Princípios fundamentais do procedimento administrativo
Desde logo, no art.1º nº1
do Código do Procedimento Administrativo (doravante designado CPA), o
legislador definiu o procedimento administrativo como “a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação,
manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”.
O procedimento administrativo tem o papel principal para
a aquisição e tratamento da informação imprescindível à ação administrativa,
graças à multiplicidade de atuações e de sujeitos que a ele se associam.
Importa salientar os aspetos essenciais do procedimento,
designadamente, o facto de existir um conjunto de atos, uma vez que a sucessão
de formalidades (art.1º nº1 CPA) acarreta atos provenientes de entidades
diversas e com natureza jurídica igualmente distinta. De seguida, também o
facto de estes atos, embora independentes, se complementarem entre si, na
medida em que prosseguem uma função comum, estando, por isso, interligados.
Esta função comum leva-nos ao terceiro aspeto que quero mencionar, que se
traduz na circunstância de os atos procedimentais produzirem um resultado
unitário.
O procedimento administrativo não deve ser confundido com
o processo administrativo, o qual vem referido no nº2 do art.1º do CPA.
Passarei, agora, a elencar os princípios fundamentais do
procedimento administrativo.
1.
Caráter
documental
Em
primeiro lugar, no que diz respeito à forma, e em conformidade com o que dizia
Marcello Caetano1, o procedimento administrativo deve revestir a
forma escrita, ou ainda, tendo em conta os dias que correm, poderá revestir a
forma eletrónica.
Este
requisito formal é aplicável tanto aos estudos, opiniões, discussões e
consensos, como às votações dos órgãos colegiais e às decisões individuais.
O
caráter documental do procedimento administrativo, vê a sua justificação na
necessidade de ponderação das decisões tomadas, e ainda, na necessidade de
haver um registo para o futuro daquilo que foi feito e decidido, seja em papel
ou em suporte eletrónico.
Quanto
às diligências realizadas oralmente, estas vêm consagradas no art.64º nº1 do
CPA.
Se,
por um lado, procedimento e processo administrativo não se confundem, por
outro, a cada procedimento corresponde um processo administrativo, enquanto “(…) conjunto de documentos em que se
traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo (…)”2.
2.
Simplificação
do formalismo
A
simplificação do formalismo concretiza-se no princípio da adequação
procedimental previsto no art.56º do CPA, na medida em que a lei consagra
apenas alguns traços gerais de atuação, bem como as formalidades essenciais,
ficando a orientação do procedimento no âmbito de competências da
Administração, que agirá de acordo com os casos e as circunstâncias, sempre em
conformidade com a lei.
Deste
modo, concluímos que o procedimento administrativo é simplificado ao nível das formalidades
exigidas, sendo mais flexível que o processo judicial.
3.
Natureza
inquisitória
O
princípio do inquisitório, consagrado no art.58º do CPA, e manifestado de forma
relevante nos arts.115º e 117º do CPA, mostra-nos que, contrariamente ao que
ocorre com os tribunais, a Administração tem o direito de iniciativa, com vista
à satisfação dos interesses públicos que deve promover, não estando dependente
dos particulares, em regra.
Por
isso, é correto afirmar que enquanto os tribunais são passivos, por estarem
sujeitos às iniciativas dos particulares, a Administração é ativa, pelos
motivos suprarreferidos.
4.
Princípio
da desburocratização e eficiência
Consagra
o art.5º do CPA os critérios que devem orientar a atuação da Administração
Pública, entre os quais o princípio a que faço referência.
Conforme
refere o Professor Freitas do Amaral, este princípio projeta-se em vários
planos, dos quais analisa o procedimental e o organizatório.
Dentro
destas vertentes, o princípio da desburocratização e eficiência, exige da
Administração Pública uma constante atualização das suas estruturas e métodos
de funcionamento, para que a sua organização possibilite a utilização racional
dos meios disponíveis, descomplicando as suas operações e as suas relações com
os particulares.
No
intuito de respeitar a eficácia e eficiência que deve pautar a atividade
administrativa, importa que se concretizem aspetos essenciais, nomeadamente:
·
Garantir a eficácia da ação administrativa,
na medida em que a Administração deve optar pelos meios procedimentais mais
eficientes e adequados, de modo a que se chegue à melhor solução possível, ou
pelo menos à solução juridicamente correta;
·
Desburocratização, que se traduz em simplificar
as formalidades, reduzindo ao mínimo as que forem desnecessárias, mesmo que
impostas por lei;
·
Aproximar os particulares e os serviços
públicos, seja através da proximidade geográfica, ou ouvindo o que os cidadãos
têm a dizer;
·
Assegurar que as decisões administrativas
são tomadas e executadas dentro de prazos razoáveis ou, pelo menos, dentro dos
prazos legais;
·
Garantir a economia das decisões
administrativas, tendo em vista respeitar o critério económico que o art.5º nº1
do CPA consagra.
Na
realidade portuguesa falham alguns destes aspetos, o que leva a que a nossa
Administração Pública peque por ser ineficaz e ineficiente.
Muito
embora o legislador não dê a devida atenção a este assunto, acredita que uma
generalização da utilização de meios eletrónicos terá a capacidade de aproximar
a Administração Pública e os particulares, na medida em que facilitará a
comunicação entre eles, ao mesmo tempo que dá uma certa ideia de transparência
administrativa (arts.14º nº1 e 4, 61º e 63º, do CPA).
