Princípios da Justiça e da Razoabilidade

Art.8º CPA

A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.

Art. 266/6 CRP

 Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.


Aristóteles definia justiça como atribuir a cada um o que é seu.
A ideia de justiça pode ser entendida em três planos diferenciados:
  • justiça legal, ou seja, justiça enquanto valor ou conjunto de valores incluídos nas leis
  • justiça extralegal, ou seja, justiça enquanto critério ou conjunto de critérios que obrigam os homens para além do que consta das leis
  • justiça supralegal, ou seja, justiça como valor ou conjunto de valores que são anteriores e superiores à lei e, por isso, devem orientar os governantes na elaboração das leis e, também permitem aos cidadãos criticá-las e até desobedecer-lhes.
O professor Diogo Freitas do Amaral define justiça como o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que é lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana.
Esse conjunto de valores deve ser suficientemente abrangente para poder ser adotado como instrumento de interpretação e crítica do direito positivo, e pode ter origem na lei divina, direito natural, razão humana, consciência universal, sentido jurídico coletivo ou qualquer outra fonte normativa. 
Esses valores impõem uma obrigação pois é um dever imposto tanto ao Estado como aos cidadãos.
Essa obrigação trata não apenas de dar a cada um o que já é seu mas também do que a justiça exija que passe a ser seu, inserindo-se aqui uma conceção de justiça social.
O critério da justiça varia conforme se trate de justiça coletiva (relevando o respeito pelos Direitos Humanos) ou de justiça individual (nomeadamente as ideias de igualdade e proporcionalidade mencionadas por Aristóteles).


Os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos definem justiça como o conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico, objeto de consagração constitucional, de entre os quais os direitos fundamentais assumem primazia; os juízos de justiça material, absoluta e relativa, comutativa e redistributiva, integram mesmo as ideias de proporcionalidade e de igualdade.

No art. 266/2 CRP a justiça é tratada como para além da legalidade, ou seja, deve-se respeitar a legalidade e também a justiça.
Nesse artigo também são referidos os princípios da igualdade, proporcionalidade e boa-fé. Estes devem ser considerados como subprincípios que se integram no princípio da justiça. A razão desse tratamento complementa-se na ideia de que justo é tratar de modo igual aquilo que é igual e não agir excessivamente para além da medida adequada (consagrações dos princípios da igualdade e proporcionalidade). Desta forma o princípio da justiça é o princípio fundamental do art. 266/2 CRP.    

No art. 8º CPA, o eixo de previsão do princípio da razoabilidade é o de não contrariedade à ideia de direito, ou seja, funciona como o último recurso de juridicidade, assente na relevância de valores como a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Para alguns autores, o legislador autonomizou o princípio da razoabilidade e a ideia de racionalidade como prevenção contra decisões discricionárias incoerentes, baseadas em elementos ou fundamentos contraditórios entre si ou face aos fins que se visa a atingir, ou em fundamentos obscuros, falsos, inexistentes ou insuficientes.

O princípio da justiça, de acordo com a versão originária do art. 266/2 da CRP, juntamente com o princípio da imparcialidade eram as principais limitações da atuação administrativa. Desta forma a doutrina, a jurisprudência e o legislador fizeram do princípio da justiça a base para a densificação de outros princípios. Obteve através deles uma relevância mediata, mas consequentemente como princípio autónomo sofreu um progressivo esvaziamento. A sua relevância como limite de [livre] decisão administrativa é diminuto, havendo somente uma única anulação do ato administrativo com base exclusiva no princípio da justiça ( Acórdão STA 14/03/2002). Porém este princípio é invocado pelos tribunais administrativos como um fundamento adicional para a anulação dos atos administrativos. Segundo o Acórdão do STA12/05/1998, o princípio da justiça constitui a última ratio da subordinação da administração ao direito, intervindo apenas em situações onde não sejam aplicadas outras condicionantes da atividade administrativa.

O facto de o legislador ter transformado em critério jurídico de decisão uma regra de mérito faz com que os tribunais também possam recorrer a ele para controlar a atuação da Administração.

A violação do princípio da justiça acarreta como desvalor a ilegalidade.


Bibliografia:
Aulas teóricas do professor regente Vasco Pereira da Silva
Direito Administrativo Geral Tomo I de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos
Curso de Direito Administrativo Volume II de Diogo Freitas Amaral
Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão


Olena Verush nº57089

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