Simulação - Grupo 4.

Parecer Jurídico


1.             Endereçamento

Ao Governo da República Portuguesa



2.         Ementa

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA, SERVIÇOS PERSONALIZADOS, ENTIDADES AUTONOMAS, ASSOCIAÇÕES DE ENTIDADES PUBLICAS, CORPOS DE BOMBEIROS


3.          Relatório

Na sequência das insuficiências evidenciadas na última época de incêndios, o Governo da República Portuguesa procurou o nosso aconselhamento jurídico sobre a melhor forma de reorganizar a Proteção Civil e o Corpo de Bombeiros.
A primeira questão que nos foi colocada está relacionada com o lugar que a Proteção Civil deverá ocupar na orgânica geral da administração pública. Das três hipóteses que nos foram apresentadas é da nossa opinião que a melhor solução seria a de constituir a proteção civil como uma associação de entidade pública, mais concretamente como Comunidade Intermunicipal. Trataremos de defender esta opção e de assinalar as razões pelas quais discordamos das restantes hipóteses levantadas.
A segunda questão está relacionada com a organização que deve ser dada aos corpos de bombeiros. Neste ponto a nossa posição é a de que deve existir um sistema misto com a combinação de bombeiros voluntários e profissionais privados e públicos.

4.         Fundamentação

4.1.     Recorte constitucional da questão

As questões levantadas pelo governo têm, antes de mais, uma ligação com o que se encontra exarado na Constituição da República Portuguesa.
O ordenamento jurídico interno estabelece, na Constituição da República Portuguesa: Artigo 24º nº 1 - A vida humana é inviolável;
Artigo 25 nº 1 - A integridade moral e física das pessoas é inviolável; Artigo 27º nº1 - Todos tem direito à liberdade e à segurança;
-


Artigo 61º nº 1 - A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral;
Artigo 182º - O governo é o órgão de condução política geral do país e o órgão superior da administração pública.

Dos artigos supracitados conclui-se que é obrigação do governo procurar soluções para as falhas da administração na proteção do direito à vida e à integridade física bem como, na proteção do direito à propriedade e à iniciativa económica.
Passamos agora a analisar o papel atual da proteção civil na administração pública portuguesa bem como as várias hipóteses para a organização da proteção civil.


a)              O atual papel da proteção civil na orgânica geral da Administração:

A Proteção Civil, tal como as restantes entidades públicas, possui como elemento intrínseco a personalidade jurídica. Esta é atribuída por lei, no momento da criação da entidade pública.
Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 73/2013 de 31 de Maio1, a Proteção Civil é presentemente um serviço central da Administração Direta do Estado dotada de autonomia administrativa e financeira. Os fins prosseguidos pela Proteção Civil são os consignados no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 73/2013 de 31 de Maio2.
Por Administração Central entende-se o setor da Administração cuja competência é extensível a todo o território nacional. Por sua vez, a Administração Central é juntamente com a Administração Local uma das componentes da Administração Direta constituída pelos órgãos e serviços da Administração Pública integrados na pessoa coletiva Estado. Quer isto dizer que a Proteção Civil é, no seu modelo atual, um serviço integrado no Estado com competência sobre todo o território nacional. A extensão da competência da Proteção Civil a todo o território nacional encontra-se igualmente consagrado no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 73/20133.
Enquanto componente da Administração Central, e diretamente depende do Estado- Administração, a Proteção Civil encontra-se submetida ao poder de direção dos seus superiores ao qual corresponde, da sua parte, um dever de obediência.


1 Artigo 1.º Natureza: “A Autoridade Nacional de Proteção Civil, abreviadamente designada por ANPC, é um serviço central, da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio”.
2 Artigo 2º/1: “A ANPC tem por missão planear, coordenar e executar a política de proteção civil, designadamente na prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações e de superintendência da atividade dos bombeiros, bem como assegurar o planeamento e coordenação das necessidades nacionais na área do planeamento civil de emergência com vista a fazer face a situações de crise ou de guerra (…)”
3 Artigo 3.º Âmbito territorial: “As atribuições da ANPC são prosseguidas em todo o território nacional, sem prejuízo das competências próprias dos órgãos relevantes das regiões autónomas e das autarquias locais”.



