Simulação - Grupo 4.
Parecer Jurídico
1.
Endereçamento
Ao Governo da República Portuguesa
2.
Ementa
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO
DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, ADMINISTRAÇÃO AUTONOMA, SERVIÇOS PERSONALIZADOS,
ENTIDADES AUTONOMAS, ASSOCIAÇÕES DE ENTIDADES PUBLICAS, CORPOS DE BOMBEIROS
3.
Relatório
Na sequência das insuficiências
evidenciadas na última época de incêndios, o Governo da República Portuguesa
procurou o nosso aconselhamento jurídico sobre a melhor forma de reorganizar a
Proteção Civil e o Corpo de Bombeiros.
A primeira questão que nos foi
colocada está relacionada com o lugar que a Proteção Civil deverá ocupar na
orgânica geral da administração pública. Das três hipóteses que nos foram
apresentadas é da nossa opinião que a melhor solução seria a de constituir a
proteção civil como uma associação de entidade pública, mais concretamente como
Comunidade Intermunicipal. Trataremos de defender esta opção e de assinalar as
razões pelas quais discordamos das restantes hipóteses levantadas.
A segunda questão está
relacionada com a organização que deve ser dada aos corpos de bombeiros. Neste
ponto a nossa posição é a de que deve existir um sistema misto com a combinação
de bombeiros voluntários e profissionais privados e públicos.
4.
Fundamentação
4.1.
Recorte
constitucional da questão
As questões levantadas pelo governo têm,
antes de mais, uma ligação com o que se encontra exarado na Constituição da
República Portuguesa.
O ordenamento jurídico interno estabelece, na Constituição da República
Portuguesa: Artigo 24º nº 1 - A vida humana é inviolável;
Artigo 25 nº 1 - A integridade moral e física das pessoas é inviolável;
Artigo 27º nº1 - Todos tem direito à liberdade e à segurança;
-
Artigo 61º nº 1 - A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos
quadros definidos pela constituição e pela lei e tendo em conta o interesse
geral;
Artigo 182º - O governo é o órgão de condução política geral do país e o
órgão superior da administração pública.
Dos artigos supracitados
conclui-se que é obrigação do governo procurar soluções para as falhas da
administração na proteção do direito à vida e à integridade física bem como, na
proteção do direito à propriedade e à iniciativa económica.
Passamos agora a analisar o papel
atual da proteção civil na administração pública portuguesa bem como as várias
hipóteses para a organização da proteção civil.
a)
O atual
papel da proteção civil na orgânica geral da
Administração:
A Proteção Civil, tal como as restantes
entidades públicas, possui como elemento intrínseco a personalidade jurídica.
Esta é atribuída por lei, no momento da criação da entidade pública.
Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei
n.º 73/2013 de 31 de Maio1, a Proteção Civil é
presentemente um serviço central da Administração Direta do Estado dotada de
autonomia administrativa e financeira. Os fins prosseguidos pela Proteção Civil
são os consignados no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 73/2013 de 31 de Maio2.
Por Administração Central entende-se o
setor da Administração cuja competência é extensível a todo o território
nacional. Por sua vez, a Administração Central é juntamente com a Administração
Local uma das componentes da Administração Direta constituída pelos órgãos e
serviços da Administração Pública integrados na pessoa coletiva Estado. Quer
isto dizer que a Proteção Civil é, no seu modelo atual, um serviço integrado no
Estado com competência sobre todo o território nacional. A extensão da competência
da Proteção Civil a todo o território nacional encontra-se igualmente
consagrado no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 73/20133.
Enquanto componente da Administração
Central, e diretamente depende do Estado- Administração, a Proteção Civil
encontra-se submetida ao poder de direção dos seus superiores ao qual
corresponde, da sua parte, um dever de obediência.
1 Artigo 1.º Natureza: “A Autoridade Nacional de
Proteção Civil, abreviadamente designada por ANPC, é um serviço central, da
administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira
e património próprio”.
