Tipos de invalidade do ato administrativo


O ato administrativo constitui a forma de ação administrativa por excelência.
No Código do Procedimento Administrativo (doravante designado CPA), o conceito de ato administrativo vem consagrado no art.148º, nos termos do qual “(…) consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Deste modo, aquando da inobservância das exigências (formais e materiais) da juridicidade do ato administrativo, ocorre uma sanção que, na maioria dos casos, se traduz na invalidade do ato.
Posto isto, irei abordar os tipos de invalidade do ato administrativo, em função de vários critérios, nomeadamente:
a.       Natureza do vício do ato gerador da invalidade (invalidade formal e invalidade substancial)
b.      Momento da vida do ato em que a invalidade surge (invalidade originária e invalidade superveniente)
c.       Natureza (direta ou indireta) da invalidade que atinge o ato (invalidade própria e invalidade derivada)
d.      Extensão ou grau de afetação do ato pela invalidade (invalidade total e invalidade parcial).

1.      Invalidade formal e invalidade substancial
Desde logo, a invalidade formal consiste no desvalor associado a certos vícios formais (aqueles que não geram a irregularidade do ato), enquanto a invalidade material decorre da presença de vícios substanciais do ato.
A autonomização da invalidade formal possui refrações determinantes em dois aspetos distintos, mas interligados: a renovação e o aproveitamento do ato.
Os atos que padecem somente de uma invalidade formal podem ser renovados após a respetiva invalidação (administrativa ou jurisdicional), isto é, após a invalidação de um ato com fundamento numa invalidade formal, pode o órgão competente praticar um novo ato administrativo, com o mesmo conteúdo do ato anterior, sem reincidir no vício determinante na invalidação.
Esta renovabilidade dos atos que padecem de invalidades formais permite avançar mais um passo e refletir sobre a possibilidade de os tribunais aproveitarem os atos afetados apenas por um vício formal.
Entre nós, esta ideia de aproveitamento do ato administrativo é frequentemente convocada a respeito de atos anuláveis, feridos de vícios de procedimento ou de forma, e que, ao mesmo tempo, se apresentem como atos estritamente devidos, em que a Administração não tem um poder de escolha. Deste modo, se os vícios não afetam o conteúdo da pronúncia, os efeitos (vinculados) foram produzidos, e não houver interesse relevante na anulação, exclui-se a anulação do ato (bem como o direito do particular a obter tal anulação). Assim, atribui-se ao juiz a capacidade de se abster de anular um ato, por vício de procedimento ou de forma, sempre que aquele conclua que o conteúdo da decisão administrativa não tenha outra alternativa juridicamente admissível e desde que não se vulnerem interesses ou valores fundamentais no caso concreto.
            Neste sentido, surge o art.163º nº5 alíneas a) e c) do CPA, que prevê o afastamento do efeito anulatório nas hipóteses em que o conteúdo do ato não pode ser outro (por se tratar de ato de conteúdo vinculado ou de uma situação de redução de discricionariedade a zero), bem como nos casos em que se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
            Questão mais discutível é o aproveitamento de uma decisão ferida de nulidade.
            Todavia, não obstante estas singularidades, as invalidades formais não deixam de ser relevantes. Aliás, existem invalidades formais cuja consequência jurídica é a nulidade, como ocorre nas alíneas f), g), h) e i) do nº2 do art.161º do CPA.
            Por último, as possibilidades de renovação e aproveitamento do ato resultam da repercussão que um vício formal pode ter no conteúdo de um determinado ato administrativo e no fim que este tenciona prosseguir.

1.1. Invalidade originária e invalidade superveniente
A distinção entre invalidade originária e invalidade superveniente é simples, desde logo, porque tem em conta o momento em que a invalidade surge.
Assim, quando no momento da perfeição do ato, ou seja, desde a fase constitutiva, este se encontra afetado por um vício qualquer, estamos perante uma invalidade originária, uma vez que o ato é inválido desde o momento da sua prática.
Por outro lado, verificamos a existência de uma invalidade superveniente quando, tratando-se de atos de eficácia duradoura, um deles não padeça de qualquer invalidade no momento da sua prática, mas, posteriormente, durante a respetiva vigência, passe a contrariar o direito, em resultado de uma alteração no ordenamento jurídico.
A propósito deste último tipo de invalidade, surge um problema relacionado com a aplicação da lei administrativa no tempo.
Conforme já referido, a invalidade superveniente afeta apenas atos de eficácia duradoura, devendo o mesmo compatibilizar-se com o princípio segundo o qual um ato jurídico tem de se conformar com as normas jurídicas vigentes no momento da sua prática. A observância deste princípio fica salvaguardada com a manutenção ou preservação dos efeitos produzidos pelo ato até ao momento da alteração do ordenamento determinante da invalidade do ato.
Além disso, a invalidade superveniente opera somente perante vícios materiais, isto é, perante uma desconformidade com o direito do conteúdo e dos efeitos que um ato pretende produzir, desta forma, um ato não padece de invalidade superveniente se, entretanto, o legislador veio prever novas diligências procedimentais necessárias para a prática de atos daquele tipo.

