DIREITO ADMINISTRATIVO II

Princípio da legalidade


A administração pública tem de prosseguir o interesse público em obediência à lei: é o que se chama o princípio da legalidade.

Este princípio está consagrado no artigo 266º/2 CRP e no artigo 3º/1 CPA, que é tradicionalmente tido na acessão de Marcelo Caetano como “nenhum órgão ou agente da administração pública tem a faculdade de praticar atos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior”. Tal significa que existe uma proibição de a Administração Pública lesar os direitos ou interesses dos particulares, salvo com base na lei, ou seja, este princípio representa um limite à ação administrativa estabelecida pelos particulares.

Esta definição consistia basicamente numa proibição de a Administração pública lesar os direitos ou interesses dos particulares, salvo com base na lei.

Mais recentemente, o professor Freitas do Amaral propõe a seguinte definição: “os órgãos e agentes da Administração Pública só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos”. Com esta nova formulação, a regra geral já não é a do princípio da liberdade, ou seja, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíbe, mas sim a do princípio da competência, só se podendo fazer aquilo que a lei permite. Verifica-se também que o principio da legalidade, nesta nova formulação, cobre e abarca todos os aspetos da atividade administrativa, e não apenas aqueles que possa consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares. O princípio da legalidade visa também proteger o interesse público.



Porquê esta diferença entre a formulação tradicional de Marcelo Caetano e a formulação mais recente do professor Freitas do Amaral?
Para alcançarmos a resposta temos de atender à evolução histórica do princípio para enquadrar melhor o seu sentido e importância nos dias de hoje.
v  Começo por aludir à Monarquia absoluta, onde o poder absoluto não era limitado pela lei nem pelos direitos subjetivos dos particulares, sendo esta a grande preocupação que impulsiona a criação do princípio da legalidade, tendo o seu primeiro reconhecimento sido na fase do Estado de Direito Liberal com a Revolução Francesa que estabelece por conseguinte o princípio da subordinação à lei, onde a Administração Pública fica restrita aos limites da lei, contudo ainda nesta fase admitindo uma formulação negativa.
v Coloca o Professor Freitas do Amaral o problema de nesta fase o princípio da legalidade ser única e exclusivamente um limite à ação administrativa e não agir também como o próprio fundamento dessa ação.
v Sabe-se que no estado liberal o seu equivalente será de monarquia limitada, posto isto, devido à legitimidade monárquica histórica onde vigora o poder do rei e ao, mesmo tempo, uma legitimidade democrática proveniente do órgão do parlamento, vem por este meio defender a vontade popular e é exatamente nesta dualidade de poderes que a Administração Pública está subordinado ao poder do soberano que agora se encontra limitado pela lei votada em Parlamento.
v Por fim, a monarquia liberal no século XIX que afirma o Estado Social de Direito. Surge aqui a ideia de subordinação à lei completa pelo direito na sua totalidade, passa a existir um dever de obediência à lei ordinária e à lei constitucional, ao Direito Internacional recebido por ordem interna, pelos regulamentos em vigor e atos constitutivos de direito que a Administração Publica tenha praticado e os contratos administrativos e de direito privado que tenham sido celebrados. Ocorreu a expansão da subordinação da Administração pública.
   Posição defendida pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e Salgado Matos (relativamente ao principio da legalidade no Estado Social de Direito), ambos afiguram a sujeição administrativa a algo mais para além da simples lei positiva ordinária. Para ambos a legalidade não é só um limite à ação administrativa, é também um fundamento, querendo isto significar que a Administração Pública só pode agir se a ordem jurídica o permitir, pois o poder executivo deixa de ser um poder com legitimidade e passa a ser um poder constituído, onde a sua autoridade deriva da constituição e da lei, vinculando o primado do poder legislativo sobre o poder executivo, tendo em conta que o princípio emana da soberania popular, e por conseguinte está subjacente ao critério do interesse público e do particular bem como à defesa dos direitos fundamentais.

