As garantias dos particulares face à Administração Pública
A Constituição da República Portuguesa reconhece os direitos
e interesses dos cidadãos, bem como a subordinação da Administração Pública à
lei (arts. 226º/1 e 2 CRP). No entanto, não basta para garantir um efetivo meio
de reação dos interessados relativamente a uma infração por parte da
Administração.
- · Garantias em geral
As garantias dos particulares podem ser definidas, segundo o
Professor Freitas do Amaral, como os meios criados pela ordem jurídica com a
finalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objetivo, as ofensas
dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares ou o
demérito da ação administrativa pública.
As garantias dos particulares podem ser políticas,
administrativas e contenciosas.
- · Garantias políticas
Estas garantias são efetivadas através dos órgãos políticos
do Estado, sendo que as verdadeiras garantias dos particulares, em casos
individuais e concretos, são o direito de petição (art. 52º CRP) e direito de
resistência (art. 21º CRP).
1. Direito de petição (art. 52º CRP)
Corresponde ao direito dos cidadãos de apresentar,
individual ou coletivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer
autoridades, petições, queixas, reclamações para defesa dos seus direitos, da Constituição,
das leis ou do interesse geral e o direito de serem informados em prazo
razoável.
Este direito tem a vantagem de poder ser exercido, não
somente por nacionais, mas por quaisquer pessoas que se encontrem ou residam em
território português, para além de não estar sujeito a qualquer formalidade ou
processo específico.
Os destinatários destas petições são quaisquer órgãos
públicos, à exceção dos tribunais.
2. Direito de resistência (art. 21º CRP)
Corresponde ao direito de resistir a qualquer ordem que
ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força
qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
Esta resistência pode efetivar-se relativamente a uma
agressão privada ou a um ato da autoridade pública, sendo esta segunda a que
mais releva no âmbito do Direito Administrativo.
No entanto, as garantias políticas não constituem a forma
mais eficaz de proteção dos direitos dos particulares, não sendo inteiramente
suficientes nem seguras, uma vez que as questões vão ser apreciadas segundo
critérios de conveniência política, quando o que os particulares precisam é de
garantias jurídicas.
- · Garantias administrativas
As garantias que se efetivam através da atuação e decisão de
órgãos da Administração Pública.
A ideia fundamental em que assenta a existência de garantias
administrativas consiste na institucionalização dentro da própria Administração
de mecanismos de controlo da sua atividade, os quais são criados por lei para
assegurar o respeito da legalidade e a observância do dever da boa
administração, mas também com vista a assegurar o respeito pelos direitos
subjetivos ou os interesses legítimos dos particulares.
Estas garantias são mais importantes e eficazes do que as
garantias políticas do ponto de vista da proteção jurídica dos particulares. No
entanto, não são inteiramente satisfatórias porque os órgãos da Administração,
por vezes, também se movem por preocupações políticas e porque se guiam mais
por critérios de eficiência na prossecução do interesse público do que pelo
desejo rigoroso de respeitar a legalidade e os direitos subjetivos ou
interesses legítimos dos particulares.
Relativamente aos particulares, distinguem-se as garantias
da legalidade e garantias de mérito, sendo que estas últimas apreciam o mérito
de um ponto não jurídico.
A- Garantias petitórias
1. Direito
de petição
Faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para
que tome determinadas decisões, preste informações ou permita o acesso a
arquivos seus ou a processos pendentes.
A petição não tem caráter impugnatório, uma vez que não se
ataca um ato que se pretende eliminar, pressupondo-se que falta uma determinada
decisão por parte da Administração.
No âmbito destas garantias cabem os direitos ou faculdades
de reagir contra omissão legal de atos administrativos (art. 184º/1 b) CPA), de
informação dos interessados sobre procedimentos que lhes digam respeito (art.
82º CPA) ou que provem ter interesse legítimo na matéria (art. 85º CPA), de
consulta de processo e de obter a passagem de certidões (art. 83º CPA).
Qualquer pessoa tem legitimidade para exercer este direito.
2. Direito de representação
Faculdade de pedir ao órgão que tomou uma decisão a
reconsideração ou confirmação da mesma.
Esta figura distingue-se da impugnação, uma vez que não
consiste numa oposição clara do interessado à decisão tomada, mas apenas numa
chamada de atenção para as prováveis consequências da mesma por parte do
particular.
3. Direito de queixa
Traduz-se na possibilidade de abertura de um processo que
pode culminar na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeita ao poder
sancionatório da Administração.
Nesta figura, o particular queixa-se do comportamento de
alguém e não de um ato, não sendo, por isso, petitória nem sancionatória.
4. Direito de denúncia
Ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de uma autoridade
a ocorrência de determinado facto sobre o qual tenha a obrigação de investigar.
