As Garantias Administrativas
Em destaque neste caso temos as garantias administrativas, dentro das quais se distingue, por um lado, entre aquelas que funcionam como garantias de legalidade e as que funcionam como garantias de mérito, ou seja, que não visam apreciar a legalidade de um ato, mas o seu mérito.
É importante também distinguir as garantias petitórias, dentro das quais se insere o direito de queixa, o direito de petição, o direito de representação, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa - que têm por base um pedido - das garantias impugnatórias, nas quais se insere a reclamação e os recursos hierárquicos - têm por base uma impugnação - nas quais há um ato administrativo a impugnar.
Posto isto, podemos definir as garantias administrativas como aquelas que se efetivam através de um órgão da Administração Pública, aproveitando as próprias estruturas administrativas e os controlos de mérito e de legalidade por elas utilizadas. As garantias são, assim, instrumentos que o Direito Administrativo concede aos particulares para que estes possam defender os seus interesses e direitos, e defender-se quando entendam que a atuação da administração poderá estar a ser lesiva em alguma medida. O recurso das garantias administrativas encontra-se devidamente expresso tanto no CPA, como no CPTA.
- As Garantias Petitórias
No âmbito das garantias petitórias é importante considerar o direito de petição, o direito de representação, o direito de queixa, o direito de denúncia e o direito de oposição administrativa.
Analise-se agora cada um destes direitos.
O direito de petição consiste na faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome determinadas decisões, forneça informações ou permita o acesso a arquivos seus a processos pendentes. Assim, entende-se que este direito não tem caráter impugnatório. Pelo contrário, pressupõe que falta uma determinada decisão ou que é necessário fornecer informação adicional que só a Administração Pública pode facultar.
O direito de representação é a faculdade de pedir ao órgão administrativo que tomou uma decisão que a reconsidere ou confirme, em vista de previsíveis consequências negativas da sua execução. Desta forma, entende-se que no direito de representação pressupõe-se a existência de uma decisão anterior e, nesta medida, trata-se de uma figura distinta do direito de petição. Neste sentido, entende-se que o particular aceita a decisão já tomada, ou pelo menos não a vai impugnar para já, ao contrário do que acontece nas reclamações e nos recursos.
Assim, o particular exerce o seu direito de representação, não para que a Administração Pública revogue ou substitua a decisão tomada, mas sim para chamar a atenção do órgão competente para as possíveis consequências da decisão e para obter do seu autor uma reponderação e uma confirmação escrita da decisão em causa, de modo a excluir a responsabilidade de quem vai ter de cumprir ou executar a decisão.
Quanto ao direito de queixa, este consiste na faculdade de promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeita ao poder sancionatório da Administração. Neste sentido, não estamos perante uma figura petitória stricto sensu, porque não se limita a fazer um pedido genérico, nem estamos perante uma figura impugnatória, porque não se pressupõe a existência de uma decisão prévia tomada pelo órgão ou agente de quem se apresenta queixa. Desta forma, o poder cujo o exercício a queixa desencadeia é o poder sancionatório, ou seja, o poder de aplicar sanções administrativas a alguém.
Assim, o particular queixa-se do comportamento de alguém, não se queixa do ato em si, visto que não há queixas de atos jurídicos, mas sim de pessoas ou de comportamentos de pessoas, com vista à aplicação de sanções adequadas a essas mesmas pessoas. No que diz respeito ao direito de denúncia, este é o ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais aquela autoridade tenha, por dever de ofício, a obrigação de investigar.
Neste sentido, há uma relação entre a queixa e a denúncia, pois toda a queixa é uma denúncia em que se faz a denúncia do comportamento de alguém. No entanto, nem toda a denúncia é uma queixa, pois só há queixa quando esta tem por objeto o comportamento de uma certa entidade, ao passo que pode haver denúncias que tenham por objeto outras realidades que não o comportamento de pessoas singulares ou coletivas.
Por fim, temos então o direito de oposição administrativa. Este define-se como uma figura de contestação em que para certos procedimentos administrativos, os contra-interessados têm o direito de apresentar para combater quer os pedidos formulados por outrem à Administração, quer as iniciativas da Administração que esta tenha resolvido divulgar ao público. Neste contexto, admite-se direito de oposição administrativa ao pedido formulado por um particular à Administração Pública.
Tenha-se por exemplo: um particular solicita à Administração Pública licença para exercer uma certa atividade condicionada, sendo que a lei prevê que os seus concorrentes do mesmo ramo de negócios venham ao processo deduzir oposição ao pedido do particular, a fim de fazerem valer as razões legais que porventura tenham contra o deferimento da pretensão apresentada.