2 Artigo 2º/1: “A ANPC tem por missão planear,
coordenar e executar a política de proteção civil, designadamente na prevenção
e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações
e de superintendência da atividade dos bombeiros, bem como assegurar o
planeamento e coordenação das necessidades nacionais na área do planeamento
civil de emergência com vista a fazer face a situações de crise ou de guerra (…)”
3 Artigo 3.º Âmbito territorial: “As atribuições da ANPC são prosseguidas em
todo o território nacional, sem prejuízo das competências próprias dos órgãos
relevantes das regiões autónomas e das autarquias locais”.
As desvantagens em manter a estrutura
atual da Proteção Civil são as mesmas desvantagens associadas à falta de
descentralização da Administração. O artigo 267.º, n.º1 da CRP4 obriga a que a Administração seja estruturada de forma a evitar a
burocratização e a aproximar os serviços das populações, assegurando a
participação dos interessados na sua gestão efetiva.
A Administração Pública portuguesa
sempre teve uma tendência para a centralização. Logo a partir da crise de
1383-1385, reforçou-se o processo de concentração do poder real, com base no
apoio de uma burguesia urbana e letrada ascendente. Este processo ficou
facilitado pelo enfraquecimento dos anteriores laços feudais e culminou, no
século XV, com o surgimento do primeiro Estado moderno denominado, Estado Estamental.
A transição para o Estado Liberal não alterou esta tendência. Durante o século
XIX, numa altura em que as atribuições da Administração eram menores do que as
atuais, Alexandre Herculano manifestou-se contra o centralismo do estado e em
defesa do municipalismo. Serve este enquadramento histórico para demonstrar que
o centralismo que se verifica na organização da Proteção Civil faz eco de uma
tendência imbuída no tecido em que se formou a Administração Pública
Portuguesa.
Entre as desvantagens associadas a uma
Administração excessivamente centralizada encontram-se: a potencial hipertrofia
do estado que decorre do gigantismo da Administração que degenera em ineficácia
da ação administrativa, o esvaziamento da vida local autónoma e das liberdades
locais e a excessiva dependência de todo o sistema administrativo do poder
central.
A existência de um processo de
desconcentração5 através da repartição de competências
dentro da Proteção Civil não se mostra suficiente para combater as desvantagens
da falta de descentralização.
É no seguimento das críticas da
existência de uma Proteção Civil excessivamente centralizada que procuraremos
analisar as alternativas enunciadas pelo Governo, sendo que todas elas remetem
para um processo de descentralização.
4 Artigo nº 267 nº1:” A administração Pública será
estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das
populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva,
designadamente por intermédio de
associações públicas, organizações de moradores e outras formas de
representação democrática”
5 Artigo nº 7º/1 : “A ANPC é dirigida por um presidente, coadjuvado por cinco
diretores nacionais, cargos de direção superior de 1.º e 2.º graus,
respetivamente.”.
b) A definição do processo de descentralização e os vários tipos de administração:
A análise de qual o lugar a ocupar pela Proteção Civil na organização geral da administração pública exige uma breve observação do que se deve entender por Administração Pública. É igualmente imperioso clarificar a definição de descentralização e desconcentração.A definição do conceito de Direito
Administrativo estar envolta numa divergência doutrinária. A noção de
Administração Pública é, pelo contrário, um conceito mais claro que poderíamos
definir como todo o que diz respeito a todo o que envolva necessidades
coletivas cuja satisfação mediante serviços prestados organizados e mantidos
pela própria coletividade é tida por fundamental.
Decorre do disposto no artigo 199.º, alínea
d) da CRP6 que existem, pelo menos, três formas de
Administração: a Administração Direta; a Administração Indireta e a
Administração Autónoma.
Como ficou dito, a Administração Direta
é constituída pelos órgãos e serviços da administração que prosseguem fins do
Estado, estando inseridos na pessoa coletiva Estado e subdivide-se em
administração central e administração local, também designada Administração
Periférica, de forma a evitar confusões com a administração autónoma local
ligada as autarquias. A administração central direta é constituída pelo Governo
e pelos órgãos consultivos e os órgãos de controlo do Estado.
A Administração Indireta é constituída
por entidades públicas que ainda que prosseguindo tarefas da administração e do
Estado não se encontram integrados na pessoa coletiva Estado.