Este instituto está relacionado com a queixa, uma vez que
uma queixa é uma denúncia porque em toda a queixa se faz uma denúncia do
comportamento de alguém. No entanto, como realça o Professor Freitas do Amaral,
nem toda a denúncia é uma queixa, pois a denúncia pode ter por objeto o
comportamento de outras realidades além do comportamento de pessoas singulares
ou coletivas.
5. Oposição administrativa
Contestação que os contra-interessados têm o direito de
apresentar para combater tanto os pedidos formulados à Administração, como as
iniciativas da Administração que tenha divulgado ao público.
B - Garantias impugnatórias
As garantias impugnatórias são as garantias que permitem aos
particulares atacar um ato administrativo, com objetivo de proceder à sua
revogação, anulação administrativa, modificação ou substituição (art. 184º/1 e
2 CPA). Em caso de omissão apela-se à prática do ato ilegalmente omitido.
O direito dos particulares pode passar pela solicitação da
revogação, anulação, modificação ou substituição dos atos administrativos
ilegais ou inconvenientes através da utilização de meios impugnatórios (arts.
184º/1 e 185º/3 CPA), sendo esta legitimidade dos particulares reconhecida
àqueles que se sintam lesados nos seus direitos subjetivos ou interesses
legítimos, mas também aos que possam intervir na defesa de interesses difusos
(art. 186º/1 CPA).
No entanto, ficam impedidos de reclamar ou recorrer
administrativamente aqueles que tenham aceitado o ato administrativo depois de
praticado (art. 186º/2 CPA).
Por sua vez, estas garantias subdividem-se em quatro tipos,
segundo os artigos 191º a 199º do CPA:
1. Reclamação
Meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu
ator.
Esta figura fundamenta-se pelo facto de os atos
administrativos poderem, em geral, ser revogados ou anulados pelo órgão que os
praticou, partindo-se do princípio de que quem praticou o ato administrativo
não se recusará a rever, revogar, anular ou qualquer outro ato que tenha sido
por si praticado.
Hoje em dia, a reclamação prévia não é necessária para
efetivar uma impugnação contenciosa, sendo facultativa. Em regra, pode
reclamar-se de qualquer ato administrativo, não sendo possível reclamar de ato
que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, exceto com fundamento
em omissão de pronúncia (art. 191º/2 CPA).
O prazo para apresentar uma reclamação é de 15 dias (art.
191º/3 CPA) e o prazo para o órgão competente decidir é de 30 dias (art. 192º/2
CPA).
2. Recurso hierárquico
Nos dias de hoje, o recurso hierárquico tem uma definição
abrangente, consistindo tanto na impugnação de atos administrativos praticados,
como na reação contra a omissão ilegal de atos administrativos dirigida ao
superior hierárquico do autor do ato.
Se o órgão subalterno dispuser de competência exclusiva,
apenas pode ser obrigado à prática do ato (art. 197º/1 CPA). Fora deste caso, o
superior hierárquico pode, em princípio, substituir-se ao subalterno em ambos
os casos mencionados.
Para poder haver recurso é necessário existir hierarquia e é
necessário que tenha sido praticado ou omitido um ato administrativo por um
subalterno que não goze de competência exclusiva.
Os recursos hierárquicos podem ser classificados em:
- Recursos de legalidade, se o particular alegar como
fundamento a ilegalidade do ato ou da omissão do ato.
- Recursos de mérito, se o motivo for de mera inconveniência.
- Recursos mistos, se o particular alegar ilegalidade e
inconveniência.
Podem ainda ser classificados em recursos hierárquicos
necessários ou facultativos (art. 185º/1 CPA), sendo que a regra geral é a da
facultatividade (art. 185º/2 CPA), não constituindo o recurso um passo
intermédio indispensável para recorrer à via contenciosa. Portanto, o recurso
hierárquico necessário é aquele que é indispensável para se atingir um ato
verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente, enquanto o
facultativo é um ato verticalmente definitivo ou uma omissão ilegal de que já
cabe ação contenciosa.
O recurso tem que ser apresentado ao órgão subalterno (art.
194º/ 2 CPA) e sempre dirigido ao mais elevado superior hierárquico do mesmo
(art. 194º/1 CPA), salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada
ou subdelegada.
Quanto aos prazos para a interposição do recurso, quando o
objeto é a impugnação de um ato, o prazo é de 30 dias (arts. 188º/1 e 2 e 198º/1
CPA). Se o objeto do recurso for a contestação da omissão de um ato, o prazo
conta-se da data do incumprimento do dever de decisão (art. 188º/3 CPA).
A interposição do recurso pode ter efeitos suspensivos ou
não suspensivos, ocorrendo a suspensão automática ou não do ato recorrido até à
reapreciação do superior hierárquico. Em regra, os recursos hierárquicos
necessários têm efeito suspensivo, mas não os recursos hierárquicos
facultativos (art. 189º/1 e 2 CPA).
