Desvio de poder


Da decisão discricionária e vinculada da Administração resulta o ato administrativo, cuja definição legal está prevista no artigo 148º do Código de Procedimento Administrativo. O professor Diogo Freitas do Amaral define o ato administrativo como “o ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

O ato administrativo é válido caso se encontre dentro dos requisitos e pressupostos da validade, como a existência de pressupostos subjetivos (requisitos relativos ao autor, à competência deste e aos destinatários) e pressupostos materiais (relativos ao conteúdo). Nestes termos, conclui-se que, se o ato administrativo não cumprir os requisitos de legalidade será, inevitavelmente, inválido. Assim se fala nos vícios do ato administrativo, ou mesmo na teoria dos vícios administrativos, onde se distinguem cinco: a usurpação do poder; a incompetência; o vício de forma; o desvio de poder e a violação da lei. Os dois primeiros correspondem a uma ilegalidade orgânica; o vício de forma constitui uma ilegalidade formal, como o próprio nome o indica, e os dois últimos padecem de um vício material.

O desvio de poder teve início histórico em França através da jurisprudência que se desenvolveu na época de 1840/1860, sendo que umas das dificuldades apontadas inicialmente foi a necessidade de um fundamento, ou seja, uma prova para que se reconhecesse que teria existido, de facto, um desvio de poder. Na época entendia-se que só seriam anuláveis os atos onde houvesse uma expressão real a confessar o vício. Dada a evolução do Direito, no início do século XX passa a ser necessária a fundamentação dos atos administrativos.

Em Portugal, o desvio de poder passou a ser reconhecido pela lei LOSTA, no seu artigo 15º/1, atualmente revogada pela entrada em vigor do Código de Procedimento do Tribunal Administrativo.

Esta figura resulta da discrepância da utilização de um poder discricionário por uma razão diversa daquela que a lei lhe pretendeu atribuir. Nestes termos, há desvio de poder sempre que a Administração Pública prossiga um fim diferente do legal.

Para se conseguir determinar se existiu desvio de poder, é necessário chegar à diferença entre o fim legal (o fim atribuído pela lei ao poder em causa) e o fim real (o fim inerente ao exercício desse mesmo poder discricionário). Este desvio pode ser resultado de uma interpretação errada, ou de má fé. Contudo, não se distingue uma situação da outra uma vez que ambas pressupõem desvio de poder.

O desvio de poder pode ser de interesse privado ou de interesse público:

- O desvio pelo interesse privado verifica-se sempre que se prossegue um fim privado ao invés de um fim público. A corrupção é um exemplo de desvio de poder de interesse privado. Por exemplo, quando se faça um concurso público para atribuição de subsídios a empresas, e se favoreça um particular por este ser parente. Nesta situação, o CPA prevê, no artigo 161º/2/e), a nulidade do ato.

- O desvio por interesse público identifica-se quando não se prossegue o fim legal, mas o fim prosseguido não deixa de ser um interesse público. Os atos que padecem do vício do desvio de poder por interesse público são anuláveis, segundo o artigo 163º/1 do CPA, uma vez que não é para aquele fim que se determina a competência.

Não obstante, nos dias que correm, denota-se um declínio da teoria dos vícios do ato administrativo, uma vez que estes cinco vícios não são taxativos das formas de ilegalidade do ato, e que estes poucas vezes são exigidos para fundamentar um vício através de uma impugnação por um particular. Tal deve-se ao facto de esta teoria ser bastante remota. Esta foi inicialmente criada para possibilitar aos particulares a impugnação das ações da Administração Pública. Hoje em dia existe um âmbito muito mais vasto de requisitos de legalidade, podendo os particulares impugnar os atos sem necessidade de recorrer a estas cinco figuras.

Apesar da teoria dos vícios administrativos estarem, segundo os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, em declínio, não deixa de ser notável o papel que esta teoria teve na proteção dos particulares contra a Administração e o seu poder discricionário. O vício do desvio de poder permitiu, e permite ainda hoje, que exista um controlo dos fins que a Administração prossegue, de modo a que não exista uma fuga total ao fim legal.

 Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do -  Curso de Direito Administrativo Volume II, 3ºedição, Almedina, 2016.

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo II, Dom Quixote, 2007.


Sónia Duarte, nº 57315

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