Por último, a Administração Autónoma diz
respeito às entidades públicas que prossegue interesses próprios das pessoas
que a constituem, dirigindo-se a si mesma e definindo as suas próprias
competências e a sua sujeição ao governo. Esta forma de administração
encontra-se submetida apenas aos poderes de tutela da administração.
Para além das modalidades de
administração que é possível fazer decorrer do artigo 199.º, alínea d) da CRP
é, ainda, possível autonomizar mais duas formas de administração: a
Administração Independente e a Administração sobre formas privadas.
A Administração Independente é
constituída por entidades que prosseguem fins do Estado sem estarem sujeitos
aos poderes decorrentes das posições jurídicas ativas inerentes à existência de
uma relação hierárquica entre superior e subalterno. A existência de uma
Administração Indireta requereu uma readaptação do princípio da divisão de
poderes de inspiração liberal assim como prometeu satisfazer a necessidade de
uma maior segurança jurídica e de uma maior confiança dos cidadãos na
Administração.
6 Artigo 199.º: “Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas (…) d):Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer tutela sobre esta e sobre a administração autónoma“.
A Administração sob formas privadas
consiste em entidades empresariais, mas não em empresas públicas. Estas
entidades sob formas privadas são entidades mistas que juntam capitas públicos
com capitais privados, capitais do Estado com capitais de outras instituições,
gerindo assim a Administração de forma diferente. Importa ainda aclarar os
conceitos de descentralização e de desconcentração:
A descentralização diz respeito a
repartição de competências da função administrativas por outras entidades
através da criação de novas pessoas coletivas diferentes do estado, enquanto a
desconcentração diz respeito a repartição de competências dentro de uma pessoa
coletiva da administração.
c)
Da
hipótese de constituir a proteção civil como serviço personalizado:
O termo serviços personalizados foi durante muito tempo utilizado como
sinónimo de Institutos Públicos na análise e catalogação dos elementos da
Administração Indireta.
Com o aprofundamento da análise da
matéria, os serviços personalizados foram reconhecidos como apenas mais uma
componente do conceito mais abrangente de Institutos Públicos, cujo regime se
encontra regulado na Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP) de 17 de janeiro
de 2012.
Os Institutos Públicos, que nos termos
do artigo 3º nº1 e nº 4 e do artigo 4 nº 1 da LQIP, são uma pessoa coletiva
pública de direito público, criada para assegurar o desempenho de determinadas
funções administrativas de caracter não empresarial, comuns ao Estado e a
outras pessoas coletivas que prosseguem fins do Estado e da administração.
Existem três espécies de Institutos
Públicos: os serviços personalizados; as fundações públicas e os
estabelecimentos públicos. Neste ponto a nossa análise irá incidir sobre os
serviços personalizados.
Nos termos do artigo 3º nº 1 e 2 da
LQIP, os serviços personalizados podem ser definidos como serviços públicos de
caracter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia
administrativa ou administrativa e financeira.
É ponto assente na doutrina do Direito
Administrativo, que a autonomia é mais uma
aparência do que uma realidade. Os serviços personalizados realizam
tarefas que normalmente estariam atribuídas a uma Direção Geral mas que por razões
de eficiência são atribuídas a uma entidade com autonomia administrativa e
financeira. Não obstante a sua autonomia, os serviços personalizados continuam
sujeitos aos poderes de direção dos seus superiores. Para além de serem
utilizados para garantir uma maior eficiência os serviços personalizados são
ainda utilizados como uma forma de promover a contenção de custos ao evitarem a
criação de uma Direção Geral. Assim sendo, a transformação da Proteção Civil
num serviço personalizado não se revela suficiente para solucionar os problemas
de excessivo centralismo que detetamos na analise da organização atual da
Proteção Civil.
d)
Da
possibilidade de constituir a Proteção Civil como associação pública:
Tal como já tivemos oportunidade de referir,
a posição que tomamos em relação à questão da organização da Proteção Civil, no
contexto da Administração Pública, é a de que esta deve funcionar como
associação de entidade pública e dentro desta categoria como comunidade
intermunicipal. Será neste ponto que teremos oportunidade de apresentar as
razões para a nossa escolha. Antes disso é, no entanto, necessário aclarar
alguns conceitos.