No entanto, existe outra modalidade de contestação, aquela em que a Administração Pública toma a iniciativa de divulgar um determinado projeto de interesse público, i.e, a construção de uma estrada, sendo que a lei concede a certas pessoas ou entidades o direito de deduzirem oposição a esse projeto da Administração.
Todos estes direitos assentam na existência de um pedido dirigido à Administração Pública para que esta considere as razões ou pontos de vista do particular que executa o pedido.
- As Garantias Impugnatórias
As garantias impugnatórias têm como pressuposto uma atuação da administração que seja lesiva para o particular e, podem definir-se como meio de defesa do particular relativamente a tal comportamento com determinados fundamentos, com vista à sua revogação, anulação administrativa ou modificação, nos termos do artigo 184º/1 e 2 CPA.
As garantias impugnatórias podem definir-se, assim, como meios de impugnação de atos administrativos perante os órgãos da Administração Pública. Os principais tipos de garantias administrativas estão presentes nos artigos 191º a 199º do CPA.
Reclamação
Estas garantias podem assumir a forma de reclamação, consistindo no meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio autor. Fundamenta-se esta garantia na circunstância de os atos administrativos poderem ser revogados ou anulados pelo órgão que os tiver praticado e, assim, depreende-se que quem praticou um ato administrativo não se recusará a rever e, eventualmente, a revogar, anular, substituir ou modificar um ato por si anteriormente praticado.
Em regra, pode existir reclamação em qualquer ato administrativo, no entanto, não é possível reclamar de ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, salvo com fundamento em omissão de pronúncia, de acordo com o disposto no artigo 191º CPA. Caso contrário, todas as decisões de reclamações seriam suscetíveis de novas reclamações.
A reclamação, quando interposta, suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme expresso no artigo 190º/3 CPA. No entanto, a suspensão não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa nem de requerer a adoção de providências cautelares (Artigo 190º/4 CPA).
O prazo para apresentar uma reclamação, salvo lei especial, é de 15 dias (Artigo 191º/3 CPA) e, o prazo para o órgão competente decidir sobre a reclamação é de 30 dias (Artigo 192º/2 CPA). Em caso de silêncio do órgão competente, segue-se um novo regime de reação contra a omissão de atos ilegais, o recurso administrativo ou ação de condenação à prática do ato devido (Artigo 192º/3 CPA). Relativamente ao efeito suspensivo ou não suspensivo da reclamação, veja-se os artigos 189º e 190º do CPA.
Recurso Hieráquico
As garantias impugnatórias podem também assumir a forma de recurso hierárquico. O recurso hierárquico define-se como a garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer aos superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido. O regime aplicável a esta garantia encontra-se nos artigos 193º e seguintes do CPA.
O superior hierárquico pode, com fundamento nos poderes hierárquicos, confirmar ou revogar o ato recorrido ou, ainda reclamar a respetiva nulidade. O ato pode ainda ser substituído ou modificado, excepto quando existe competência exclusiva do autor, ou seja, quando o superior hierárquico carece de competência dispositiva sobre a matéria em causa. Entende-se que tanto no caso da impugnação de atos ilegais como no de reação contra omissão ilegal de atos, o superior hierárquico pode substituir-se ao subalterno, a menos que este dispuser de competência exclusiva, caso em que, se der provimento a recurso, só pode ordenar ao subalterno a prática de atos que se lhe afigurarem adequados, de acordo com o disposto no artigo 197º/1 CPA. Assim, são pressupostos do recurso hierárquico, a existência de uma hierarquia, que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno e, por fim, que esse subalterno não tenha competência exclusiva. Estes pressupostos são cumulativos.
O recurso hierárquico apresenta uma estrutura tripartida. Por um lado, temos o recorrente, ou seja, o particular que interpõe o recurso; por outro lado, o recorrido, ou seja, o órgão subalterno de cuja a decisão se recorre; e, por fim, temos o órgão decisório, entenda-se este como órgão superior para quem se recorre e que deve legalmente decidir o recurso.
O recurso hierárquico é sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada, conforme o disposto no artigo 194º/1 CPA.
Quanto ao prazo do recurso, se este tiver por objetivo a impugnação de um ato, e este tiver de ser notificado ao interessado, o prazo só corre a partir da data de notificação (artigo 188º/1 CPA). No entanto, nos restantes casos, o prazo conta-se a partir da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da sua execução, conforme o que ocorre no primeiro (188º/2 CPA); vigora o disposto no artigo 198º/1 do CPA que determina que quando a lei não fixe o prazo diferente, então o prazo é de 30 dias para o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário. Se o recurso tiver por objeto contestar a omissão legal de um ato, o prazo para a respetiva interposição, conta-se da data do incumprimento do dever de decisão (artigo 188º/3 CPA).
