Validade e eficácia do ato administrativo
Nos temos do
nº1 do art. 155 do CPA, “o ato administrativo produz os seus efeitos desde a
data em que é praticado”, correspondendo esta última ao culminar do
procedimento na fase constitutiva, o qual traduz igualmente o momento da
perfeição do ato. Da conjugação desde preceito com a noção de ato
administrativo resulta que: i) a eficácia do ato não coincide com a respetiva
validade; ii) em regra, o ato produz, simultaneamente, efeitos internos e
externos; iii) em princípio, os efeitos do ato revestem caráter imediato e
prospetivo.
Diferentemente
do que sucede no direito privado, em que os conceitos de validade e eficácia
confluem numa noção ampla de eficácia, no horizonte do Direito Administrativo,
impõe-se efetuar uma distinção nítida entre eles: assim, enquanto a validade
tem a ver com momentos intrínsecos do ato, com elementos constitutivos da
pronuncia, a segunda refere-se a elementos extrínsecos à decisão administrativa
(casos em que os atos dependem de controlos, de comunicação aos interessados,
de aceitação dos destinatários e atos que contenham cláusulas que imponham uma
condição suspensiva ou um termo inicial). A eficácia diz respeito à
operatividade do ato administrativo, ao passo que a validade está intimamente
conexionada com a existência ou não de vícios que comprometam a integralidade
do ato.
Por um lado,
um ato administrativo pode ser plenamente válido e não produzir os efeitos a
que tende, ex. por lhe faltar um determinado ato pertencente à fase integrativa
de eficácia ou por os seus efeitos se encontrarem dependentes da verificação de
um termo inicial ou de uma condição suspensiva (art.157 CPA).
Por outro
lado, também um ato inválido pode produzir os seus efeitos: um ato anulável
(inválido, portanto) é eficaz (embora estejamos apenas perante efeitos
provisórios) até ao momento em que não constitui objeto de uma decisão
(administrativa ou judicial) que lhe suspenda os efeitos ou o anule, e,
decorrido o prazo de impugnação, passará a produzir os seus efeitos normais,
ainda que permaneça inválido.
Deste modo,
quando falamos em ineficácia, temos em vista atos válidos ou atos cuja validade
não foi posta em causa. Claro que uma das causas de ineficácia pode consistir
na invalidade do ato: eis o que sucede com atos nulos, que se caracterizam
precisamente pela improdutividade jurídica total (art.162/1 CPA). Mas mesmo
nesta hipótese, o ordenamento admite, em homenagem a princípios normativos (como
a boa fé, a proteção da confiança e a proporcionalidade), a produção de certos
efeitos (de facto) art.162/3 do CPA). Dir-se-á, com maior propriedade, que a
nulidade do ato acarreta a respetiva ineficácia interna, embora viabilize a
subsistência da eficácia externa.
Atendendo à
diferença entre validade e eficácia, poderemos, assim afirmar que se reserva o
conceito de eficácia para os atos que estão atos a produzir os seus efeitos,
sem nos preocuparmos em conhecer da sua possibilidade de sobrevivência
definitiva.
Eficácia interna e eficácia externa
Deve-se ao labor dogmático da
doutrina germânica a distinção entre eficácia externa e eficácia interna do ato
administrativo.
A eficácia externa traduz o
surgimento do ato administrativo como ato jurídico-estadual, como realidade
jurídica, independente do seu conteúdo. Tendo em conta a possibilidade de haver
uma disparidade temporal entre a produção dos efeitos de um ato em função dos destinatários,
como por exemplo, numa ato plural reptício, cujos efeitos dependem,
relativamente a cada um dos destinatários, da data da notificação, a doutrina
esclarece que o conceito de eficácia externa assume um caráter relativo.
A eficácia interna consiste no
desencadeamento das vinculações jurídicas decorrentes da regulação jurídica que
o conteúdo do ato corporiza. Assim, um ato administrativo sujeito a um termo
inicial ou a uma condição suspensiva é internamente ineficaz: a regulação do
caso individual e concreto contida no ato só opera depois de verificado o
acontecimento certo ou o evento condicionante.
A diferenciação entre eficácia
externa e eficácia interna permite compreender que o desencadeamento da
eficácia não significa exatamente o meso que entrada em vigor do ato
administrativo.
Eficácia imediata e eficácia diferida; eficácia
prospetiva e eficácia retroativa.
Se, em princípio, os efeitos do
ato se produzem para o futuro (eficácia prospetiva) e a partir do momento da
sua prática (eficácia imediata), não significa que não existam compressões a
esta regra; quer dizer, o sistema jurídico admite a existência de atos com
eficácia retroativa, ou seja, que se projetam para um momento anterior ao da
sua perfeição, e de atos com eficácia diferida, cujos efeitos se libertam em
momento posterior à fase constitutiva. As situações em que tal pode acontecer
decorrem da convocação dos art.156º e 157º do CPA.
a)
O art.156º do CPA pretende consagrar os casos em que se
admite a retroatividade, aí incluindo 3 tipos diversos de atos administrativos:
1.