A noção de associação encontra-se
definida primordialmente nos artigos 157.º e 167.º do Código Civil.
No direito público, particularmente no
Direito Administrativo, a noção de associação, neste caso de associação
pública, pode ser definida como correspondendo a pessoas coletivas de natureza
associativa, de fins específicos altruísticos e não lucrativos, que prosseguem
atribuições nas quais coexistem interesses comuns com o estado-administração,
prevalecendo aqueles sobre os outros.
As associações públicas são, por
definição, pessoas coletivas públicas, de tipo associativo, destinadas a
assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos
pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim. São entidades
com interesses e fins próprios. Orientam e gerem o seu destino, bens e pessoal
bem como as suas finanças sem se encontrarem sujeitos a diretivas ou
orientações exteriores. A elevada independência perante o Estado, permite uma
maior flexibilidade para a prossecução dos seus fins.
O arquétipo das associações públicas
encontra-se nos organismos cooperativos autónomos em que se organizavam as profissões na Idade
Média. Contudo, a sua consagração constitucional só se deu com a constituição
de 1976 e só a partir da revisão constitucional de 1982 (atualmente
encontram-se referencias as associações publicas no artigo 267.º números 2 e 4).
As associações públicas têm surgido como
forma de assegurar a prossecução de determinados interesses coletivos,
sendo-lhes, para tal, atribuídas um conjunto de poderes públicos. Qualquer
associação pública tem um substrato pessoal e associativo, ou seja, consiste
num agrupamento de sujeitos de direito organizado em torno de um fim que tanto
pode ser constituído por indivíduos
como por pessoas coletivas.
As associações públicas não são
homogéneas, podendo ser divididas em três espécies: associações de entidades públicas,
associações de entidades privadas e associações de caráter misto.
A nossa escolha recaiu sobre as
primeiras. Trata-se de entidades que resultam da associação, união ou federação
de entidades públicas menores. São ainda entidades que, recentemente, têm vindo
a multiplicar-se acentuadamente. Dentro desta espécie, relevam as Áreas
Metropolitanas, as Comunidades Intermunicipais e as Associações de Municípios e
de Freguesias de fins específicos - (reguladas pelos artigos 63.º a 100.º da Lei 73/2013, de 12 de setembro.
Cabe, então, analisar, sumariamente, cada uma destas antes de proceder à nossa
escolha:
- Áreas metropolitanas são pessoas
coletivas públicas de natureza associativa e âmbito territorial, que visam a
prossecução de interesses públicos e que sejam comuns aos Municípios que as
integram. A liberdade de associação dos Municípios estará, como expetável,
condicionada pela localização geográfica.
- As Comunidades Intermunicipais são
constituídas por contrato a ser outorgado pelo Presidente dos órgãos executivos
dos Municípios envolvidos e celebrados em conformidade com a lei civil e
destinam-se à prossecução de fins gerais. Os estatutos da associação, que
consequentemente são instrumentos jurídicos de direito privado, têm o seu
conteúdo mínimo definido por lei. No entanto, é estabelecido, sem dúvidas, na
Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro que estas entidades destinam-se à prossecução
de fins públicos.
Por fim, as associações de autarquias
locais (Municípios e Freguesias) de fins específicos são também constituídos
por contrato, que deve incluir os estatutos da nova entidade, nos termos da lei
civil.
Tomamos posição a favor da opção de
organizar a Proteção Civil como Comunidade Intermunicipal por esta nos parecer
a melhor forma de combater a excessiva dependência em relação ao Estado e por
permitir uma intervenção mais substancial das entidades e populações locais
que pela sua maior proximidade às
regiões que se pretendem proteger poderão no, nosso entendimento, oferecer um
contributo mais informado e consequentemente mais benéfico.
É com agrado que verificamos que a
referência à importância das comunidades intermunicipais já acolhia apoio entre
os membros do governo mesmo antes da redação deste parecer. Em novembro do
corrente ano o Secretário de Estado das Florestas, Miguel João de Freitas,
declarou nas jornadas promovidas pela Comunidade Intermunicipal do Alto Minho
que pretendia trabalhar com as comunidades intermunicipais na construção do
novo Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI)7. Trata-se de um reconhecimento da importância de descentralizar a
administração nos aspetos relativos a proteção
civil.