A lei fixa o prazo de 30 dias para a interposição do recurso, salvo nos casos especialmente previstos na própria. Desta forma, se o recurso não for interposto dentro do prazo, a impugnação contenciosa que venha depois a dirigir-se contra o ato pelo qual o superior decida o recurso estará fora de prazo e, consequentemente, rejeitada.
Assim, a interposição do recurso hierárquico, como qualquer outro recurso, pode produzir efeitos jurídicos, como o efeito suspensivo e o efeito não suspensivo. O efeito suspensivo consiste na suspensão automática da eficácia do ato recorrido, ou seja, o ato impugnado fica suspenso atá à decisão final do recurso. No nosso Direito, os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo, ao passo que os facultativos não têm (Artigo 189º/1 e 2 CPA), salvo se a lei ou o órgão decidir em contrário, conforme o nº 2 a 4 do mesmo artigo.
O efeito não suspensivo, consiste no facto de o ato recorrido manter a sua eficácia, enquanto o superior hierárquico competente não decidir sobre ele, sem prejuízo de um superior hierárquico poder - oficiosamente ou a requerimento do interessado - suspender o ato recorrido (Artigo 189º/ 2 a 4 CPA).
No caso de ser interposto um recurso hierárquico de certo ato administrativo, e a autoridade não se pronunciar no prazo normal, aplica-se o disposto nos artigos 66º e seguintes do CPTA, em matéria de ação administrativa de condenação à prática do ato devido.
No entender do Prof. Freitas do Amaral, a decisão do recurso hierárquico nunca pode ser qualificada como ato da função jurisdicional, pois falta-lhe as principais características dessa função, nomeadamente a intervenção de um tribunal e a produção do caso julgado.
As garantias impugnatórias também podem apresentar a forma de recursos hierárquicos impróprios, em que a impugnação é feita perante autoridades administrativas que, não sendo superiores hierárquicos do autor do ato impugnado, são órgãos da mesma pessoa coletiva e exercem sobre o autor do ato impugnado poderes de supervisão (recursos administrativos especiais, segundo o artigo 199ºCPA).
Por fim, estas garantias podem ainda assumir a forma de recurso tutelar, em que a impugnação é feita perante uma entidade tutelar, isto é, perante um órgão de outra pessoa coletiva diferente daquele cujo órgão praticou o ato impugnado e que exerce sobre esta poderes de tutela ou de superintendência (recurso administrativo especial, segundo o artigo 199ºCPA).
- A queixa ao Provedor de Justiça
O Provedor de Justiça trata-se de uma alta autoridade administrativa, eleita pelo Parlamento, que é independente do Governo, da Administração e dos Tribunais, e que tem por função receber queixas dos particulares contra ações ou omissões da Administração Pública e utilizar a sua autoridade, o seu poder de persuasão, para levar as autoridades administrativas a reparar as injustiças ou as ilegalidades que tiverem cometido, ou a alterar as decisões que possam ser consideradas má administração.
Neste contexto, é importante conceber uma alta autoridade que, com espírito de justiça, estude as queixas que lhe sejam formuladas nos casos concretos apresentados pelos particulares.
Esta autoridade pode ocupar-se de quaisquer questões que sejam levadas perante si relativamente às atividades dos poderes públicos, por ação ou omissão, podendo ocupar-se tanto de questões de legalidade como de questões de mérito. No entanto, no âmbito da prática portuguesa, o Provedor de Justiça funciona como órgão de controlo de legalidade administrativa, de caráter gratuito e mais rápido que os tribunais administrativos.
O Provedor de Justiça só pode formular recomendações jurídicas necessárias para prevenir ou reparar injustiças; pelo uso da teoria dos poderes implícitos, é-lhe permitido dialogar com as autoridades administrativas em causa e, até certo ponto, pressioná-las para que cumpram a lei ou corrijam os erros ou omissões, no sentido de revogar, anular ou substituir um ato, ou ainda, no caso de o ato ter sido omitido ou que esteja a tardar, para que seja rapidamente praticado.Os poderes deste são apenas poderes persuasórios, uma vez que estuda cada caso concreto e, se entender que o particular tem razão na sua queixa, dirige recomendações às autoridades competentes.
Em suma, é importante realçar que o Provedor de Justiça não tem poder decisório, isto é, não pode anular ou revogar atos administrativos, nem pode substituir-se às autoridades competentes para praticar em vez delas os atos que considere legalmente devidos, ou para substituir atos injustos ou inconvenientes por atos que considere mais justos ou mais convenientes.
Marta Pires Pinheiro
Nº 57367
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