Invalidade do ato administrativo

O professor Freitas do Amaral caracteriza a invalidade do ato administrativo como o “valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir”.
 Um ato administrativo que viola a lei é um ato ilegal. Ora durante muito tempo a ilegalidade foi vista como a única fonte de invalidade. Atualmente entende-se que há mais fontes de invalidade como por exemplo a ilicitude ou os vícios da vontade (exemplos que explicarei adiante).


Ilegalidade do ato administrativo

A ilegalidade do ato administrativo pode revestir várias formas. Estas formas chamam-se vícios do ato administrativo, ou seja, são as formas específicas que a ilegalidade do ato pode revestir.
São essas:

1.      Usurpação de poder (ilegalidade orgânica)
2.      Incompetências (ilegalidade orgânica)
3.      Vício de forma (ilegalidade formal)
4.      Violação da lei (ilegalidade material)
5.      Desvio de poder (ilegalidade material)


Usurpação de poder é o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um ato excluído das atribuições do poder executivo, mas incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador, ou do poder judicial. Ou seja, consiste na ofensa, por um órgão da Administração Pública, do princípio da separação de poderes (artigo 2º e 111º da CRP), através da prática de atos incluídos nas atribuições do poder judicial ou do poder administrativo (artigo 133º nº 2 al. a) do CPA).

Usurpação de poderes comporta três modalidades:

- Usurpação do poder legislativo - o órgão administrativo realiza um ato pertencente às atribuições do poder legislativo (exemplo: A criação de um imposto por ato administrativo. A criação de impostos so pode ser feita pelo poder legislativo – artigo 165º nº1 alínea i)

- Usurpação do poder moderador – O órgão administrativo realiza um ato pertencente às atribuições do poder moderador (presidencial). (exemplo: Despacho do primeiro ministro a demitir um funcionário da presidência da republica) 

 - Usurpação do poder judicial – o órgão administrativo pratica um ato que pertence as atribuições do poder judicial (exemplo: Câmara municipal que ordena a demolição de obras feitas num terreno que seja propriedade privada)
Incompetência é o vício que consiste na prática, por um órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo.
Repare-se na distinção entre usurpação e incompetência. Na primeira há uma ingerência do poder executivo na esfera de outro poder do estado. Na segunda é necessário que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo. 

 A incompetência pode revestir varias modalidades:

·         Incompetência absoluta - quando um órgão da Administração pratica um ato fora das atribuições da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence;

·          Incompetência relativa - quando um órgão de uma pessoa coletiva pública pratica um ato que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva;

·          Incompetência em razão da matéria - quando um órgão da Administração invade os poderes conferidos a outro órgão da Administração em função da natureza dos assuntos;

·          Incompetência em razão da hierarquia - quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico, isto é, quando o subalterno invade a competência do superior, ou quando o superior invade a competência própria ou exclusiva do subalterno;

·          Incompetência em razão do lugar - quando um órgão da Administração invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território;

·          Incompetência em razão do tempo - quando um órgão da Administração exerce os seus poderes legais em relação ao passado ou em relação ao futuro (salvo se a lei, excecionalmente, o permitir, ou seja pratica um ato antes ou depois do momento ou período de tempo que se encontra habilitado a fazer.

Vício de forma

Vicio que consiste na preterição de formalidades essenciais (vício procedimental), ou na carência de forma legal (vício de forma em sentido restrito).
Este vicio comporta 3 modalidades:

·         Falta de formalidades anteriores à prática do ato;
·         Falta de formalidades relativas à prática do ato;
·         Carência de forma legal

É importante salientar que a preterição de formalidades posteriores a pratica do ato não produz ilegalidade (nem invalidade) do ato administrativo. Apenas produz a sua ineficácia.
Tal porque a validade de um ato administrativo se afere sempre pela conformidade desse ato com o ordenamento jurídico no momento em que é praticado.





Violação da lei

Discrepância entre o conteúdo ou objeto do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis.  Este vício configura uma ilegalidade de natureza material, o que significa que a substância do ato administrativo é contrária a lei. 
O vício de violação de lei produz-se quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decide coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decide quando a lei manda decidir algo. É a própria substancia do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa verifica-se no próprio conteúdo ou no objeto do ato.

Tal como vícios anteriores, também a violação da lei comporta várias modalidades:

·         A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
·         O erro de direito cometido pela administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
·         A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
·         A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
·         A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos de facto ou de direito relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo;
·         A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato;
·         Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício (este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios)

O desvio de poder

Exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante, mas que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder (artigo 15º LOSTA)
O desvio de poder pressupõe, portanto, uma discrepância entre o fim legal e o fim real (o fim efetivamente prosseguido pelo órgão administrativo).
Para se determinar a existência de um vício de desvio de poder, são necessárias 3 operações:

1 – Apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo administrativo um determinado poder discricionário (fim legal)
2- Averiguar qual o motivo determinante da prática do ato administrativo em causa (fim real)
3- Determinar se este motivo determinante condiz, ou não, com aquele fim legal estabelecido. Se coincidir o ato será legal e portanto válido. Se não houver coincidência, o ato será ilegal por desvio de poder e, portanto, inválido/ nulo – artigo 161 nº2 al. e)

