Organização administrativa: a hierarquia administrativa como modelo organizativo
A hierarquia
administrativa consiste na organização escaleira de um conjunto de órgãos e
agentes administrativos pertencentes à mesma unidade de atribuições (pessoa
coletiva ou departamento), nos termos de que cada um dirige a atuação dos seus
subalternos e deve obediência aos seus superiores.
Para
haver hierarquia administrativa, o vínculo entre os órgãos e/ou agentes
administrativos em causa tem que ser de índole jurídica: não se confunde com a
hierarquia política, em que a relação de supra-ordenação entre órgãos públicos
é estritamente política, nem a hierarquia de postos ou de progressão de
carreira, em que não existe qualquer relação de supra-ordenação, mas apenas
maior ou menor dignidade funcional ou estatutária, entre os órgãos ou agentes
em questão. Assim, a hierarquia
administrativa pode ser encarada, quer como um modelo organizativo, quer como
relação jurídica.
Os
fundamentos da hierarquia administrativa, ou seja, as razões que a justificam
do ponto de vista jurídico-político, são:
- o princípio da desconcentração;
- o
princípio democrático.
O
princípio da desconcentração exige a distribuição de competências por vários
órgãos de uma mesma pessoa coletiva. Sendo que a hierarquia administrativa
pressupõe a existência de pelo menos dois órgãos, ou um órgão e um agente
administrativos, num modelo de concentração pura não existe hierarquia; não
pode haver, certamente, hierarquia sem desconcentração.
O
princípio democrático impõe uma preferência pela decisão do órgão dotado de
maior grau de legitimidade democrática. O grau de legitimidade democrática dos
vários níveis de uma cadeia hierárquica aumenta à medida que se ascende nessa
mesma cadeia. O Prof. Dr. Paulo Otero fala num princípio de legitimidade democrática ascendente, que se explica
explica pela circunstância de, no direito administrativo português, os órgãos
de topo das hierarquias administrativas serem diretamente eleitos (por ex., as
câmaras municipais), responderem perante órgãos diretamente eleitos (por ex., o
Governo, que responde perante a Assembleia da República), ou responderem
perante órgãos que, por sua vez, respondem perante órgãos diretamente eleitos
(por ex., os órgãos dirigentes dos institutos públicos, que respondem perante o
Governo, que por sua vez responde perante a Assembleia da República), gozando
sempre por isso de uma legitimidade democrática mais intensa que a dos órgãos
subalternos.
Tendo-se
que, enquanto o princípio da desconcentração fundamenta a distribuição de
competências pelos vários órgãos e agentes de uma cadeia hierárquica, o
princípio democrático justifica a supra-ordenação dos superiores hierárquicos e
os seus poderes de intervenção na esfera de competência dos subalternos, bem
como a infra-ordenação destes e os seus deveres especificamente emergentes da
relação hierárquica.
·
Hierarquia Interna e Hierarquia Externa
A
hierarquia administrativa é um modelo organizativo que abrange, quer as
relações interorgânicas, quer a organização interna dos serviços. Assim, pode
existir um vínculo hierárquico entre órgãos e entre órgãos e agentes.
A
hierarquia de órgãos é uma hierarquia externa,
no sentido de respeitar a competências cujo exercício se traduz na prática de
atos com eficácia externa; a hierarquia entre órgãos e agentes designa-se por hierarquia interna, na medida em que
a repartição de funções a que procede é desprovida de efeitos externos,
destinando-se apenas a organizar internamente um serviço pertencente e
determinada pessoa coletiva. Os agentes administrativos não têm, enquanto tal,
competências para a prática de atos com eficácia externa, imputáveis à pessoa
coletiva a que pertencem, ainda que, se um agente passar a ter a qualidade de
órgão em virtude de uma delegação de poderes de um órgão superior, as relações
entre ambos passam a ser de hierarquia externa.
·
Hierarquia e princípio da legalidade
Para
alguns autores, a hierarquia administrativa constitui uma zona da administração
pública apenas imperfeitamente dominada pela legalidade. Nessa medida, alguns
dos poderes do superior hierárquico (bem como, eventualmente, os deveres do
subalterno) decorreriam da natureza da relação hierárquica, não necessitando de
previsão legal. Bastaria que a lei previsse a integração de dois órgãos, ou de
um órgão e um agente, numa cadeia hierárquica e que estabelecesse a relação de
hierarquia entre ambos, para que o conteúdo da relação jurídica hierárquica se
inferisse imediatamente.
Tendo
em conta o entendimento professado acerca da extensão da reserva de lei, esta
visão deve ser rejeitada. Não existe hoje qualquer fundamento para a subtração
da hierarquia administrativa à reserva de lei; pelo contrário, o fundamento
democrático da reserva de lei impõe a sua extensão, sem limites, a todas as
esferas da administração. Todo o
conteúdo da relação hierárquica, designadamente os poderes do superior e
os deveres do subalterno, devem ser definido por lei.
·
Modalidades de repartição de competências entre superior
e subalterno
A
hierarquia implica uma repartição de competências entre superior e subalterno;
as competências do subalterno são necessariamente competências dependentes, na
medida em que não existe qualquer esfera da sua atividade subtraída ao poder de
direção do superior.
No
direito administrativo português atual, a regra da repartição de competências
entre superior e subalterno é a da competência separada. Ou seja, quando a lei
atribui uma determinada competência ao subalterno, o exercício dessa
competência através da prática de um ato concreto pelo subalterno despoleta uma
competência secundária dispositiva sobre a mesma matéria por parte do superior,
que assim fica habilitado a revogar, suspender, modificar e substituir o ato em
causa.
Só
excecionalmente existem competências exclusivas do subalterno, em relação às
quais não existe competência dispositiva, mas apenas uma competência
supervisiva do superior, que assim se limita a, em sede de recurso hierárquico,
poder revogar e suspender os atos do subalterno, sem poder modificá-los ou
substituí-los.
Os
arts. 169.º/2 e 197.º/1 CPA limitam o poder de supervisão do superior sobre os
atos praticados ao abrigo de competência exclusivas do subalterno, admitindo a
sua revogação apenas com fundamento em ilegalidade e não com fundamento em
inconveniência. Esta solução é de duvidosa constitucionalidade, pois priva o
superior hierárquico de um instrumento essencial de conformação da atuação do subalterno
pela qual continua a ser responsável. Como tal, a amputação do poder de
supervisão impede o superior hierárquico de extinguir atos do subalterno que,
apesar de não serem ilegais, considere implicarem uma má prossecução do
interesse público e que, inclusivamente, podem resultar de desobediência às
suas ordens e instruções.
O
motivo pelo qual a regra é a da competência separada e não a da competência
exclusiva prende-se com o fundamento democrático da hierarquia administrativa:
a preferência pela decisão do superior hierárquico enquanto órgão portador do
mais amplo grau de legitimidade democrática dentro de uma cadeia hierárquica
impõe que os seus poderes de intervenção sobre o resultado do exercício das
competências do subalterno seja o mais amplo possível, isto é, que abranja a
possibilidade de substituir e modificar os atos do subalterno. Só razões muito
ponderosas justificarão uma compressão dos poderes do superior hierárquico.
Marta
Pires Pinheiro
Nº
57367
Subturma
11 – Turma B
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