1.2. Invalidade derivada e invalidade própria
Estamos perante uma invalidade própria quando os vícios que afetam o ato administrativo resultam do incumprimento das exigências formais e substanciais que lhe dizem respeito.
Já estaremos no âmbito de uma invalidade derivada (reflexa, consequente ou consequencial) quando ocorra a propagação da invalidade de um determinado ato para outro ato deste dependente.
A questão é colocada no que respeita aos atos consequentes de atos judicial ou administrativamente anulados.
Segundo o entendimento doutrinário, só se deverão considerar feridos de invalidade os atos cuja manutenção se revele incompatível com a decisão administrativa de anulação ou sentença anulatória. Por outro lado, só se devem manter os atos na estrita medida do interesse dos contrainteressados, apenas se revelando suscetíveis de tutela os interesses de terceiros de boa fé, desde que não tenham sido contrainteressados no processo (ou no procedimento, no caso da anulação administrativa) que conduziu à anulação do ato, mas antes “alheios à disputa sobre o ato principal”1.
Está em causa um conceito funcional-material que reclama uma “ponderação dos interesses presentes nas situações da vida cuja reconstituição é determinada pela anulação de um ato administrativo”2.
Além disso, quando o ato antecedente é anulado por vício de forma, a Administração, em sede de execução da sentença ou da decisão, pode vir a praticar um ato com o mesmo conteúdo, sem reincidir no vício, e, consequentemente, não invalidando os atos consequentes.
Nesta matéria, o CPA deve ser lido em articulação com o CPTA, pelo que se justifica a estreita associação entre o art.172º do CPA (sobre as consequências da anulação administrativa) e o art.173º do CPTA (relativo ao conteúdo do dever de executar as sentenças anulatórias).
No entanto, estes preceitos não pretendem dar diretamente uma resposta à questão da (in)validade dos atos consequentes de atos anulados administrativa ou jurisdicionalmente, mas antes explicitar quais os deveres que impendem sobre a Administração após a anulação (administrativa ou jurisdicional) de um ato administrativo. Destes preceitos se conclui que a Administração terá somente o dever de anular os atos consequentes e, por conseguinte, esses atos serão feridos de invalidade apenas se a sua manutenção for incompatível com a reconstituição da situação atual hipotética.
Ainda neste âmbito, importa referir o art.172º nº3 do CPA, cuja pretensão é a de salvaguardar a situação jurídica dos beneficiários de boa fé de atos consequentes praticados há mais de um ano, cuja anulação produziria danos de difícil ou impossível reparação e revelaria uma desproporção entre o interesse (daqueles beneficiários de boa fé) na manutenção da situação real e o interesse na concretização dos efeitos da anulação. Contudo, tal não significa que, nestas hipóteses, os atos consequentes em causa não sejam inválidos, mas simplesmente que, ultrapassado o prazo de um ano (contado nos termos do art.168º nº2 do CPA), aqueles já não podem ser anulados, nem mesmo como consequência da anulação do ato pressuposto.
Cabe ainda mencionar que a invalidade derivada dos atos consequentes não decorre da simples anulabilidade do ato pressuposto, mas constitui antes uma consequência da sua anulação.
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, até à anulação do ato pressuposto, o ato consequente encontra-se numa situação de validade precária (ou invalidade suspensa ou pendente).
Por fim, ficou por apurar se a consequência jurídica associada à invalidade derivada dos atos consequentes é a nulidade ou a anulabilidade.
Ora, olhando para o art.172º do CPA, este refere-se ao dever de anular os atos consequentes, porém, acrescenta que não existe dependência de prazo, o que é algo contraditório. Perante tal deficiência na redação deste artigo, cabe agora articulá-lo com outras normas do CPA, o que nos leva a concluir que, quando padeçam de invalidade, os atos consequentes se encontram feridos de anulabilidade, ainda que, à luz do nº2 do art.172º do CPA, a Administração se encontre adstrita aos prazos previstos no art.168º do CPA.

1.3. Invalidade total e invalidade parcial
Para concluir, falarei da distinção entre invalidade total e parcial.
Ora, estamos perante uma invalidade total quando o vício afeta a subsistência do ato no seu todo, ocorrendo uma invalidade parcial, quando o vício atinge apenas uma parcela do ato, que, sem prejuízo para os efeitos típicos, se poderá manter, despojado da parte viciada.
A propósito da invalidade parcial, importa operar um confronto entre atos divisíveis e atos indivisíveis, sendo que os primeiros são aqueles cujo conteúdo é fracionável em partes distintas, sendo, consequentemente, suscetíveis de, isolada ou autonomamente, manterem um sentido autónomo (ex. atos que têm um conteúdo acessório). Quanto aos restantes, designam-se como indivisíveis.
Sob a égide da máxima “o inútil não vicia o útil” (“utile per inutile non vitiatur”) e dos princípios da economia de meios e do aproveitamento dos atos jurídicos, e com o objetivo de restringir os efeitos da invalidade, vem-se afirmando que padecem de invalidade parcial os atos divisíveis afetados por uma causa de invalidade apenas numa das suas partes. Porém, não obstante o facto de as invalidades parciais poderem atingir apenas atos divisíveis, nem todos os atos divisíveis parcialmente viciados padecem de uma invalidade parcial, assim, tal só acontecerá se a parcela afetada não representar, no contexto do equilíbrio do ato administrativo, uma parte essencial à produção dos efeitos típicos do ato.


1M. Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/Pacheco de Amorim, Código…, cit., p. 651.
2Vieira de Andrade, “Actos Consequentes e Execução de Sentença Anulatória (Um Caso Exemplar em Matéria de Funcionalismo Público)”, in: Revista Jurídica da Universidade Moderna, ano I, nº1, 1998, p. 37.



Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, 2016
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo”, Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2015.




Sara Miguel Melo Lavos nº56794 (2º ano, Turma B, Subturma 11)


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