As desvantagens em manter a estrutura atual da Proteção Civil são as mesmas desvantagens associadas à falta de descentralização da Administração. O artigo 267.º, n.º1 da CRP4 obriga a que a Administração seja estruturada de forma a evitar a burocratização e a aproximar os serviços das populações, assegurando a participação dos interessados na sua gestão efetiva.
A Administração Pública portuguesa sempre teve uma tendência para a centralização. Logo a partir da crise de 1383-1385, reforçou-se o processo de concentração do poder real, com base no apoio de uma burguesia urbana e letrada ascendente. Este processo ficou facilitado pelo enfraquecimento dos anteriores laços feudais e culminou, no século XV, com o surgimento do primeiro Estado moderno denominado, Estado Estamental. A transição para o Estado Liberal não alterou esta tendência. Durante o século XIX, numa altura em que as atribuições da Administração eram menores do que as atuais, Alexandre Herculano manifestou-se contra o centralismo do estado e em defesa do municipalismo. Serve este enquadramento histórico para demonstrar que o centralismo que se verifica na organização da Proteção Civil faz eco de uma tendência imbuída no tecido em que se formou a Administração Pública Portuguesa.
Entre as desvantagens associadas a uma Administração excessivamente centralizada encontram-se: a potencial hipertrofia do estado que decorre do gigantismo da Administração que degenera em ineficácia da ação administrativa, o esvaziamento da vida local autónoma e das liberdades locais e a excessiva dependência de todo o sistema administrativo do poder central.
A existência de um processo de desconcentração5 através da repartição de competências dentro da Proteção Civil não se mostra suficiente para combater as desvantagens da falta de descentralização.
É no seguimento das críticas da existência de uma Proteção Civil excessivamente centralizada que procuraremos analisar as alternativas enunciadas pelo Governo, sendo que todas elas remetem para um processo de descentralização.

4 Artigo nº 267 nº1:” A administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de
associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática”
5 Artigo nº 7º/1 : “A ANPC é dirigida por um presidente, coadjuvado por cinco diretores nacionais, cargos de direção superior de 1.º e 2.º graus, respetivamente.”.






b)             A definição do processo de descentralização e os vários tipos de administração:
A análise de qual o lugar a ocupar pela Proteção Civil na organização geral da administração pública exige uma breve observação do que se deve entender por Administração Pública. É igualmente imperioso clarificar a definição de descentralização e desconcentração.A definição do conceito de Direito Administrativo estar envolta numa divergência doutrinária. A noção de Administração Pública é, pelo contrário, um conceito mais claro que poderíamos definir como todo o que diz respeito a todo o que envolva necessidades coletivas cuja satisfação mediante serviços prestados organizados e mantidos pela própria coletividade é tida por fundamental.
Decorre do disposto no artigo 199.º, alínea d) da CRP6 que existem, pelo menos, três formas de Administração: a Administração Direta; a Administração Indireta e a Administração Autónoma.
Como ficou dito, a Administração Direta é constituída pelos órgãos e serviços da administração que prosseguem fins do Estado, estando inseridos na pessoa coletiva Estado e subdivide-se em administração central e administração local, também designada Administração Periférica, de forma a evitar confusões com a administração autónoma local ligada as autarquias. A administração central direta é constituída pelo Governo e pelos órgãos consultivos e os órgãos de controlo do Estado.