As competências da Proteção Civil seriam
transferidas para as várias Comunidades Intermunicipais existentes. Cada uma
exerceria as competências que lhe seriam delegadas na sua respetiva área
geográfica.
Sucede que, as Comunidades
Intermunicipais só podem ter competência circunscrita a determinado território.
É isto que explica a existência de uma variedade de comunidades intermunicipais
em várias zonas geográficas. A existência de uma competência territorial
excessivamente circunscrita a uma determinada zona do território poderia
colocar em risco as finalidades da Proteção Civil. Propomo-nos a resolver esta
deficiência recomendando que a criação das várias comunidades intermunicipais,
com funções equivalentes às da atual proteção civil, seja feita em paralelo com
a criação de uma nova entidade reguladora que funcionaria com o objetivo de regular
a comunicação entre as várias comunidades intermunicipais, de forma a corrigir
as dificuldades que poderiam advir da existência de uma competência territorial
excessivamente restrita.
A formação das comunidades
intermunicipais em que passariam a estar organizadas a proteção civil teria de
ser outorgadas pelos presidentes dos órgãos executivos dos municípios
envolvidos e celebrados de acordo com a lei civil.
e)
Da
possibilidade de constituir a proteção civil como entidade reguladora:
A última hipótese que foi apresentada
pelo Governo prende-se com a possibilidade de constituir a proteção civil como
uma entidade reguladora. Nestas circunstâncias a Proteção Civil passaria a ser
parte da administração independente.
As entidades reguladoras surgiram nos
anos 70, ligadas à atividade infraestadual, na garantia do funcionamento da
vida económico-social. Com a abertura ao mercado concorrencial de atividades
económicas tradicionalmente desenvolvidas por empresas públicas ou por empresas
concessionárias, em regime de monopólio, a necessidade de garantir uma
concorrência saudável e de proteger os consumidores levou à criação de
entidades reguladoras. Estas entidades foram criadas de raiz ou a partir da
conversão de institutos públicos. Estas entidades não visam a proteção de
direitos e liberdades dos cidadãos, mas, antes, o desempenho de atividades de
regulação das diversas atividades económicas desenvolvidas por setor público,
privado e cooperativo.
A existência das entidades reguladoras
choca com aquilo que é a conceção tradicional da divisão de poderes feita pelos
sistemas administrativos de inspiração francesa.
Por um lado, os regulamentos das
entidades reguladoras, muito embora não sejam materialmente leis, ao
funcionarem como normas gerais e abstratas que vinculam as entidades que
exercem a atividade regulada pela entidade reguladora no plano prático acabam
por funcionar como
algo semelhante a uma lei ainda que as entidades
reguladoras não disponham de competência legislativa.
Por outro lado, a possibilidade de as
entidades reguladoras atribuírem sanções pecuniárias e suspender pessoas
coletivas e particulares do exercício é vista como uma substituição em relação
aos Tribunais feita em favor das entidades reguladoras e ainda que estas não
tenham competência jurisdicional.
O regime das entidades reguladoras consta atualmente da Lei nº 67/2013, de
28 de Agosto. Embora corresponda a uma das figuras mais modernas que se oferece
à doutrina do Direito
Administrativo e à organização administrativa e, ainda,
que as consideremos como uma peça indispensável para a solução que propomos
neste parecer, não nos parece que a hipótese de constituir a Proteção Civil
como entidade reguladora seja a mais correta. O excessivo centralismo foi o
principal problema que detetamos na forma como está regulada a atual proteção
civil. Retirar a proteção civil do estado para a reconverter numa entidade
reguladora manteria o centralismo sem permitir uma participação das populações
e entidades locais que esteja para lá da permitida pela simples
desconcentração.
4.2.
A
questão do corpo de bombeiros
a)
Definição de corpo de bombeiros e catalogação dos vários tipos de corpos de
bombeiros:
Tal como sucede com a Proteção Civil, os
corpos de bombeiros têm como elemento intrínseco a personalidade jurídica, que
neste caso não é atribuída por ato legislativo através do DL n.º 247/2007, de
27 de Junho, mas por um ato não legislativo baseado em lei. É isto que decorre
do artigo 4º, nº1. A atribuição de personalidade jurídica por um ato não
legislativo baseado e fundamento em lei é menos frequente, mas ainda assim é
reconhecida pela doutrina como possível.