Os atos cuja natureza exige uma projeção de efeitos para
momento anterior ao da sua prática (atos interpretativos);
2.
Os atos cuja eficácia retroativa decorre da lei;
3.
Os atos aos quais a Administração pretende conferir
eficácia retroativa.
O conteúdo do preceito carece,
porém de um afinamento conceitual, para o qual a doutrina tem alertado,
destrinçando a retroatividade de noções paralelas como pseudo-retroatividade,
retroação e retrodatação.
A necessidade de precisão
terminológica decorre, desde logo, do exame da alínea a) do nº1 do art.156º do
CPA, quando considera os atos interpretativos como atos com eficácia
retroativa. A verdadeira retroatividade exige que a projeção dos efeitos para o
passado (para momento anterior à prática do ato) decorra de previsão legal ou
da vontade do órgão administrativo, e não da específica natureza do ato
administrativo; nesta última hipótese, está apenas em causa a situação de pseudo-retroatividade.
Por faltar igualmente uma vontade administrativa autónoma da produção de
efeitos ex tunc, apartadas da noção e do regime da retroatividade estão as
situações de retrodatação, em que a Administração se encontra obrigada por lei
a adotar um ato administrativo em determinado momento, mas, tendo-o praticado
posteriormente, vai determinar que os respetivos efeitos se contem desde a data
em que o ato se tornou legalmente devido.
Também nãose enquadrm no conceito
de retroatividade os casos em que, como decorrência de o procedimento incorporar
uma fase integrativa de eficácia, existe uma disparidade temporal entre o
momento da perfeição do ato e o momento da libertação dos respetivos efeitos:
pense-se num ato sujeito a aprovação, nestas hipóteses, os efeitos do ato
produzem-se desde a fase constitutiva. Alude-se, agora, não à retroatividade
mas à retrotração do ato administrativo.
A retroatividade dos atos jurídicos reconduz-se à produção de efeitos
para o passado, isto é, para um momento anterior à constituição do ato em
causa. A este propósito, sói ainda distinguir-se entre a teroatividade
autêntica e retroatividade inautêntica: a primeira refere-se à afetação de
situações que se constituíram e cujos efeitos se exauriram antes que o ato
estivesse perfeito, pelo que o ato pretende ter efeitos apenas sobre o passado;
a segunda reporta-se às hipóteses em que, pretendendo o ato projetar efeitos
para o futuro, toca situações duradouras, constituídas em momento prévio ao da
sua prática e que ainda subsistem.
A admissibilidade de atos retroativos (em sentido próprio) encontra-se
cerceada pelo condicionalismo previsto no nº 2 do artigo 156º do CPA que, para
àlem dos casos de autorização (ou imposição) legal (onde se podem, de algum
modo, incluir, como casos especiais, as hipóteses de anulação administrativa ou
jurisdicional, nos termos previstos no nº 2 do artigo 172º e no artigo 173º do
CPTA, respetivamente), admite a retroatividade de decisões revogatórias
praticadas pelos autores do ato revogado, na sequência da sua impugnação
administrativa, assim como a retroatividade favorável aos interssados,
respeitadora dos direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros,
desde que, à data a que se pretende remontar a eficácia do ato, já existissem
os pressupostos justificativos da retroatividade.
O artigo 157º do CPA estabelece os casos de eficácia diferida do ato
administrativo. Podemos organizar as hipóteses previstas em dois grupos: por um
lado, a dos atos administrativos cujo procedimento pressupõe uma fase
integrativa de eficácia, onde se podem incluir atos administrativos (ex: a aprovação),
atos de execução (ex: alvará), atos de natureza certificativa (ex: aprovação e
assinatura da ata, no caso das deliberações dor órgãos colegiais - artigo 34º ,
nº 6, do CPA), atos de natureza comunicativa (ex: a notificação ou a
publicação), e outros atos jurídicos (ex: referendo - Lei Orgânica nº 4/2000,
de 24 de Agosto, sobre o regime jurídico do referendo local); por outro lado,
os atos que contêm cláusulas acessórias destinadas a protelar a
"explosão" dos efeitos do ato (a condição suspensiva e o termo
inicial).
Se quisermos cruzar a eficácia diferida com o binómio eficácia
interna/eficácia externa, verificamos que o diferimento consentido pelo
legislador tanto pode atingir os efeitos internos como os efeitos externos do
ato: assim, enquanto, nos casos de aprovação, o adiamento da produção de efeito
refere-se à eficácia externa ( e, eventualmente, também à interna), a aposição
de um termo inicial contende tão-só com a protelação da eficácia interna.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso
de Direito Administrativo”, Volume II, 2016
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Teoria
Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código de Procedimento
Administrativo”, Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2015.
Caetano,
Marcello, Manual de
Direito Administrativo, Volume II, 10ª Edição, Almedina, 2007
Yuliya
Shevchuk nº56702
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