A Administração Indireta é constituída por entidades públicas que ainda que prosseguindo tarefas da administração e do Estado não se encontram integrados na pessoa coletiva Estado.
Por último, a Administração Autónoma diz respeito às entidades públicas que prossegue interesses próprios das pessoas que a constituem, dirigindo-se a si mesma e definindo as suas próprias competências e a sua sujeição ao governo. Esta forma de administração encontra-se submetida apenas aos poderes de tutela da administração.
Para além das modalidades de administração que é possível fazer decorrer do artigo 199.º, alínea d) da CRP é, ainda, possível autonomizar mais duas formas de administração: a Administração Independente e a Administração sobre formas privadas.
A Administração Independente é constituída por entidades que prosseguem fins do Estado sem estarem sujeitos aos poderes decorrentes das posições jurídicas ativas inerentes à existência de uma relação hierárquica entre superior e subalterno. A existência de uma Administração Indireta requereu uma readaptação do princípio da divisão de poderes de inspiração liberal assim como prometeu satisfazer a necessidade de uma maior segurança jurídica e de uma maior confiança dos cidadãos na Administração.

6 Artigo 199.º: “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas (…) d):Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer tutela sobre esta e sobre a administração autónoma“.





A Administração sob formas privadas consiste em entidades empresariais, mas não em empresas públicas. Estas entidades sob formas privadas são entidades mistas que juntam capitas públicos com capitais privados, capitais do Estado com capitais de outras instituições, gerindo assim a Administração de forma diferente. Importa ainda aclarar os conceitos de descentralização e de desconcentração:
A descentralização diz respeito a repartição de competências da função administrativas por outras entidades através da criação de novas pessoas coletivas diferentes do estado, enquanto a desconcentração diz respeito a repartição de competências dentro de uma pessoa coletiva da administração.



c)              Da hipótese de constituir a proteção civil como serviço personalizado:
O termo serviços personalizados foi durante muito tempo utilizado como sinónimo de Institutos Públicos na análise e catalogação dos elementos da Administração Indireta.
Com o aprofundamento da análise da matéria, os serviços personalizados foram reconhecidos como apenas mais uma componente do conceito mais abrangente de Institutos Públicos, cujo regime se encontra regulado na Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP) de 17 de janeiro de 2012.
Os Institutos Públicos, que nos termos do artigo 3º nº1 e nº 4 e do artigo 4 nº 1 da LQIP, são uma pessoa coletiva pública de direito público, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de caracter não empresarial, comuns ao Estado e a outras pessoas coletivas que prosseguem fins do Estado e da administração.
Existem três espécies de Institutos Públicos: os serviços personalizados; as fundações públicas e os estabelecimentos públicos. Neste ponto a nossa análise irá incidir sobre os serviços personalizados.
Nos termos do artigo 3º nº 1 e 2 da LQIP, os serviços personalizados podem ser definidos como serviços públicos de caracter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa ou administrativa e financeira.
É ponto assente na doutrina do Direito Administrativo, que a autonomia é mais uma  aparência do que uma realidade. Os serviços personalizados realizam tarefas que normalmente estariam atribuídas a uma Direção Geral mas que por razões de eficiência são atribuídas a uma entidade com autonomia administrativa e financeira. Não obstante a sua autonomia, os serviços personalizados continuam sujeitos aos poderes de direção dos seus superiores. Para além de serem utilizados para garantir uma maior eficiência os serviços personalizados são ainda utilizados como uma forma de promover a contenção de custos ao evitarem a criação de uma Direção Geral. Assim sendo, a transformação da Proteção Civil num serviço personalizado não se revela suficiente para solucionar os problemas de excessivo centralismo que detetamos na analise da organização atual da Proteção Civil.




