Vícios do Acto Administrativo



Sendo a ilegalidade uma das fontes da invalidade, tal como a ilicitude e os vícios da vontade, esta pode assumir várias formas, entre as quais, a Usurpação de poderes, a Incompetência, Vício de forma, Violação de lei e Desvio de poder. A estas formas chamam-se vícios do ato administrativo.

Usurpação de poderes

Começando pela usurpação de poderes, esta consiste na prática de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador, ou do poder jurisdicional por um órgão administrativo, encontrando-se assim, excluídos das atribuições do poder executivo, ou seja, ocorre quando um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado para a qual não está habilitado.
Este vício traduz-se numa violação grave do princípio da separação de poderes. Este vício assemelha-se ao vício da incompetência, porque na verdade, não é mais do que uma incompetência agravada. No entanto, a usurpação de poder autonomizou-se.
A usurpação de poder desdobra-se em três vertentes.
1ª-Usurpação do poder legislativo: o órgão administrativo pratica um acto pertencente às atribuições do poder legislativo, como por exemplo, a criação de um imposto por acto administrativo;
2ª-Usurpação do poder moderador: o órgão administrativo pratica um acto pertencente às atribuições do poder moderador ou presidencial;
3ª-Usurpação do poder moderador: o órgão administrativo pratica um acto pertencente às atribuições do poder judicial.
A consequência prática da usurpação de poderes vem consagrada no artigo 161ºnº2/a CPA que considera nulos os atos viciados de usurpação de poder.

Incompetência      

Este vício consiste na prática, por um órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou competências de outro órgão administrativo, tal como refere o Professor Freitas do Amaral.
A relevante diferença entre a incompetência e a usurpação de poderes, é que para esta última ocorrer, é necessário que o poder executivo invada a esfera de outro poder do Estado, enquanto, para que haja incompetência, é necessário que o órgão administrativo que praticou o acto invada a esfera de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo.
A incompetência pode dividir-se em absoluta e em relativa. Ocorre um vício de incompetência absoluta quando uma pessoa colectiva exerce a competência de outra pessoa colectiva, ou seja, quando um órgão administrativo pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva ou do ministério a que pertence. A consequência da incompetência absoluta é a nulidade, nos termos do artigo 161ºnº2/b do CPA. Ocorre um vício de incompetência relativa quando um órgão administrativo exerce as competências de outro órgão da mesma pessoa colectiva. A consequência da incompetência relativa é a anulabilidade, segundo o artigo 163ºnº1 do CPA.
A incompetência pode ainda distinguir-se em incompetência em razão da matéria, incompetência em razão da hierarquia, incompetência em razão do lugar e em incompetência em razão do tempo.
Há incompetência em razão da matéria, quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função da natureza dos assuntos. Muitas vezes, a lei confere competência a cada órgão em função das questões a tratar.
Existe incompetência em razão da hierarquia, quando o subalterno invade a competência do seu superior, ou quando o contrário acontece, e o superior invade as competências conferidas por lei ao subalterno.
No que diz respeito à incompetência em razão do lugar, esta dá-se quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território, como por exemplo, o Director de Estradas do Distrito de Aveiro tomar decisões da competência do Director de Estradas do Distrito de Coimbra.
Relativamente à incompetência em razão do tempo, esta ocorre quando um órgão administrativo exerce os seus poderes legais praticando um ato antes ou depois do momento ou período de tempo em que se encontra legalmente habilitado para o fazer.
Conclui-se que a estamos perante o vício da incompetência quando um órgão administrativo pratica um acto sem qualquer norma legal lhe atribua a competência para tal, como reforçam os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos.

Vício de Forma

Este vício funda-se no desrespeito pelso requisitos objectivos formais de legalidade do acto administrativo, como a preterição de formalidades essenciais ou a carência de forma legal. O vício de forma consiste em três modalidades, entre as quais, a preterição de formalidades anteriores à prática do acto, preterição de formalidades relativas à prática do acto e carência de forma legal.
As consequências do vício de forma são a nulidade para os atos que careçam em absoluto de forma legal, segundo o artigo 161ºnº2/g do CPA e para os restantes casos a anulabilidade, nos termos do artigo 163ºnº1.
No entanto, a preterição de formalidades posteriores à prática do ato administrativo, apenas produzem a sua ineficácia e não a sua ilegalidade, assim é, pois a sua validade afere-se pela conformidade com o ordenamento jurídico no momento em que é praticado, e neste caso, apenas existiria um vício de forma posterior ao acto que apenas resultaria na sua ineficácia.

Violação da lei

Esta forma de invalidade funda-se na discrepância entre as normas jurídicas aplicáveis ao acto e o seu conteúdo ou objecto. Dá- se, assim, uma ilegalidade de natureza material, pois a decisão em que o acto consiste contraria a lei. A ofensa verifica-se no próprio conteúdo ou objecto do ato.
Este exercício produz-se quando a Administração Pública, no exercício de poderes vinculativos, decide diferente do que estabelecido por lei ou quando não decide aquilo a lei manda decidir.
No entanto, também pode ocorrer um vício de violação da lei no exercício de poderes discricionários. Tal contraria a doutrina tradicional que defendia que perante poderes vinculados verifica-se uma violação da lei e perante poderes discricionários, o vício seria o desvio de poder. Mais tarde, a doutrina veio reconhecer o vício de violação da lei no exercício de poderes discricionários pois quando  a Administração pratica um acto que desrespeitada os princípios gerais da actividade administrativa que limitam o poder discricionário,  mas o acto não está ferido de desvio de poder, neste caso há violação da lei.

Desvio de Poder

Por último este vício baseia-se no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não coincida com o fim que a lei visou ao conferir tal poder.
O desvio de poder consiste assim numa discrepância entre o fim legal e o fim real. Para a verificação de um vício de desvio de poder, tem que se apurar o fim visado por lei ao conferir a certo órgão um determinado poder discricionário, apurar o motivo determinante da prática do acto administrativo em causa e por último determinar se este motivo determinante coincide ou não com o fim estabelecido por lei. Deste modo, se houver coincidência, o acto é válido, se não houver é inválido.
Dá-se um desvio de poder para fins de interesse público quando o órgão administrativo visa alcançar um fim de interesse público, diverso daquele a que a lei estabelece, resultando na anulabilidade do acto (artigo 163ºnº1 do CPA) Há desvio de poder para fins de interesse privado quando o órgão administrativo prossegue um interesse privado como, motivos pessoais ou de corrupção, em vez de um interesse público, que resultará na nulidade do acto, pois nos termos do artigo 161ºnº2/e- os actos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado são nulos.
Deste modo, o desvio de poder consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante desconforme com a finalidade para que a lei atribui tal poder.

Bibliografia:
-Sousa, Marcelo Rebelo de; Matos, André Salgado de, Direito Administrativo Geral Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 2ª Edição, Dom Quixote, 2006
-Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª Edição, Almedina, 2016
-Caupers, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, Âncora, 2009



Leonor Ferreira de Andrade - 56714

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