Nos termos do artigo 2.º, alínea c)
deste mesmo decreto-lei, corpo de bombeiros é a unidade operacional,
oficialmente homologada e tecnicamente organizada, preparada e equipada para o
cabal exercício das missões atribuídas pelo presente decreto-lei e demais
legislação aplicável.
A missão, isto é, as finalidades dos
corpos de bombeiros, encontram-se delineadas no artigo 3.º do decreto-lei.
O artigo 7.º do decreto-lei postula a
existência de quatro tipos de corpos de bombeiros: corpos de bombeiros
profissionais; corpos de bombeiros mistos; corpos de bombeiros voluntários;
corpos privativos de bombeiros.
A questão que nos foi colocada pelo
governo foi a de saber qual destas formas de organização é preferível.
b)
Da
possibilidade de privados exercerem tarefas públicas:
Duas das hipóteses levantadas para uma
possível organização futura dos bombeiros envolvem a utilização de corpos de
bombeiros privados. A este propósito parece-nos proveitoso ponderar em que
circunstâncias podem os privados exercer tarefas públicas.
A separação entre uma esfera pertencente
ao Estado e uma esfera privada de autogoverno e autogovernarão dos cidadãos foi
durante muito tempo um dos elementos essenciais da ordenação jurídica.
Com o desenvolvimento da democracia
representativa e com o consequente aprofundamento da participação dos cidadãos
na Administração assistiu-se a uma desmaterialização da distinção entre tarefas
públicas e tarefas privadas. A transição do tipo histórico de Estado de Direito
Liberal para o tipo histórico de estado social e democrático ao permitir uma
socialização do espaço de autonomia privada e uma modificação da conceção de
divisão de poderes e dos direitos fundamentais contribui- o para esta mudança.
c)
Características
dos corpos de bombeiros voluntários:
Nos termos do artigo 7.º nº 4 do DL n.º
247/2007, de 27 de Junho, os corpos voluntários de bombeiros tem as seguintes
características:
Pertencem a uma associação humanitária
de bombeiros; são constituídos por bombeiros em regime de voluntariado; podem
dispor de uma unidade profissional mínima a definir por regulamento da ANPC uma
vez ouvido o Conselho Nacional de Bombeiros.
Os inconvenientes que vemos na
constituição dos corpos de bombeiros como corpo de voluntários estão
relacionados com a preocupação de que esta forma de organização pudesse
degenerar numa falta de operacionalidade decorrente da inexperiência dos
bombeiros voluntários.
d)
Características
dos corpos de bombeiros profissionais (públicos ou privados):
Nos termos do artigo 7.º, nº 2 o corpo
de bombeiros profissionais tem os seguintes traços definidores: São criados,
detidos e mantidos na dependência direta de uma Câmara Municipal; são
exclusivamente integrados por elementos profissionais; detêm uma estrutura que
pode compreender a existência de
regimentos, batalhões, companhias ou secções, ou pelo menos, de uma destas
unidades estruturais e são designados bombeiros sapadores.
A dependência direta em relação as
Câmaras Municipais poderia ser uma forma de promover a deseja descentralização,
no entanto, parece-nos que a participação efetiva das populações locais, que
também é um dos objetivos pelos quais é feita a descentralização, só será
possível permitindo a participação de corpos de bombeiros voluntários.
e)
Características
de um sistema misto de bombeiros:
Os corpos de bombeiros mistos, nos
termos do artigo 7º nº3 do DL n.º 247/2007, de 27 de Junho, apresentam as
seguintes características: São dependentes de uma Câmara Municipal ou de uma
associação humanitária de bombeiros; são constituídos por bombeiros
profissionais e por bombeiros voluntários, sujeitos aos respetivos regimes
jurídicos; estão organizados, de acordo com o modelo próprio, definido pela
respetiva Câmara Municipal ou pela associação humanitária de bombeiros, nos
termos de regulamento aprovado pela ANPC, ouvido o Conselho Nacional de
Bombeiros.