d)             Da possibilidade de constituir a Proteção Civil como associação pública:
Tal como já tivemos oportunidade de referir, a posição que tomamos em relação à questão da organização da Proteção Civil, no contexto da Administração Pública, é a de que esta deve funcionar como associação de entidade pública e dentro desta categoria como comunidade intermunicipal. Será neste ponto que teremos oportunidade de apresentar as razões para a nossa escolha. Antes disso é, no entanto, necessário aclarar alguns conceitos.
A noção de associação encontra-se definida primordialmente nos artigos 157.º e 167.º do Código Civil.
No direito público, particularmente no Direito Administrativo, a noção de associação, neste caso de associação pública, pode ser definida como correspondendo a pessoas coletivas de natureza associativa, de fins específicos altruísticos e não lucrativos, que prosseguem atribuições nas quais coexistem interesses comuns com o estado-administração, prevalecendo aqueles sobre os outros.
As associações públicas são, por definição, pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim. São entidades com interesses e fins próprios. Orientam e gerem o seu destino, bens e pessoal bem como as suas finanças sem se encontrarem sujeitos a diretivas ou orientações exteriores. A elevada independência perante o Estado, permite uma maior flexibilidade para a prossecução dos seus fins.
O arquétipo das associações públicas encontra-se nos organismos cooperativos autónomos  em que se organizavam as profissões na Idade Média. Contudo, a sua consagração constitucional só se deu com a constituição de 1976 e só a partir da revisão constitucional de 1982 (atualmente encontram-se referencias as associações publicas no artigo 267.º números 2 e 4).
As associações públicas têm surgido como forma de assegurar a prossecução de determinados interesses coletivos, sendo-lhes, para tal, atribuídas um conjunto de poderes públicos. Qualquer associação pública tem um substrato pessoal e associativo, ou seja, consiste num agrupamento de sujeitos de direito organizado em torno de um fim que tanto pode ser constituído por indivíduos como por pessoas coletivas.
As associações públicas não são homogéneas, podendo ser divididas em três espécies: associações de entidades públicas, associações de entidades privadas e associações de caráter misto.
A nossa escolha recaiu sobre as primeiras. Trata-se de entidades que resultam da associação, união ou federação de entidades públicas menores. São ainda entidades que, recentemente, têm vindo a multiplicar-se acentuadamente. Dentro desta espécie, relevam as Áreas Metropolitanas, as Comunidades Intermunicipais e as Associações de Municípios e de Freguesias de fins específicos - (reguladas pelos artigos 63.º a 100.º da Lei 73/2013, de 12 de setembro.
 Cabe, então, analisar, sumariamente, cada uma destas antes de proceder à nossa escolha:
- Áreas metropolitanas são pessoas coletivas públicas de natureza associativa e âmbito territorial, que visam a prossecução de interesses públicos e que sejam comuns aos Municípios que as integram. A liberdade de associação dos Municípios estará, como expetável, condicionada pela localização geográfica.
- As Comunidades Intermunicipais são constituídas por contrato a ser outorgado pelo Presidente dos órgãos executivos dos Municípios envolvidos e celebrados em conformidade com a lei civil e destinam-se à prossecução de fins gerais. Os estatutos da associação, que consequentemente são instrumentos jurídicos de direito privado, têm o seu conteúdo mínimo definido por lei. No entanto, é estabelecido, sem dúvidas, na Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro que estas entidades destinam-se à prossecução de fins públicos.
Por fim, as associações de autarquias locais (Municípios e Freguesias) de fins específicos são também constituídos por contrato, que deve incluir os estatutos da nova entidade, nos termos da lei civil.

Tomamos posição a favor da opção de organizar a Proteção Civil como Comunidade Intermunicipal por esta nos parecer a melhor forma de combater a excessiva dependência em relação ao Estado e por permitir uma intervenção mais substancial das entidades e populações locais que  pela sua maior proximidade às regiões que se pretendem proteger poderão no, nosso entendimento, oferecer um contributo mais informado e consequentemente mais benéfico.
É com agrado que verificamos que a referência à importância das comunidades intermunicipais já acolhia apoio entre os membros do governo mesmo antes da redação deste parecer. Em novembro do corrente ano o Secretário de Estado das Florestas, Miguel João de Freitas, declarou nas jornadas promovidas pela Comunidade Intermunicipal do Alto Minho que pretendia trabalhar com as comunidades intermunicipais na construção do novo Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI)7. Trata-se de um reconhecimento da importância de descentralizar a administração nos aspetos relativos a proteção civil.
As competências da Proteção Civil seriam transferidas para as várias Comunidades Intermunicipais existentes. Cada uma exerceria as competências que lhe seriam delegadas na sua respetiva área geográfica.







