O novo regime do artigo 148º do CPA


Artigo 148º (CPA 2015)
Conceito de ato administrativo
Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Embora o preceito refira que a definição nele consagrada apenas vale para efeitos do CPA e a doutrina não se encontre vinculada por definições legais, a verdade é que o essencial do regime que a doutrina e jurisprudência foram construindo em torno do conceito de ato administrativo está, hoje, consagrado no CPA. Como o artigo 148º delimita o âmbito de aplicação desse regime, há dificuldade em vislumbrar o sentido ou utilidade de se conceber um conceito de ato administrativo diferente daquele que o CPA utiliza como critério de aplicabilidade do essencial regime que corresponde à teoria geral do ato administrativo.

Artigo 120º (CPA 1991)
Conceito de ato administrativo
Para os efeitos da presente lei, consideram-se atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Até à revisão de 2015, uma parte da doutrina reconduzia a noção de ato administrativo, introduzida pelo artigo 120º do CPA, ao conceito amplo de ato administrativo de Marcello Caetano, enquanto outra defendia um conceito mais restrito.
Apesar disto, é defendido por certos autores que o ato administrativo cujo regime ali se encontrava consagrado, nem correspondia ao conceito amplo de que partia Marcello Caetano, nem tão pouco correspondia ao conceito restrito.

·       Não correspondia, desde logo, ao conceito amplo de que partia Marcello Caetano, porque limitava a figura do ato administrativo aos atos de conteúdo decisório. Este artigo deu um primeiro passo no sentido de afastamento do conceito amplo de ato administrativo, ao introduzir no conceito um novo componente que reside no conteúdo decisório, assumindo que os atos administrativos são decisões.
Pode dizer-se que a definição do artigo 120º do CPA apontava para um conceito restrito de ato administrativo ou para o conceito de ato materialmente definitivo, na parte em que este conceito se referia a um ato que define, com força obrigatória, situações jurídicas num caso concreto, na medida em que, para que o ato administrativo defina situações jurídicas, é necessário que ele possua um conteúdo decisório.

·       O conceito do artigo 120º também não correspondia ao conceito restrito de ato administrativo ou ao conceito de ato administrativo materialmente definido, porque não limitava a figura dos atos com eficácia externa, comportando, assim, a existência de atos administrativos sem eficácia externa (admitindo que o conceito de ato administrativo do artigo 120º compreendia, não apenas os atos com eficácia externa, mas também os atos internos).

O regime do CPA, na redação anterior à revisão de 2015 reunia, pois, na mesma categoria de ato administrativo, tal como ela se encontrava definida no artigo 120º do CPA, tanto os atos de conteúdo decisório que se projetavam no âmbito da relação administrativa geral ou comum, como aqueles cujos efeitos se esgotavam no âmbito das chamadas relações intra-administrativas ou interorgânicas.
Com a revisão de 2015, o novo artigo 148º do CPA veio restringir o âmbito da figura do ato administrativo aos atos decisórios com eficácia externa e, por outro lado, tanto o regime procedimental, dos artigos 102º e ss, como o regime substantivo, dos 148º e ss, passaram a tomar como referência a figura, desse modo limitada.

A definição de ato administrativo introduzida pelo novo artigo 148º do CPA parece-nos adequada, na medida em que confere coerência à figura, deixando de nela incluir realidades heterogéneas, e, permite também imprimir um maior grau de coerência ao regime procedimental e substantivo que o CPA lhe faz corresponder. Com efeito, o conceito anterior tinha, o nosso ver, o inconveniente de englobar numa mesma categoria conceitual um conjunto de realidade, de tal modo diferenciadas que se tornava impossível torna-lo operativo, por não ser possível fazer corresponder a todas essas realidades um mesmo regime substantivo e procedimental.

A opção de limitar o âmbito da figura do ato administrativo aos atos que visem produzir efeitos externos tem, assim, o mérito de fazer corresponder a figura a uma realidade relativamente homogénea, atenta a função definitória, procedimental, estabilizadora que o ordenamento jurídico lhe faz corresponder, e em relação à qual se coloca um conjunto de exigências de regulação normativa que devem encontrar a resposta adequada, tanto no plano procedimental, como no plano substantivo, num regime configurado, de modo coerente, em função dessa realidade específica.

É assim que, no propósito de assegurar transparência e a participação dos interessados nos procedimentos que lhes digam respeito, o CPA passou a regular especificamente o procedimento dos atos administrativos, nos artigos 102º e ss., tendo claramente em vista o modo de formação dos atos dirigidos a produzir efeitos externos, de harmonia com a definição introduzida no artigo 148º.


Ana Rita Pato Ferreira, nº 57345

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