O Princípio da Prossecução do Interesse Público


                O presente texto destina-se a desenvolver algumas ideias em torno da definição do princípio da prossecução do interesse público por parte da administração pública no âmbito da atividade administrativa.
                Antes de avançar qualquer tipo de ideia sobre o tema em questão é preciso ter em conta, à semelhança do que foi feito pelo professor Sérvulo Correia[1], que o rol de princípios, nos quais se inclui o princípio da prossecução do interesse público, correspondem a um agregado consagrado na CRP. É neste sentido que se torna possível falar de uma constituição administrativa, que na doutrina portuguesa foi teorizada, sobretudo, pelo professor Vital Moreira[2].
                O interesse público não corresponde a um interesse particular ao qual se encontra subjacente uma vontade psicológica de um individual. Pelo contrário, corresponde a um interesse global que agrupa aquilo que existe de comum nas várias vontades particulares. Tratando-se de um interesse global, o interesse público corresponde a algo objetivo e, consequentemente, suscetível de ter um caracter normativo que lhe seja atribuído. Não obstante, o interesse global que subjaz ao interesse público não pode ser aprendido de forma empírica[3]. A concretização desta noção é necessariamente algo que traduz uma opção política e que ajuda a reforçar a ideia de uma função política como conjunto de atos que definem as opções fundamentais do estado-nação e a forma de as prosseguir[4]. No entanto, tratando-se de um princípio constitucional, a concretização política é precedida de uma concretização por parte da função constituinte presente no artigo 267.º  n.º1 da CRP.
                Seguindo a lição do professor Freitas do Amaral[5] torna-se possível identificar uma cronologia em redor do pensamento sobre a concretização de interesse público que remonta, na visão do autor, a S. Tomás de Aquino [6]. No entanto, tratando-se de um conceito que corresponde a uma concretização da função política, a definição de interesse púbico está inexoravelmente ligada á filosofia e teoria políticas que se debruçaram sobre o tema antes mesmo do surgimento do direito administrativo. Neste sentido as primeiras considerações sobre o interesse público podem ser encontradas na ideia aristotélica de um conceito de justiça invariável e absoluto comum a todos os regimes puros, que permitiria formular leis com uma função estabilizadora e conformadora e, sobretudo, aptas à prossecução do interesse comum[7].
                Na doutrina do direito administrativo encontram-se duas posições fundamentais sobre a definição de interesse público. A primeira, defendida por Jean Rivero, postula uma visão do interesse público como algo que engloba uma esfera de necessidades a que os privados não conseguem responder, mas que, ainda assim, se mostra como essencial justificando uma ação do estado. Esta posição não me parece a mais correta, por colocar de lado a importância cada vez maior que as pessoas coletivas de direito privado assumem na reestruturação da administração, sobretudo, no contexto do estado pós-social e que se encontra na origem de um fenómeno denominado pela doutrina de:” fuga para o direito privado”- desenvolvido pela senhora professora doutora Maria João Estorninho na sua tese de doutoramento[8].
                A posição de Jean Rivero parece-me, ainda, falhar ao tratar o conceito de interesse público como um conceito único e uniforme sem o sujeitar a uma análise mais meticulosa que exigiria uma subdivisão do princípio.
                Há na doutrina uma segunda posição que me parece mais adequada porque supre estas falhas. Esta é partilhada por autores como Rogério Soares[9] e Vieira de Andrade[10] e distingue entre um interesse público primário e outro secundário. O interesse público primário seria o que diz respeito à raiz da sociedade englobando os fins em que se funda o estado. Os interesses públicos secundários são por sua vez interesses instrumentais na concretização dos propósitos do interesse público primário. Constituindo o interesse público primário numa concretização da função política, a definição de interesses públicos secundários resulta de um processo de adequação àquilo que corresponde a concretização que a função política faz da ideia de interesse primário. É, no entanto, preciso completar esta ideia, pois não podemos esquecer  a possibilidade de, tanto o interesse primário como o secundário, serem prosseguidos, não apenas por entidades públicas, mas também por pessoas coletivas de direito privado que integram a administração.
                Considero, portanto, que o interesse público corresponde aquilo que existe de comum nas várias vontades particulares e que a sua consubstanciação exige uma concretização da função política, podendo, este interesse, ser prosseguido tanto por entidades privadas como públicas integradas na administração.
                Por fim, entendo que uma análise de raiz exige, ainda,  que se tenha em conta que este interesse pode ser visto tanto como interesse primário como um interesse secundário. O primeiro destes interesses corresponde àquilo que é o elemento comum das vontades no qual a sociedade se foca, para evitar um situação de conflito baseada num conflito de vontades particulares, bem como a prossecução dos fins do estado. Por sua vez, o segundo destes interesses corresponde a algo instrumental para prosseguir os propósitos dos interesses primários.

Bernardo Filipe  de Freitas
Aluno nº: 56732
Subturma 11



               
               


[1] Correia Sérvulo Os Princípios Constitucionais da Administração Pública pp.662
[2] Amaral Freitas Diogo, Curso De Direito Administrativo volume II 3ª edição 2016
[4] A visão de função política aqui utilizada corresponde à ideia postulada pela concepção tripartida das funções do estado, circunscritas no seu exercício pelas funções constitucional e de revisão constitucional e defendida pelos professores Jorge Miranda, Nuno Piçarra e Blanco Morais. Trata-se, portanto, de uma função política que se subdivide em função política em sentido estrito e função legislativa.
[5] Amaral Freitas Diogo, Curso De Direito Administrativo volume II 3ª edição 2016
[6] Amaral Freitas Diogo História das Ideias Políticas I, coimbra, Almedina, 1998, pp. 175-76
[7] Pereira Coutinho Luís, Teoria dos regimes políticos 2013, editora aafdl, pp. 14
[8]João Estorninho Maria  A Fuga para o Direito Privado, 2009,Almedina
[9] Soare Rogério, Interesse público, legalidade e mérito pp.99 e sgs
[10] Andrade Vieira Interesse público in DJAP pp.275 a 282

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