Sucede que, as Comunidades Intermunicipais só podem ter competência circunscrita a determinado território. É isto que explica a existência de uma variedade de comunidades intermunicipais em várias zonas geográficas. A existência de uma competência territorial excessivamente circunscrita a uma determinada zona do território poderia colocar em risco as finalidades da Proteção Civil. Propomo-nos a resolver esta deficiência recomendando que a criação das várias comunidades intermunicipais, com funções equivalentes às da atual proteção civil, seja feita em paralelo com a criação de uma nova entidade reguladora que funcionaria com o objetivo de regular a comunicação entre as várias comunidades intermunicipais, de forma a corrigir as dificuldades que poderiam advir da existência de uma competência territorial excessivamente restrita.
A formação das comunidades intermunicipais em que passariam a estar organizadas a proteção civil teria de ser outorgadas pelos presidentes dos órgãos executivos dos municípios envolvidos e celebrados de acordo com a lei civil.



e)              Da possibilidade de constituir a proteção civil como entidade reguladora:
A última hipótese que foi apresentada pelo Governo prende-se com a possibilidade de constituir a proteção civil como uma entidade reguladora. Nestas circunstâncias a Proteção Civil passaria a ser parte da administração independente.
As entidades reguladoras surgiram nos anos 70, ligadas à atividade infraestadual, na garantia do funcionamento da vida económico-social. Com a abertura ao mercado concorrencial de atividades económicas tradicionalmente desenvolvidas por empresas públicas ou por empresas concessionárias, em regime de monopólio, a necessidade de garantir uma concorrência saudável e de proteger os consumidores levou à criação de entidades reguladoras. Estas entidades foram criadas de raiz ou a partir da conversão de institutos públicos. Estas entidades não visam a proteção de direitos e liberdades dos cidadãos, mas, antes, o desempenho de atividades de regulação das diversas atividades económicas desenvolvidas por setor público, privado e cooperativo.
A existência das entidades reguladoras choca com aquilo que é a conceção tradicional da divisão de poderes feita pelos sistemas administrativos de inspiração francesa.
Por um lado, os regulamentos das entidades reguladoras, muito embora não sejam materialmente leis, ao funcionarem como normas gerais e abstratas que vinculam as entidades que exercem a atividade regulada pela entidade reguladora no plano prático acabam por funcionar como


algo semelhante a uma lei ainda que as entidades reguladoras não disponham de competência legislativa.
Por outro lado, a possibilidade de as entidades reguladoras atribuírem sanções pecuniárias e suspender pessoas coletivas e particulares do exercício é vista como uma substituição em relação aos Tribunais feita em favor das entidades reguladoras e ainda que estas não tenham competência jurisdicional.
O regime das entidades reguladoras consta atualmente da Lei nº 67/2013, de 28 de Agosto. Embora corresponda a uma das figuras mais modernas que se oferece à doutrina do Direito
Administrativo e à organização administrativa e, ainda, que as consideremos como uma peça indispensável para a solução que propomos neste parecer, não nos parece que a hipótese de constituir a Proteção Civil como entidade reguladora seja a mais correta. O excessivo centralismo foi o principal problema que detetamos na forma como está regulada a atual proteção civil. Retirar a proteção civil do estado para a reconverter numa entidade reguladora manteria o centralismo sem permitir uma participação das populações e entidades locais que esteja para lá da permitida pela simples desconcentração. 