O desvio de poder pressupõe, portanto, uma discrepância entre o fim legal e o fim real. As duas modalidades que o desvio de poder comporta são:

·          O desvio de poder por motivo de interesse público - quando a Administração visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe; Exemplo – exercício de poderes de policia, não para fins de segurança publica, mas para fins de obtenção de receitas financeiras para o tesouro publico.
·          O desvio de poder por motivo de interesse privado - quando a Administração não prossegue um fim de interesse público mas um fim de interesse privado; Exemplo – por razoes de parentesco, amizade, corrupção … ou quaisquer outros de natureza privada.


OUTRAS FONTES DE INVALIDADE

·         Ilicitude do ato administrativo

   Há outras fontes de invalidade do ato administrativo, além da ilegalidade. O primeiro caso em que tal acontece é o do ato ilícito.

 Quanto à ilicitude do ato administrativo, por norma, esta coincide com a sua ilegalidade, ou seja, o ato é ilícito por ser ilegal. Contudo, há casos em que um ato é ilícito sem, no entanto, ser ilegal, havendo, portanto, ilicitude sem haver ilegalidade.
São eles os casos:
   - Em que o ato administrativo, sem violar a lei, ofende um direito subjetivo ou interesse legitimo de um particular;
  - Quando o ato administrativo viola um contrato não administrativo;
  - Quando o ato administrativo ofende a ordem pública ou os bons costumes ( artigo 280º do código civil ; e
  - Quando o ato administrativo contém uma forma de usura ( artigo 282 a 284 do código civil)

·         Vícios da vontade no ato administrativo


   Segunda causa de invalidade do ato administrativo são os vícios da vontade - erro, dolo e coação.
Tradicionalmente, e na opinião de Marcello Caetano, estes casos eram considerados como ilegalidades.
Na opinião do professor Diogo Freitas do Amaral não é assim. O professor refere que estes casos não ofendem a lei não podendo portanto ser considerados ilegais.
Mas se não são considerados ilegais também não pode aceitar-se que um ato administrativo assim obtido possa ser considerado válido. Há que anula-lo ou na hipótese de coação declarar a sua nulidade.
O que acontece nestas três situações é que falta um critério de validade que a lei exige. Os atos da administração têm de provir de uma vontade esclarecida e livre. Se a vontade não for esclarecida ou livre, há um vício da vontade que deve fundamentar a invalidade do ato.

As Formas de Invalidade: Nulidade e Anulabilidade (artigo 133º e seguintes do CPA)

A Nulidade

A nulidade é a forma mais grave de invalidade.
 Traços característicos (Artigo 134ºCPA):

1.        O ato nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produzindo qualquer efeito;
2.        A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão;
3.       Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um ato nulo;
4.       Se mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de um ato nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (Artigo 21º CRP);
5.       Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo;
6.       O pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num ato administrativo pode ser feito junto de qualquer Tribunal, e não apenas perante os Tribunais Administrativos.

A Anulabilidade

É uma forma menos grave da invalidade e tem características contrárias às da nulidade (Artigo 136º CPA):

1.        O ato anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado, ou seja produz efeitos até ao momento da anulabilidade;
2.        A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão;
3.        Enquanto não for anulado, o ato anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos, quer para os particulares;
4.        Não é possível opor qualquer resistência à execução forçada de um ato anulável. A execução coativa de um ato anulável é legítima, salvo se a respetiva eficácia for suspensa;
5.       O ato anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei estabelece;
6.       O pedido de anulação só pode ser feito perante um Tribunal Administrativo.

  Conclui-se, com a sanação dos atos administrativos ilegais, que consiste na transformação de um ato ilegal. O fundamento jurídico da sanação dos atos ilegais é a necessidade de segurança na ordem jurídica, isto é, é preciso que, decorrido algum tempo sobre a prática de um ato administrativo, se possa saber com certeza se esse ato é legal ou ilegal, válido ou inválido. A obtenção desta certeza pode ser conseguida negativamente, permitindo a lei que o ato, por ser ilegal, seja revogado pela Administração ou anulado pelos Tribunais, ou positivamente – consentido a lei que, ao fim de um certo tempo, o ato ilegal seja sanado, tornando-se válido para todos os efeitos perante a ordem jurídica (artigo 28º LPTA).
   Por fim, importa referir que, a sanação dos atos administrativos pode operar-se por um dos seguintes modos:

·         Por um ato administrativo secundário (Artigo 136º CPA);
·         Por decurso do tempo.



Bibliografia: 

AMARAL,Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo – vol.II, 3ªed., Almedina, 2016

ALMEIDA, Mário Aroso de – TEORIA GERAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO, 2016, 3ª edição;

CAETANO, Marcello, "Manual de Direto Administrativo - Vol. I", Ed. Almedina, 10.ª edição (2008), Coimbra, p. 30;

Tiago vale
nº 57334












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