Da admissibilidade do contrato enquanto figura de direito público:
O presente texto
destina-se a tecer algumas considerações sobre a admissibilidade da figura do
contrato enquanto figura do direito público.
A cronologia dos contratos
públicos em Portugal comprime, segundo Sérvulo Correia, quatro fases[1]
A primeira fase, vai desde
os decretos de Mouzinho da Silveira até á publicação do código administrativo, excetuando
o período de vigência das leis de 1835 e do código de 1836. Neste período os
tribunais conheciam das questões suscitadas sobre o sentido ou a execução das cláusulas
dos contratos entre a administração e os empreendedores ou arrematantes das rendas,
obras o fornecimentos.
A segunda fase corresponde
a vigência dos códigos de 1886, 1895 e 1896 e caracteriza-se pela forma como a competência
dos tribunais administrativos foi restringida, em matéria de contratos, à
determinação do sentido das respetivas claúsulas.
A terceira fase inicia-se
com os decretos de 27 de Fevereiro de 1930 e os de 15 de janeiro de 1931,
caracterizando-se pela inversão radical da evolução anterior, quer no plano dos
tipos de acção, quer no tipo de contratos abrangidos pelo contencioso.
A quarta e última fase
inicia-se com a publicação do código de 1936
e estabeleceu o princípio do contencioso dos contratos apenas para os contratos
que surjam taxativamente enumerados, verificando-se um retrocesso no
alargamento da competência do contencioso que se verificou na terceira fase.
Na doutrina jus publicista
a defesa da incompatibilidade da figura do contrato com aquilo que é entendido
como sendo a essência e natureza do direito público foi feita de forma assente
em considerações sobre a soberania do estado e a igualdade entre as partes.[2]
O argumento que rejeita o
contrato administrativo com base em noções de soberania considera que sendo o
estado soberano este não se pode vincular indefinidamente aquilo que fica
estabelecido por um contrato. Este foi o ponto defendido por Otto Mayer que em
lugar do contrato preferia que administração funcionasse em situações que no
direito privado estariam reservadas ao contrato através da justaposição de dois
ato administrativos: o primeiro destes atos imponha a prestação e o segundo
estabelece uma indeminização tida antecipadamente por justa caso se torne
necessária. A vantagem desta solução estaria em que os atos seriam unilateralmente
revogáveis enquanto que as relações bilaterais do contrato colocam amarras
asfixiantes e inaceitáveis para uma administração soberana.
O segundo argumento
postula que num contrato celebrado entre o estado e uma qualquer outra parte
não existiria a necessária igualdade entre partes que caracteriza o contrato
enquanto figura do direito.
A doutrina atual aceite,
no entanto, a figura do contrato público. Existem inclusivamente áreas do
direito público dedicadas, em exclusivo, ao estudo da contratação pública[3].
À ideia de que o contrato
colocaria em causa a soberania do estado responde a doutrina, relembrando, que
a administração não é exclusivamente constituída pelo estado e que a ideia de
que a soberania deve ser limitada por lei e exercida com base nela é atualmente
ponto assente[4].
O primeiro argumento apresentado contra da ideia de que o contrato público
coloca em causa a soberania é particularmente relevante num contexto em que a
administração passa a incluir entidades de direito privado e regidas na sua
ação por normas de direito privado.
Em relação à ideia de que
o contrato com a administração não possui o necessário equilíbrio entre as
partes argumenta-se que o estado se vincula perante o particular através do
contrato e que por este mecanismo se produz uma maior igualdade. Acresce a isto
que nos contratos totalmente regidos por direito privado também não existe uma
total igualdade, mas sim uma igualdade na forma como as partes ficam vinculadas
à prestação de modo a que a prestação de uma das partes seja justificação bastante
para a prestação da outra parte.
Conclui-se, assim, pela admissibilidade
do contrato como figura do direito público.
Bernardo Freitas
[1] Coreia
Sérvulo, Contrato Administrativo, pp. 14 a 16
[2] Amaral
Freitas Curso de direito administrativo Parte II, pp.447
[3] Amaral Freitas Curso de direito administrativo
Parte II, pp.448
[4] Até
mesmo juristas tidos por filiados em visões mais autoritários reconheciam a existência
de limites a soberania. Marcelo Caetano escrevia:” (…) A própria soberania é
limitada pela moral e pelo direito natural.” Caetano Marcelo Manual de Direito administrativo
pp.57
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