4.2.       A questão do corpo de bombeiros
a)              Definição de corpo de bombeiros e catalogação dos vários tipos de corpos de bombeiros:
Tal como sucede com a Proteção Civil, os corpos de bombeiros têm como elemento intrínseco a personalidade jurídica, que neste caso não é atribuída por ato legislativo através do DL n.º 247/2007, de 27 de Junho, mas por um ato não legislativo baseado em lei. É isto que decorre do artigo 4º, nº1. A atribuição de personalidade jurídica por um ato não legislativo baseado e fundamento em lei é menos frequente, mas ainda assim é reconhecida pela doutrina como possível.
Nos termos do artigo 2.º, alínea c) deste mesmo decreto-lei, corpo de bombeiros é a unidade operacional, oficialmente homologada e tecnicamente organizada, preparada e equipada para o cabal exercício das missões atribuídas pelo presente decreto-lei e demais legislação aplicável.
A missão, isto é, as finalidades dos corpos de bombeiros, encontram-se delineadas no artigo 3.º do decreto-lei.
O artigo 7.º do decreto-lei postula a existência de quatro tipos de corpos de bombeiros: corpos de bombeiros profissionais; corpos de bombeiros mistos; corpos de bombeiros voluntários; corpos privativos de bombeiros.
A questão que nos foi colocada pelo governo foi a de saber qual destas formas de organização é preferível.


b)             Da possibilidade de privados exercerem tarefas públicas:
Duas das hipóteses levantadas para uma possível organização futura dos bombeiros envolvem a utilização de corpos de bombeiros privados. A este propósito parece-nos proveitoso ponderar em que circunstâncias podem os privados exercer tarefas públicas.
A separação entre uma esfera pertencente ao Estado e uma esfera privada de autogoverno e autogovernarão dos cidadãos foi durante muito tempo um dos elementos essenciais da ordenação jurídica.
Com o desenvolvimento da democracia representativa e com o consequente aprofundamento da participação dos cidadãos na Administração assistiu-se a uma desmaterialização da distinção entre tarefas públicas e tarefas privadas. A transição do tipo histórico de Estado de Direito Liberal para o tipo histórico de estado social e democrático ao permitir uma socialização do espaço de autonomia privada e uma modificação da conceção de divisão de poderes e dos direitos fundamentais contribui- o para esta mudança.


c)              Características dos corpos de bombeiros voluntários:
Nos termos do artigo 7.º nº 4 do DL n.º 247/2007, de 27 de Junho, os corpos voluntários de bombeiros tem as seguintes características:
Pertencem a uma associação humanitária de bombeiros; são constituídos por bombeiros em regime de voluntariado; podem dispor de uma unidade profissional mínima a definir por regulamento da ANPC uma vez ouvido o Conselho Nacional de Bombeiros.
Os inconvenientes que vemos na constituição dos corpos de bombeiros como corpo de voluntários estão relacionados com a preocupação de que esta forma de organização pudesse degenerar numa falta de operacionalidade decorrente da inexperiência dos bombeiros voluntários.

d)             Características dos corpos de bombeiros profissionais (públicos ou privados):
Nos termos do artigo 7.º, nº 2 o corpo de bombeiros profissionais tem os seguintes traços definidores: São criados, detidos e mantidos na dependência direta de uma Câmara Municipal; são exclusivamente integrados por elementos profissionais; detêm uma estrutura que pode compreender  a existência de regimentos, batalhões, companhias ou secções, ou pelo menos, de uma destas unidades estruturais e são designados bombeiros sapadores.
A dependência direta em relação as Câmaras Municipais poderia ser uma forma de promover a deseja descentralização, no entanto, parece-nos que a participação efetiva das populações locais, que também é um dos objetivos pelos quais é feita a descentralização, só será possível permitindo a participação de corpos de bombeiros voluntários.



e)              Características de um sistema misto de bombeiros:
Os corpos de bombeiros mistos, nos termos do artigo 7º nº3 do DL n.º 247/2007, de 27 de Junho, apresentam as seguintes características: São dependentes de uma Câmara Municipal ou de uma associação humanitária de bombeiros; são constituídos por bombeiros profissionais e por bombeiros voluntários, sujeitos aos respetivos regimes jurídicos; estão organizados, de acordo com o modelo próprio, definido pela respetiva Câmara Municipal ou pela associação humanitária de bombeiros, nos termos de regulamento aprovado pela ANPC, ouvido o Conselho Nacional de Bombeiros.
A opção pelos corpos de bombeiros mistos permite colocar os corpos de bombeiros dependentes de uma Câmara Municipal ao mesmo tempo que estimula a participação das populações locais através de corpos de voluntários.
A escolha pelo corpo de bombeiros misto, deve-se maioritariamente às vantagens e desvantagens apresentadas, relativamente aos corpos de bombeiros privativos e voluntários constantes no decreto-lei 247/2007, sendo estas: os bombeiros voluntários são limitados pela falta de formação adequada e especializada, enquanto os profissionais são limitados por número (capacidade) devido à exigente instrução, segundo o modelo adequado às suas missões e objetivos.

