Atos Administrativos, regulamentos e contratos administrativos: totalidade de um Direito?


Quando ocorre uma referência ao tema da atividade administrativa tende a ser dada uma maior relevância aos atos administrativos, aos regulamentos e aos contratos administrativos, ao ponto de, durante muito tempo para doutrina só relevavam, na teoria do exercício Poder administrativo, estas três espécies. Impõem-se a questão: Diluir-se-á a atividade administrativa nestas três categorias? Veementemente é afirmado o contrário. Seguindo o Professor Freitas do Amaral, existe ainda uma quarta categoria, as denominadas operações materiais administrativas. Antes ainda de se tentar perceber em que consiste este quarto conceito, é necessário que se encontrem clarificadas algumas considerações sobre os anteriores. Então, muito sucintamente, é chamado de regulamento o ato unilateral normativo; por seu turno, ato administrativo contende a determinação unilateral de um caso concreto; por ultimo, contrato administrativo é uma concordância bilateral que origina efeitos jurídicos. O que são então “operações materiais administrativas”? Nas palavras do Professor Freitas do Amaral, podem ser entendidas como “quaisquer tipos de atuação física levada a cabo pela Administração Pública, ou em seu nome ou por sua conta, para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real” e é fulcral perceber-se que as operações materiais estão interligadas com um facto que se concretize no mundo real. O fim destas operações pode ser diverso, desde preservar até transformar algo, sendo que podem ser praticadas por três sujeitos diferentes: agentes da Administração Pública, particulares que atuem em seu nome ou ainda por sua própria conta.
Existem casos que não se devem considerar no conceito de operações materiais administrativas, são eles: os atos de execução que não sejam atuações físicas no mundo real, as declarações negociais no espaço da concretização de contratos, os atos judiciais específicos do processo executivo e ainda as operações que sejam realizadas por particulares e que não sejam em nome ou por conta da Administração Pública bem como aquelas que sejam executadas em Portugal por entidades públicas estrangeiras ou mesmo internacionais.
São diversas as categorias de operações materiais administrativas, sendo os critérios de distinção a sua estrutura, fim, regime jurídico, significado e alcance e a conformidade com as leis em vigor. Assim sendo, segundo a sua estrutura, são instantâneas se acontecerem num dado momento ímpar ou continuadas se, por outro lado, subsistir uma duração no tempo. Considerando o seu fim podem visar, como já atrás foi referido, a proteção ou remodelação (total ou parcial) de uma situação de facto. Quanto ao seu regime jurídico, são de gestão pública se forem realizadas no desempenho de poderes públicos ou execução de deveres públicos ou serão de gestão privada se resultarem e estiverem sobre a proteção do direito privado. Segundo o critério do significado e alcance são internas se se concretizam no campo de ação da entidade pública que as difunde ou externas se afetam a esfera patrimonial ou pessoal de um distinto sujeito de direito, se forem externas podem ser classificadas como sendo, ou não, desfavoráveis a particulares, pois a afetação que o mesmo vai ter não tem de ser necessariamente negativa ou positiva. Por fim, de acordo com a conformidade com as leis em vigor, são legais ou ilegais caso se verifique, ou não, essa conformidade, se forem ilegais podem ser ilícitas, se os direitos de terceiro forem violados de uma forma extremamente abusiva.
As operações materiais administrativas, devido a serem parte integrante do Direito Administrativo, estão sujeitas a três princípios fundamentais a que a totalidade da Administração Publica está subordinada, princípios estes que estão consagrados no artigo 266º da Constituição da Republica Portuguesa, são eles o princípio da prossecução do interesse público, o princípio da legalidade e ainda o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Doutrinariamente, resultam destes princípios alguns corolários: estas operações materiais realizadas pela Administração Pública têm de ser concedidas por lei, tal como resulta do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo, sendo que lhe devem respeito; quem ordena e quem as cumpre tem de ser legalmente apto para essa função; atendendo ao princípio da separação de poderes, a Administração Pública e o Poder Judicial não podem praticar atos que só compitam a um deles; sublinhar que estas operações, como é claro, estão sujeitas a todos os princípios constitucionais que assistem ao Direito Administrativo. Porém, mesmo cumprindo o dever obediência à lei, existem casos em que a Administração Pública pode atuar sem adotar nenhum procedimento administrativo, como ocorre na situação calamitosa do estado de necessidade (baseando-se esta solução no princípio de direito necessitas non habet legem), na situação em que, não sendo o acontecimento tão gravoso que não seja aceitável a invocação do estado de necessidade, mas mesmo assim a situação é urgente (conceção proveniente do principio now or never, patente na doutrina norte-americana) e ainda nas operações que sejam de prestação de um serviço público.
Concluindo, crê-se ser impossível, atualmente, olhando para o significado de operações materiais administrativas, que esta categoria não existisse num passado recente. Felizmente a doutrina encontrou-lhes cabimento, anunciando-as como uma classe distinta das demais formas da atividade administrativa. De enorme relevo teórico mas sobretudo prático, operações materiais administrativas estão presentes todos os dias, nos mais peculiares e inusitados locais das nossas vidas.

Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. 3ª edição. Vol. II. Almedina, 2016.
Caetano, Marcello. Manual de Direito Administrativo. 10ª edição. Vol. I. Almedina, 2007.

Ivo Patrício
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