O Município: Verdadeira autonomia ou submissão estadual?
Este post tem
como tema incidente a figura do município e a análise quanto à sua autonomia em
relação ao Estado. Surgem de imediato as perguntas: até onde pode o Estado
intervir na administração municipal? Estaremos perante uma verdadeira autonomia
ou, pelo contrário, perante uma autonomia de fachada? O objetivo desta
exposição é clarificar as respostas a estas perguntas segundo uma análise
crítica e atual sobre o tema.
Começando por identificar o que é o município tem
de se alertar para o facto de durante o decorrer do século XX e já no século
XXI estarem contidas em diversos diplomas definições de município, como por
exemplo, no artigo 13 do Código Administrativo de 1936-1940 que enunciava “Concelho
é o agregado de pessoas residentes na circunscrição municipal, com interesses prosseguidos
por órgão próprios”. Por outro lado, temos uma omissão da noção de município na
redação inicial da Constituição de 1976. Atualmente, seguindo a posição do
Professor Freitas do Amaral, “município é a autarquia local que visa a
prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição
concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos”. O porquê do Professor
Freitas do Amaral abranger a expressão “autarquia local” tem como finalidade a
caracterização do município como pessoa coletiva pública, mesmo que esta
caracterização não seja explícita mas sim implícita. Concordando com a posição
do Professor mencionado, “o município é a mais importante de todas as espécies de
autarquias locais”. Não poderia ser de outra forma. Os órgãos principais dos municípios,
ou seja, a Assembleia Municipal, a Câmara Municipal e o Presidente da Câmara
são, a par dos órgãos das freguesias, a parte essencial do diálogo entre o povo
e o poder politico, entre a província e a capital. É à Câmara Municipal que o
cidadão se dirige para tentar solucionar os seus problemas e ainda mais relevante
se torna o papel destes órgãos porque os mesmos conferem uma proximidade do
poder politico ao cidadão comum que não era possível caso não existissem. Mas,
então, questiona-se: se existe uma forte ligação do poder político estadual (ou
seja, do Estado) às Câmaras Municipais será que este poder as controla? Creio
que, atualmente, a resposta seja negativa. Verdadeira e real é a importância
dos partidos políticos numa eleição, do seu apoio a um determinado candidato. Mas
não será por um Governo ser de cor política diferente da Câmara Municipal que este
pode administrar a seu bel-prazer os atos da respetiva Câmara. E com isto, é possível
afirmar que os Municípios são verdadeiras formas de Administração Autónoma. Seria
um absurdo pensar que o Governo não exerce qualquer tipo de poder sobre o município.
O poder de intervenção do Governo sobre o município é o poder de tutela.
Segundo o artigo 242º/1 da Constituição da Republica Portuguesa “A tutela
administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do
cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e
segundo as formas previstas por lei”, sendo que considerando o artigo 241º da
Constituição da Republica Portuguesa as autarquias locais dispõem de um “poder
regulamentar” mas que está submetido às normas emanadas das leis de fontes de
hierarquia superior.
Sucintamente, o Governo tem sobre o Município,
sendo este ultimo pertencente à administração autónoma, um poder de tutela tal
como resulta do artigo 199º/d) da Constituição da Republica Portuguesa, que
neste caso reveste a sua modalidade de tutela inspetiva, ou seja, como o nome
indica, o poder de inspecionar a entidade (neste caso os órgãos do município).
De referir que
nem sempre ao longo da nossa história se verificou esta grande autonomia do município
face ao Estado. O Professor Freitas do Amaral distingue três fases, sendo a
ultima a que foi citada anteriormente que decorre de 1989 até aos nossos dias.
A primeira fase compreende o período do Estado Novo (de 1936-40 a 1974), período
em que vigorava um regime político autoritário e que tinha por consequência uma
grande centralização no que concerne à administração, o Governo detinha
extensos poderes sobre as autarquias locais. Na segunda fase que abrange os
anos 1974 a 1989, devido à Revolução de Abril e à Constituição de 1976, existiu
um movimento descentralizador do poder do Governo nas autarquias locais, que
teve por consequência o aumento da autonomia municipal sendo que a tutela que foi
referida atrás como administrativa do Governo, foi diminuída. Devido a este
regime ser excessivamente liberal iniciou-se a terceira fase, já descrita.
Em conclusão, podemos afirmar uma grande
autonomia das autarquias locais face à administração central do Estado, tal como
tem de se verificar num verdadeiro Estado de Direito do século XXI, sendo que o
Estado pode intervir, claro, utilizando, para isso, o seu poder de tutela. Não
sendo então de considerar uma autonomia de fachada, os municípios são, assim
sendo, um dos maiores sucessos conseguidos pela administração autónoma.
Bibliografia
consultada:
AMARAL, Diogo Freitas do (2015) Curso de Direito
Administrativo, 4ª Edição, Almedina;
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