De
igual forma, o CPA de 2015 introduziu uma mudança com vista a melhorar a
eficiência, economicidade e a celeridade da atividade administrativa, na medida
em que instituiu as conferências procedimentais (arts.77º e seguintes do CPA).
Contudo, na opinião do Professor Freitas do Amaral, esta inovação devia ter
estabelecido, desde logo, os casos, condições e termos em que os interessados
poderiam exigir uma conferência procedimental, coisa que não aconteceu.
5.
Colaboração
da Administração com os particulares
A
colaboração da Administração Pública com os particulares é um aspeto
fundamental num Estado de Direito democrático, e vem consagrada no art.11º do
CPA.
Uma
colaboração entre a Administração e os particulares traduz-se, assim, na
prestação de informações e esclarecimentos, no apoio às suas iniciativas e na
abertura para receber as suas sugestões e informações.
Caso
a Administração viole este princípio, e o particular consiga provar inequivocamente
em tribunal, haverá lugar à responsabilidade disciplinar e civil da
Administração, desde que existam danos indemnizáveis. Já será questionável, no
entanto, se neste caso o ato definitivo será considerado inválido.
6.
Direito
de informação dos particulares
O
direito de informação dos particulares, quanto aos processos da administração
em que tivessem interesse, surgiu com o moderno Estado de Direito, em virtude
da transparência da administração pública que este impõe. Até aqui vigorava o
caráter secreto do procedimento administrativo.
A
nossa Constituição consagra este direito, no seu art.268º nº1, determinando que,
para tal, o particular requeira essa informação à Administração, e que tenha um
interesse direto no processo em causa. Também o CPA, nos arts.82º a 85º regula
este direito, estabelecendo três direitos distintos, nomeadamente, o direito à
prestação de informações (art.82º), o direito à consulta do processo e o
direito à passagem de certidões (art.83º).
Em
relação aos outros cidadãos, que não tenham um interesse direto no processo,
podem, nos dias de hoje, e em conformidade com o princípio da administração
aberta (art.17º nº1 CPA), aceder aos arquivos e registos administrativos, sem
prejuízo do disposto no art.268º nº2 CRP.
7.
Participação
dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem
Este
princípio vem consagrado tanto na Constituição da República Portuguesa,
art.267º nº5, como no art.12º do CPA.
A
participação exprime o reconhecimento de várias autonomias sociais e consiste
num elemento fundamental para compreender o Estado de Direito.
As
manifestações deste direito de participação surgem de diversas formas, entre
elas, no direito à audiência prévia dos particulares e no direito de formular
sugestões à Administração, entre outras.
Relativamente
aos casos específicos, em que o direito de participação popular pode ser
exercido em procedimentos administrativos, a Lei nº83/95, de 31 de agosto,
consagra que os interesses em causa terão de ser de saúde pública, ambiente,
qualidade de vida ou património cultural.
A
participação dos cidadãos no procedimento pode ser preventiva ou sucessiva,
consoante ocorra antes da elaboração de um projeto de ação ou depois de já
existir esse projeto. Pode ser individual ou direta e coletiva ou indireta,
conforme seja aberta aos interessados ou aos cidadãos (concretizada através de audiência),
ou seja restringida a entidades institucionalmente representativas dos vários
interesses em presença (realizada através de apreciação pública).
8.
Princípio
da decisão
O
princípio da decisão, que o CPA estabelece no seu art.13º, procura garantir que
a Administração se pronuncie sempre que os particulares o solicitem, mas
sobretudo, pretende proteger os particulares de omissões administrativas
ilegais, garantindo-lhes o direito a reagir em tribunal contra a passividade da
Administração.
Este
princípio aplica-se, igualmente, nos procedimentos públicos.
9.
Princípio
da gratuitidade
Este
princípio, enquanto princípio do procedimento, decorre da sistematização
legislativa, e vem consagrado no art.15º do CPA.
No
entanto, o princípio da gratuitidade acaba por ser mais uma exceção do que uma
regra, uma vez que existem inúmeras situações em que a legislação exige o pagamento
de taxas ou despesas procedimentais.
O
nº2 e 3 do referido preceito, acrescentam que, no caso de insuficiência
económica devidamente comprovada, a Administração isentará o interessado dos
pagamentos procedimentais exigidos, total ou parcialmente. Por fim, importa
mencionar que a insuficiência económica é demonstrada nos termos da Lei
nº34/2004, de 29 de julho, alterada pela Lei nº47/2007, de 28 de agosto.
10. Proteção dos dados pessoais
O
princípio da proteção dos dados pessoais surge na sequência da necessidade da
informação detida pela Administração circular pelos diferentes serviços, o que
traz uma preocupação relativamente à segurança dessa informação, tendo em conta
o seu caráter importante (art.18º CPA).
11. Cooperação leal com a União Europeia
Nos
termos do previsto no art.19º do CPA, a Administração Pública portuguesa e a
União Europeia devem cooperar entre si, na medida em que a Administração
Pública portuguesa participa, cada vez mais, no processo de decisão da União
Europeia, e as instituições e organismos da União Europeia participam cada vez
mais em procedimentos administrativos nacionais.
1 Marcello Caetano - «a escrita é “a verdadeira memória da
Administração Pública”»
2
AMARAL, Diogo Freitas do,
“Curso de Direito Administrativo”, Volume II, pág.275.
Bibliografia:
AMARAL,
Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, 2016
ALMEIDA,
Mário Aroso de, “Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do
Código de Procedimento Administrativo”, Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2015.
Sara Miguel Melo Lavos nº56794 (2º
ano, Turma B, Subturma 11)
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