Se o recurso hierárquico tiver efeito não suspensivo, o ato
recorrido mantém a sua eficácia, enquanto o superior hierárquico competente
decidir sobre ele, sem prejuízo de um superior poder, oficiosamente ou a
requerimento do interessado, suspender o ato (art. 189º/2 a 4 CPA).
A decisão do recurso hierárquico pode originar rejeição do
recurso por questões de forma (art. 196º CPA), a negação do provimento,
mantendo-se o ato que foi recorrido ou a concessão do provimento, podendo
implicar a revogação, anulação, modificação ou substituição do ato recorrido.
Se o recurso hierárquico tiver por objeto a omissão ilegal
de um ato pelo subalterno, o órgão decisório pode proceder de duas formas: o
superior pode ordenar ao órgão subalterno a prática do ato ilegalmente omitido,
no caso do órgão subalterno ter competência exclusiva, sob pena de sanções e,
se não houver competência exclusiva do órgão recorrido, o órgão competente para
decidir pode substituir-se pelo órgão omisso na prática do ato ilegalmente
omitido (art. 197º/4 CPA).
A autoridade decisória deve pronunciar-se em 30 dias,
podendo alongar-se o prazo até aos 90 dias (art. 198º/1 e 2 CPA).
Os recursos hierárquicos impróprios correspondem aos
recursos nos quais se impugna um ato administrativo por um órgão da mesma
pessoa coletiva daquele que praticou o ato, sobre o qual exerce poderes de
supervisão (art. 199º/1 CPA) e quando a lei atribua poder de supervisão sobre
um órgão de uma pessoa coletiva a um mesmo órgão da pessoa coletiva, fora do
âmbito de uma relação hierárquica (art. 176º/1 CPA). Subsidiariamente, são
aplicáveis a este recurso as disposições que regulam o recurso hierárquico
(art. 176º/3 CPA).
Já o recurso tutelar corresponde à impugnação do ato ou
omissão de uma pessoa coletiva autónoma a um órgão de outra pessoa coletiva
pública, que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência. Esta
figura tem natureza excecional, ou seja, só é possível quando a lei
expressamente o previr (art. 199º/1 CPA) e apenas pode ter por fundamento a
inconveniência nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito (art.
199º/3 CPA).
C. Queixa
ao “Provedor de Justiça”
A figura do Provedor de Justiça é definida, segundo o Professor
Freitas do Amaral, como uma garantia administrativa dos direitos dos
particulares face à Administração Pública.
A função principal do Provedor de Justiça é defender e
promover os direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos
e procurar assegurar a justiça e a legalidade no exercício dos poderes
públicos. No entanto, há quem entenda que é incorreto classificá-lo como uma
garantia administrativa.
Segundo o artigo 23º da Constituição da República
Portuguesa, o Provedor de Justiça detém apenas poderes persuasórios e não
decisórios. Contudo, o Provedor de Justiça tem a capacidade de denunciar os
casos em que as suas opiniões não são tidas em conta em conferências de
imprensa ou no seu relatório anual.
- · Garantias contenciosas
As garantias contenciosas efetivam-se através dos tribunais,
sendo as mais eficazes a assegurar a defesa dos direitos subjetivos e
interesses legítimos dos particulares.
O contencioso administrativo é, em sentido material, a
totalidade de litígios que envolvam a Administração Pública e que são solucionados
pelos tribunais administrativos ao abrigo da legislação aplicável.
Atualmente, o leque das garantias contenciosas é mais amplo,
sendo que as principais são:
- Garantias quanto aos regulamentos administrativos.
- Garantias quanto aos atos administrativos.
- Garantias quanto aos contratos administrativos e públicos.
- Garantias quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades
ou situações.
- Garantias quanto às operações materiais da Administração.
- Garantias de caráter urgente
Portanto, à Administração compete administrar no respeito
com a legalidade, mas com poderes discricionários e aos Tribunais não compete
apreciar o mérito da ação administrativa, mas a respetiva legalidade, não sendo
o princípio da separação de poderes posto em causa.
Em conclusão, as garantias dos particulares perante a
Administração Pública são algo essencial no Direito Administrativo português,
especialmente desde que ocorreu a reforma do Código de Procedimento
Administrativo em 2015, tendo em conta que o novo código teve especial atenção
em relação a tudo o que é relativo aos particulares, concedendo-lhes uma maior
oportunidade de intervenção e, consequentemente, uma maior proteção da sua
posição perante a Administração.
Bibliografia:
- Amaral, Diogo
Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina,
2016
- Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de, Direito
Administrativo Geral Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 2ª Edição,
Dom Quixote, 2006
Ana Margarida
Norte
Nº 56812
Comentários
Enviar um comentário