De tudo resulta que , na atualidade e no direito português , são duas a s funções do principio da legalidade:
 - Assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder executivo , porque o primeiro emana da soberania popular e a representa enquanto o segundo emana de uma autoridade derivada e secundaria ;
 - Desempenha também a função de garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares;
  
Na perspetiva do Professor Vasco Pereira Da Silva, "A Administração tem que se subordinar à lei e ao Direito", como diz o legislador no CPA. Porque a legalidade não é a subordinação à lei, é a subordinação à lei e ao direito. É todo o direito que obriga a administração. E o direito é o direito supralegal, o direito constitucional, o direito europeu, o direito internacional, o direito global e é todo o direito infra legal.
Mais, a legalidade também se manifesta no cumprimento dos regulamentos administrativos, no cumprimento dos atos e dos direitos resultantes de contrato administrativo. Se a administração pratica um ato administrativo não pode voltar atrás só porque lhe apeteceu. Tomou uma decisão e chegou ao fim do procedimento estudando previamente todas as condições que essa decisão acarreta, só podendo alterar a sua decisão em caso de alguma ilegalidade ou se existir um forte interesse público, mesmo assim está sempre limitada aos interesses dos particulares, o que demonstra na perspetiva de Vasco Pereira da Silva, uma subordinação ao Direito e á lei.

Com que modalidades pode o Princípio da legalidade contar para se afirmar?
O princípio da legalidade comporta duas modalidades:
    - A preferência de lei
    - A reserva de lei 
 A preferência de lei (legalidade limite) consiste em nenhum ato de categoria inferior à lei pode contrariar o bloco de legalidade, sob pena de ilegalidade; (Bloco legal – Constituição, lei ordinária, regulamento os direitos resultantes do contrato administrativo e de direito privado ou de ato administrativo constitutivo de direitos, os princípios gerais de direito, bem como o direito internacional que vigore na ordem interna)
  A reserva de lei (legalidade fundamento) consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco de legalidade.
  Marcelo Rebelo de Sousa defende que existe neste princípio de reserva de lei um fundamento democrático e um garantístico.
   O fundamento democrático exprime-se pela preferência da decisão normativa dotada de legitimidade democrática representativa direta, que se encontra na lei da Assembleia da República e decreto legislativo regional, pois são atos aprovados por assembleias parlamentares diretamente eleitas pelos cidadãos e no decreto-lei aprovado por um órgão que não goza de legitimidade democrática representativa direta, tem de ser autorizado pela Assembleia da República, artigo 165º/1 e 2 CRP, e está sujeito a apreciação parlamentar 169º CRP.
  O fundamento garantístico da reserva de lei postula a garantia da previsibilidade da atuação administrativa e postula apenas a existência prévia à atuação administrativa de uma norma jurídica

Exceções ao principio da legalidade: ( 3 teorias)
  São defendidas por alguns autores, como por exemplo Marcello Caetano, contudo na perspetiva do Professor Freitas do Amaral não fazem sentido.
 1 –Teoria do estado de necessidade, defendida na constituição, ocorre em situações como estados de guerra, estado de sítio ou em caso de calamidade natural, onde se entende que a Administração Pública está dispensada de seguir o processo legal exigido em circunstâncias normais, mesmo que isso implique o sacrifício de direitos os interesses dos particulares. Todavia poderão os particulares lesados recorrer a indemnizações consoante o artigo 3º/2 CPA, determinando este artigo a cobertura legal para este tipo de situações referindo “ não poderia ser alcançado de outro modo”.
2 – Teoria dos atos políticos -  Segundo esta teoria, os atos de conteúdo essencialmente politico, isto é os chamados atos de governo, não sendo suscetiveis de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos , poderiam ser atos ilegais. Tal suscita dificuldades de compreensão por parte do Professor Freitas do Amaral. Não é correto dizer que quando se praticam atos políticos não se deve obediência à lei. Aliás a própria constituição, no artigo 3º nº3, determina que “ a validade das leis e dos demais atos do Estado, regiões autónomas, poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a constituição.
3 – Poder discricionário da Administração que também não se considera pela maioria uma exceção ao princípio da legalidade, mas sim um modo diferente de configurar a legalidade administrativa pois existe na lei a configuração destes poderes definindo as suas competências e fins.