A opção pelos corpos de bombeiros mistos permite colocar
os corpos de bombeiros dependentes de uma Câmara Municipal ao mesmo tempo que
estimula a participação das populações locais através de corpos de voluntários.
A escolha pelo corpo de bombeiros misto,
deve-se maioritariamente às vantagens e desvantagens apresentadas,
relativamente aos corpos de bombeiros privativos e voluntários constantes no
decreto-lei 247/2007, sendo estas: os bombeiros voluntários são
limitados pela falta de formação adequada e especializada, enquanto os profissionais
são limitados por número (capacidade) devido à exigente instrução, segundo o
modelo adequado às suas missões e objetivos.
A vantagem do elevado número de bombeiros voluntários, devido ao espírito
de assistência e voluntariado, em conjunto com a elevada formação dos bombeiros
profissionais, pareceu-nos ser a junção mais vantajosa e a que mais atenua as
desvantagens de cada elemento.
4.3.
As questões de legislação:
A atual Proteção Civil, sendo uma
entidade com a personalidade jurídica atribuída por ato legislativo também só
pode ver esta personalidade ser extinta igualmente por ato legislativo.
Neste ponto existe uma questão complexa,
relativa à possível reserva da Administração e à impossibilidade de um ato
legislativo vincular os Municípios a adotar determinado comportamento. Por
outro lado, a atual proteção civil não pode ser extinta sem que existam
garantias de que esta é
substituída por uma nova entidade com um lugar diferente
na orgânica geral da Administração. Para solucionar este problema propomos que
o mesmo órgão com competência legislativa para extinguir a Proteção Civil
celebre algum tipo de protocolo com os Municípios antes de proceder à aprovação
do ato legislativo. Através deste protocolo os Municípios deixar-se-iam
vincular a obrigação de incorporar as antigas funções da proteção civil nas
suas comunidades intermunicipais.
Falta apenas saber qual o órgão com
competência para aprovar o ato legislativo de extinção da Proteção Civil.
Parece-nos que esta matéria recai na competência legislativa genérica do
Governo pelo que a extinção poderia ser feita por decreto-lei.
No nosso entender este
decreto-lei poderia conter um número reduzido de artigos, a saber.
Por último, as questões legislativas
relativas à solução proposta exigem ainda a criação de um estatuto para a nova
entidade reguladora que cuidaria da comunicação entre as comunidades
intermunicipais no exercício das funções da nova proteção civil. Tendo em
conta, que o último grande incêndio se registou na zona de Pedrógão Grande
(distrito de Leiria) o exemplo de estatuto que vamos apresentar seria para uma
Comunidade Intermunicipal para essa zona geográfica, que consta nos Anexos.
5. Conclusão:
No decurso da análise que tecemos
sobre o atual papel da Proteção Civil na Administração Pública, identificamos a
repetição dos erros decorrentes da tendência secular da Administração
portuguesa para o centralismo e para a criação de grandes entidades
incorporadas no estado e com funções em relação a todo o território nacional.
Os problemas decorrentes de um excessivo centralismo já foram identificados de
forma extensiva pela doutrina do direito administrativo e os seus efeitos
negativos são visíveis nas falhas da prática administrativa. A importância da
descentralização acolhe apoio no texto constitucional. Por outro lado,
num contexto em que o aparelho da administração se desdobra em formações cada vez mais
modernas e criativas, como seja a administração independente com as entidades
reguladoras ou a própria administração sob formas privadas, a solução apresentada parece-nos ser a única forma de olhar para administração de uma forma atualizada.
O propósito de descentralizar a
administração é fortalecido pela opção por uma organização dos bombeiros como
um corpo misto entre voluntários e profissionais simultaneamente público e
privado. Esta modalidade permite colocar os corpos de bombeiros sob a
dependência dos municípios ao mesmo tempo que estimula a participação das populações.
É esta
a solução que propomos a vossas excelências.
Andreia
Dias nº 56973
Bernardo
Freitas nº 56732
Famata
Sanhá nº 26306
Joana
Mil-Homens nº 26157
Joana
Ochsemberg nº 26158
Olena
Verush nº 57089
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