendo sido abandonada mais tarde. De facto, a principal confusão que esta construção faz, é não distinguir a noção de direito subjectivo com a noção de direito à reação jurídica.
Procedemos agora à exposição da solução proposta pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Aqui, o essencial é considerar o particular como titular de direitos subjectivos nas relações jurídicas administrativas sendo que, no seu entendimento, uma concepção unitária é aquela que melhor serve os interesses dos administrados. Nos termos da "teoria da norma de proteção" o indivíduo é «titular de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que da norma jurídica resulte uma situação de vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda que dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental». Assim, ainda que a Constituição da República Portuguesa fale de "interesses legalmente protegidos" (art. 268º números 3,4 e 5) o Professor entende que a Constituição os equipara aos direitos subjectivos recebendo ambos o mesmo tratamento jurídico-material.
O critério verdadeiramente relevante para averiguar a existência de direitos subjectivos é o do sentido da norma, ou seja, o da determinação dos interesses protegidos pela norma jurídica. Como teria preconizado Ottmar Bühler (o verdadeiro impulsionador desta tese), teriam de estar verificados três pressupostos para estarmos diante de uma norma de proteção: antes de mais, era necessário que houvesse uma norma jurídica vinculativa, isto é, uma norma que obrigasse a Administração a actuar ou a abster-se face ao particular; em segundo lugar, que essa norma se destinasse a proteger os particulares, o que implicaria não só olhar para o sentido da norma jurídica mas também a sua eficácia jurídica. O que é consequência da « interpretação da lei de proteção imposta pela Constituição». Por fim, seria necessário que existisse a possibilidade do particular ir ao tribunal para tutelar esse direito lesado.
Contudo, importa referir o avanço que a doutrina alemã vai dar a esta tese procedendo a um alargamento do âmbito de aplicação dos direitos subjectivos públicos, servindo-se, para tal, dos critérios de interpretação objectivos e actualistas.
Assim, passam a ser também considerados os direitos sociais em resultado das transformações introduzidas pelo desenvolvimento da Administração prestadora.
Já no Estado pós-social assistimos a uma crise do conceito de direito subjectivo decorrente da intensificação da actividade administrativa e da diversificação da sua actividade com os privados. De facto, veio romper-se com uma óptica estritamente legalista que partia do pressuposto de que os direitos subjectivos públicos eram apenas aqueles que eram atribuídos directamente pelo legislador ordinário. Passa, assim, a tratar-se da mesma forma todos os direitos subjectivos, resultem eles de lei constitucional ou ordinária, regulamento, acto ou contrato administrativo.
É de relevar o papel importantíssimo da jurisprudência alemã na defesa dos cidadãos perante a Administração. De facto, por um lado recorre-se aos direitos fundamentais aplicando-os directamente nas relações administrativas (isto porque se reconhece uma dependência constitucional do Direito Administrativo), por outro, tais direitos surgem como "direitos de defesa" contra os poderes estaduais. Ou seja, na sua dimensão negativa, tais direitos obrigam a que a Administração se abstenha de agredir a esfera individual protegida. Estes "direitos de defesa", preconizados por autores como HESSE, são direitos subjectivos decorrentes da agressão por parte da Adminstração da esfera júridica individual dos cidadãos. Como chama a atenção o Professor Vasco Pereira da Silva, não podemos contudo concluir que na doutrina alemã se pretende reduzir tal direito subjectivo a um simples poder processual de acção. O essencial é colocar a tónica no direito fundamental lesado e não no poder de reagir jurisdicionalmente.
Maria Mendonça Nº de Aluna: 56755
Bibliografia :
- SILVA, Vasco Pereira da (1995) Em busca do Acto Administrativo Perdido, 1ª edição, Almedina;
- AMARAL, Diogo Freitas do (2015) Curso de Direito Administrativo 4ª Edição, Almedina;
- OTERO, Paulo (2013) Manual de Direito Administrativo, Almedina;
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