Natureza e âmbito do princípio da legalidade
Já sabemos que a Administração pública deve obediência à lei. Agora deve obediência à lei em todos os casos e manifestações típicas do poder administrativo, ou deve obediência à legalidade apenas quando estejam em causa o sacrifício de direitos ou interesses dos particulares?
Isto coloca-nos perante uma distinção entre administração agressiva e administração prestadora.
Por vezes a administração aparece-nos como autoridade, a impor sacrifícios aos particulares. É administração agressiva porque agride os direitos e interesses dos particulares. Quando expropria , proíbe , recusa uma autorização, quando nacionaliza, em todos estes casos a administração Pública está, no fundo a agredir a esfera jurídica dos particulares , sobrepondo-se aos seus direitos e interesses, sacrificando-os.
Todavia, noutros casos, A administração apresenta-se como constitutiva de direitos ou vantagens económicas ou ate mesmo como prestadora de serviços. Aqui a administração não agride a esfera jurídica dos particulares, mas, pelo contrário, aparece a proteger essa esfera e a beneficia-la, constituindo vantagens.
Uma corrente, representada por Jesh entende que o principio da legalidade cobre todas as manifestações da atividade administrativa, quer seja administração agressiva, quer administração prestadora. Em ambas a administração só pode fazer o que a lei lhe permite.
Outra corrente, representada por wolff, entende que o princípio da legalidade só se aplica à administração agressiva. Quanto a administração de prestação, o princípio da legalidade só se aplica na sua formulação negativa. Em termos mais simples, Administração agressiva, esta só pode fazer o que a lei lhe permitir; administração prestadora pode fazer o que a lei não a proibir.
Para o professor Freitas do Amaral (e para a maioria da doutrina) o princípio da legalidade cobre ambas as administrações. Isto acontece porque:
1) Para aí aponta a letra do artigo 266 nº2 CRP, que não distingue os tipos de administração
2)E para aí também apontam a ratio legis e os princípios gerais
Alias, refere o professor, na esfera da administração prestadora também podem ocorrer violações da esfera jurídica dos particulares ou dos seus interesses legalmente protegidos. Acontece, por exemplo, a administração pode interpretar mal a lei e violar um direito subjetivo de natureza económico-social de um particular ou de uma empresa. 
Mais, para se assumir como prestadora, muitas vezes a administração necessita de sacrificar os direitos ou interesses dos particulares. A administração pode precisar de impor a mobilização de certas pessoas individuais ou de estabelecer a expropriação de terras. Em todas estas situações, se é verdade que a administração esta a usar os meios que lhe parecem necessários para promover o desenvolvimento económico ou realizar a justiça social, não é menos verdade que esta simultaneamente a sacrificar certos direitos de alguns particulares. 
Concluindo a administração prestadora não é dissociável da ideia de sacrifício de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.

AMARAL, Diogo Freitas (1986) Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição (2016). Coimbra, Almedina
SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, Salgado André (2004) Direito Administrativo Geral, Tomo I. 3º edição (2008). Alfragide, Dom Quixote
- CAETANO, Marcello, "Manual de Direto Administrativo - Vol. I", Ed. Almedina, 10.ª edição (2008), Coimbra, p. 30;
Tiago Vale -  subturma: 11   
Nº de aluno: 57334

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Diferenças entre o sistema administrativo britânico e o sistema administrativo francês

Princípio da Responsabilidade

Os Vícios do Ato Jurídico