Do dever de fundamentação




A fundamentação de um acto administrativo consiste na “ enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto”.
Durante muito tempo, a fundamentação só era obrigatória nos casos em que as leis avulsas a exigissem. Apesar da novidade que trouxe consigo o primeiro Código de Procedimento Administrativo (de ora em diante, CPA), actualmente o dever de fundamentação dos atos administrativos encontra-se regulado nos artigos 152.º a 154.º do CPA de 2015.
É certo, contudo, que sobre a matéria do dever de fundamentação também se pronuncia o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição (de ora em diante, CRP). Mas como a lei ordinária, em matéria de fundamentação dos atos administrativos, é mais extensa e exigente que a CRP, basta como faremos doravante, recorrer à lei ordinária para conhecer o regime jurídico em vigor.
Os casos em que existe o dever de fundamentação estão previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 152.º do CPA, elenco esse que trata dos atos lesivos de interesses de terceiros. Sintetizando o seu teor: na alínea a), vêm referidos os os actos primários desfavoráveis; na alínea b), as decisões das reclamações e dos recursos administrativos; na alínea c), os atos de indeferimento; na alínea d), os atos contrários à prática habitual; na alínea e), referem-se os atos secundários.
Para uma melhor compreensão da exigência de fundamentação, parece oportuno recordar as razões de ser do dever de fundamentação. Sem prejuízo do já tradicional elenco de RUI MACHETE, interessa agora focar a nossa atenção num deles: o controlo da administração. O dever de fundamentar tem um teor de controlo, uma vez que, por um lado, implica a necessidade de ponderação de todos os fatores que devam influenciar a decisão e, por outro, facilita o controlo pelos órgãos dotados de poderes de supervisão, bem como a eventual impugnação contenciosa do ato. Em resumo, o objetivo imediato da fundamentação é, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um acto com determinado conteúdo, como aliás se depreende da parte final do n.º 2 do artigo 153.º do CPA.
No fundo, o dever de fundamentação está previsto para aqueles atos que VIERA DE ANDRADE identifica como sendo atos praticados ao abrigo de uma ideia de “Administração de Autoridade”, em que o ato resulta de uma vontade unilateral do órgão administrativo no exercício de uma competência legalmente atribuída. Quer isto dizer que, qualquer ato que não caiba expressamente na previsão da norma, ou cuja fundamentação não esteja prevista em legislação especial, acarretará para o órgão que o praticou um dever de fundamentação expresso.
O dever de fundamento é um conceito relativo?
A fundamentação  tem de preencher os seguintes requisitos: tem de ser expressa e tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão, de acordo com o disposto no artigo 153.º do CPA. É no segundo requisito que vamos centrar a problemática em questão.
Na sequência da previsão do artigo 153.º do CPA, no que ao dever de fundamentar diga respeito, há que referir o quadro jurídico que habilita a Administração a decidir, ou a decidir de certo modo. Trata-se de um corolário do princípio da legalidade.
No mesmo sentido, aponta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 25 de Maio de 1993, que “ dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos atos administrativos, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, este ficará assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão em causa se situe inequivocamente num determinado quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal.

Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª edição, 2016, p.314
CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo I, pp.477-478

FREITAS DO AMARAL, Diogo, Código do Procedimento Administrativo Anotado, p.229;
OTERO, Paulo, AtoAdministrativo, do estudocolectivo Procedimento Administrativo, p.493-494
PORTOCARRERO, Marta, A, Audiência dos interessados e o conteúdo da fundamentação, in
CJA, 41, 2003, p.14 e ss.
MACHETE, Rui, O Processo Administrativo Gracioso Perante a Constituição Portuguesa de 1976, in Estudos de Direito Público e Ciência Política, Lisboa, 1991, p.380
ANTUNES, Luís Filipe Colaço – Nem utopia nem utopia ambiental mas défice da fundamentação do acto (Ac. do STA – 1.ª Secção, de 28/1/1999),in CJA, n.º 15, 1999, p.43 e ss.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2007
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc.1127/13,de 26.09.13
CADILHA, C.A. Fernandes(org.), Jurisprudência Administrativa escolhida, Lisboa, 1999, p.360
João Santiago Neves
n.º 56966

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Diferenças entre o sistema administrativo britânico e o sistema administrativo francês

Princípio da Responsabilidade

Os Vícios do Ato Jurídico