Princípio da imparcialidade e as suas garantias
O princípio da imparcialidade vem
consagrado no artigo 9º do CPA e corresponde ao dever da Administração Pública
de tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação,
considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes.
Portanto, não é tolerada qualquer situação na qual os órgãos ou agentes
administrativos ajam conforme interesses particulares, alheios ao exercício da
sua função.
Deste modo, o princípio da
imparcialidade tem duas vertentes: a positiva e a negativa.
Segundo Freitas do Amaral, a
vertente negativa corresponde ao impedimento dos titulares de órgãos ou agentes
da Administração Pública na intervenção em procedimentos, atos ou contratos que
digam respeito a questões do seu interesse pessoal.
Por sua vez, a vertente positiva
significa o dever da Administração Pública de ponderar todos os interesses
públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionáveis para o
efeito de certa decisão, antes da sua adoção, devendo considerar-se parciais os
atos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação
dos interesses juridicamente protegidos.
A ausência de ponderação dos
diferentes interesses em jogo é o vício que o princípio da imparcialidade
pretende evitar que aconteça ao lado dos restantes princípios jurídicos, a
injunção de racionalidade decisória, caracterizando-se “por refletir a decisão
que não é sustentada numa ponderação e ausência de ponderação ser um vício da
decisão que traduz a realização de um processo de decisão aleatório, no qual
não são ponderados os interesses em jogo”.
Freitas do Amaral afirma ainda
que o princípio da imparcialidade não é uma mera aplicação da ideia de justiça.
Este princípio proíbe que os órgãos da Administração intervenham em certos
procedimentos administrativos ou tomem certas decisões para evitar a suspeita
de que estejam a atuar com parcialidade, sendo que o seu objetivo não é a
obtenção de decisões administrativas justas, mas sim que não haja razões para
suspeitar, logo à partida, da imparcialidade dos órgãos competentes que vão
tomar a decisão.
A imparcialidade e a justiça são
de tal forma princípios autónomos que o legislador refere ambos no artigo
266º/2 CRP.
Marcelo Rebelo de Sousa e André
Salgado de Matos afirmam que a ordem jurídica estabelece mecanismos tendentes a
assegurar que os titulares de órgãos e agentes administrativos não
influenciarão as decisões tomadas em procedimentos, nos quais seria
especialmente de recear que se comportassem de modo parcial, chamadas as
garantias preventivas da imparcialidade.
O princípio da imparcialidade
previsto no Código do Procedimento Administrativo de 1991 encontra-se um pouco
alterado relativamente ao Novo CPA de 2015, especialmente no que toca às suas
garantias, cujo leque foi ampliado.
Primeiro, o princípio da
imparcialidade autonomiza-se do princípio da justiça, passando a estar disposto
no artigo 9º do CPA e o princípio da justiça no artigo anterior (art. 8º CPA).
Segundo, relativamente às garantias deste princípio, pode destacar-se
a introdução de um impedimento específico, aplicável às entidades que prestem
serviços de consultoria a favor do responsável pela direção do procedimento ou
a quaisquer sujeitos públicos da relação procedimental relativamente às quais
exista uma situação de impedimento nos mesmos moldes dos aplicáveis aos agentes
públicos ou que tenham prestado serviços, há menos de 3 anos, aos sujeitos
privados participantes no procedimento (arts. 69º/3, 4 e 5 CPA), tendo sido incluídas disposições sancionatórias,
tais como a indemnização à Administração Pública e aos terceiros de boa-fé
pelos prejuízos causados pela anulação (art. 76º/3 CPA).
Também no artigo 76º/4 existe uma alteração importante relativamente à
matéria da suspeição, uma vez que, independentemente de se estar fora de casos
de presunção legal inilidível de parcialidade, será preciso, consoante as
circunstâncias de cada caso, assegurar a credibilidade da decisão
administrativa.
Neste âmbito das garantias (arts.
69º-76º CPA), existem ainda dois tipos de situações: situações de impedimento e
de suspeição.
Numa situação de impedimento, é
obrigatória por lei a substituição do órgão ou agente administrativo
normalmente competente por outro, que tomará a decisão no seu lugar (art. 69º/1
CPA).
Nas situações de suspeição, a
substituição não é automaticamente obrigatória, a substituição é apenas
possível, tendo de ser requerida pelo próprio órgão ou agente que pede escusa
de participar naquele procedimento ou pelo particular que opõe uma suspeição
àquele órgão ou agente e pede a sua substituição por outro.
Em caso de impedimento, o órgão
ou agente da Administração Pública tem o dever jurídico de comunicar ao seu
superior hierárquico ou ao órgão colegial sempre que se verifique uma causa de
impedimento (art. 70º CPA). Se não há impedimento, termina ali o problema. Se
há impedimento, o impedido é imediatamente substituído pelo seu substituto
legal, salvo se o órgão competente para o efeito resolver avocar a decisão da
questão (art. 72º/1 CPA) e, tratando-se de um órgão colegial, este funcionará
sem o membro impedido (art. 72º/2 CPA).
Em caso de suspeição, a lei dá ao
órgão ou agente administrativo o direito de pedir escusa de intervenção naquele
procedimento (art. 73º/1 CPA), assim como dá aos particulares interessados no
procedimento o direito de oporem suspeição ao órgão normalmente competente,
pedindo a sua substituição (art. 73º/2 CPA). O órgão competente decidirá se há
ou não fundamento para a suspeição e, se não houver, o órgão ou agente em causa
continua em funções e fica legitimado para intervir no procedimento. Se houver
fundamento, é feita uma declaração de suspeição e segue-se a substituição do
órgão ou agente por aquele que o deva substituir no exercício da competência
(art. 75º CPA).
Os atos administrativos e
contratos da Administração Pública em que intervenha um órgão ou agente impedido
de intervir ou em relação ao qual tenha sido declarada suspeição são anuláveis
(art. 76º/1 CPA) e o órgão ou agente administrativo que pratique uma omissão do
dever de comunicação incorre numa falta grave (art. 76º/2 CPA).
Deste modo, pode observar-se que
este novo Código do Procedimento Administrativo de 2015 vem assegurar que o
legislador não só neutraliza e reprime situações declaradas de parcialidade
subjetiva, como também cria um clima na preparação e tomada das decisões que
não favoreça a dúvida sobre a respetiva seriedade.
Concluindo, o princípio da
imparcialidade é um princípio fundamental, sendo bastante controvertido no Direito
Administrativo português, de tal forma que surge frequentemente em acórdãos dos
tribunais administrativos. A título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/01/2003
proferido no processo nº 048035 demonstra a importância da Administração de “atuar por forma a darem de si mesma uma imagem de objetividade,
isenção e equidistância dos interesses em presença, de modo a projetar para o
exterior um sentimento de confiança”, sendo que a decisão, neste caso, foi no
sentido da anulação de um ato de adjudicação no
concurso público para a empreitada de construção da barragem de Ribeiradio, devido,
entre outras razões, à ocorrência de uma violação da imparcialidade.
Ana Margarida Norte
Nº: 56812
Bibliografia:
Ana Margarida Norte
Nº: 56812
Bibliografia:
- Amaral, Diogo
Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina,
2016
- Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de,
Direito Administrativo Geral Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 2ª
Edição, Dom Quixote, 2006
- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/fdfc5c879bbbd1f880256dbb003326db?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
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