A vantagem do elevado número de bombeiros voluntários, devido ao espírito de assistência e voluntariado, em conjunto com a elevada formação dos bombeiros profissionais, pareceu-nos ser a junção mais vantajosa e a que mais atenua as desvantagens de cada elemento.


4.3.     As questões de legislação:
A atual Proteção Civil, sendo uma entidade com a personalidade jurídica atribuída por ato legislativo também só pode ver esta personalidade ser extinta igualmente por ato legislativo.
Neste ponto existe uma questão complexa, relativa à possível reserva da Administração e à impossibilidade de um ato legislativo vincular os Municípios a adotar determinado comportamento. Por outro lado, a atual proteção civil não pode ser extinta sem que existam garantias de que esta é
substituída por uma nova entidade com um lugar diferente na orgânica geral da Administração. Para solucionar este problema propomos que o mesmo órgão com competência legislativa para extinguir a Proteção Civil celebre algum tipo de protocolo com os Municípios antes de proceder à aprovação do ato legislativo. Através deste protocolo os Municípios deixar-se-iam vincular a obrigação de incorporar as antigas funções da proteção civil nas suas comunidades intermunicipais.
Falta apenas saber qual o órgão com competência para aprovar o ato legislativo de extinção da Proteção Civil. Parece-nos que esta matéria recai na competência legislativa genérica do Governo pelo que a extinção poderia ser feita por decreto-lei.
No nosso entender este decreto-lei poderia conter um número reduzido de artigos, a saber.
Por último, as questões legislativas relativas à solução proposta exigem ainda a criação de um estatuto para a nova entidade reguladora que cuidaria da comunicação entre as comunidades intermunicipais no exercício das funções da nova proteção civil. Tendo em conta, que o último grande incêndio se registou na zona de Pedrógão Grande (distrito de Leiria) o exemplo de estatuto que vamos apresentar seria para uma Comunidade Intermunicipal para essa zona geográfica, que consta nos Anexos.

5.  Conclusão:
No decurso da análise que tecemos sobre o atual papel da Proteção Civil na Administração Pública, identificamos a repetição dos erros decorrentes da tendência secular da Administração portuguesa para o centralismo e para a criação de grandes entidades incorporadas no estado e com funções em relação a todo o território nacional. Os problemas decorrentes de um excessivo centralismo já foram identificados de forma extensiva pela doutrina do direito administrativo e os seus efeitos negativos são visíveis nas falhas da prática administrativa. A importância da descentralização acolhe apoio no texto constitucional. Por outro lado, num contexto em que o aparelho da administração se desdobra em formações cada vez mais modernas e criativas, como seja a administração independente com as entidades reguladoras ou a própria administração sob formas privadas, a solução apresentada parece-nos ser a única forma de olhar para administração de uma forma atualizada.
O propósito de descentralizar a administração é fortalecido pela opção por uma organização dos bombeiros como um corpo misto entre voluntários e profissionais simultaneamente público e privado. Esta modalidade permite colocar os corpos de bombeiros sob a dependência dos municípios ao mesmo tempo que estimula a participação das populações.
É esta a solução que propomos a vossas excelências.




Andreia Dias nº 56973
Bernardo Freitas nº 56732
Famata Sanhá nº 26306
Joana Mil-Homens nº 26157
Joana Ochsemberg nº 26158
Olena Verush nº 57089

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